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“Elas estão dando tudo o que têm”: como pequenas igrejas estão salvando vidas nas enchentes do Rio Grande do Sul

Em um dos estados mais seculares do país, pequenas congregações têm tido um grande impacto com sua resposta à catástrofe.
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“Elas estão dando tudo o que têm”: como pequenas igrejas estão salvando vidas nas enchentes do Rio Grande do Sul
Image: Stringer /Getty/Edição por CT
Um morador local caminha por uma rua inundada, enquanto as pessoas são evacuadas de suas casas, em Porto Alegre

Durante semanas, Tárik Rodriguez se empenhou para trazer um pregador convidado e líder de louvor do outro lado do país, para participar da celebração do terceiro aniversário de sua igreja. Em 2021, Rodriguez e um reduzido grupo de pessoas fundaram a Igreja Cristã Viela da Graça, em Novo Hamburgo, uma cidade pequena do Rio Grande do Sul.

Mas, então, começou a chover.

E a enchente resultante fez bem mais do que interromper os planos para a comemoração da pequena congregação reformada. A inundação devastou a comunidade inteira. As tempestades, que começaram no final de abril, atingiram as áreas mais densamente povoadas do estado do Rio Grande do Sul e mataram pelo menos 116 pessoas. Cerca de 130 pessoas ainda estão desaparecidas. A enchente fechou estradas e até o aeroporto, que suspendeu voos até o dia 30 de maio. Estima-se que cerca de 400 mil pessoas foram deslocadas de suas casas e 70.772 estão em abrigos públicos, segundo informações coletadas até esta sexta-feira, dia 10 de maio.

Algumas dessas pessoas encontraram socorro na Igreja Viela da Graça, que se localiza em um terreno mais elevado e tem estado amplamente protegida de alagamentos. Desde 4 de maio, Rodriguez e membros da congregação de 75 pessoas têm hospedado cerca de 50 pessoas em um prédio de 350 metros quadrados que tem dois banheiros.

“Como cristãos, nós precisávamos abrir as portas da igreja”, diz Rodriguez. “E foi o que fizemos.”

Além da limitação de banheiros, a situação toda não tem sido a ideal. Há cortes de energia frequentes (1,2 milhão de pessoas foram afetadas por esses cortes) e o edifício está sem água corrente e sem água potável, porque a empresa de saneamento não consegue tratar as águas sujas da enchente. Um condomínio residencial próximo, que se abastece de água de poço, tem fornecido água potável e para banho.

Os esforços de socorro, nas atuais enchentes do Sul do país, chamam a atenção para o impacto que as pequenas igrejas podem ter quando servem suas comunidades neste que é um dos estados mais seculares do país.

“É como a oferta da viúva, em Lucas 21”, disse Egon Grimm Berg, secretário-executivo da Convenção Batista do Rio Grande do Sul. Essas pequenas igrejas “estão dando tudo o que têm.”

Às vezes, até mais do que possuem.

A Igreja em Reforma — uma congregação fundada há três anos e meio pelo pastor Emanuel Malinoski, no Quarto Distrito, bairro da moda de Porto Alegre — tem 80 membros. Quando o Rio Guaíba, que é vizinho da igreja, transbordou na semana passada, o primeiro andar do prédio da igreja ficou inundado. A água pode levar semanas para baixar.

Mas, mesmo com o primeiro andar inundado, desde o último domingo a igreja está cozinhando, limpando e distribuindo doações para 82 pessoas, em um abrigo improvisado na cidade vizinha de Canoas, que foi oferecido por uma família da igreja, e que até um mês atrás funcionava como um armazém. Agora, a defesa civil do estado está enviando desabrigados das inundações para lá.

“Nenhum deles [dos que estão sendo atendidos] é evangélico”, disse o pastor Emanuel Malinoski, que estava no prédio da igreja tentando salvar os móveis, quando as águas começaram a subir. “Estamos dando um testemunho importante para a nossa comunidade, para aqueles que não são cristãos.”

O Rio Grande do Sul tem um dos menores percentuais de evangélicos entre os 26 estados brasileiros. A capital, Porto Alegre, tinha 11,6% de evangélicos, de acordo com o censo mais recente de 2010, o que representa a proporção mais baixa entre todas as 27 capitais brasileiras. A maioria das igrejas tem menos de 80 membros, segundo Ricardo Lebedenco, pastor titular da Primeira Igreja Batista de Ijuí.

Localizada na pequena cidade de Ijuí, a 480 quilômetros a oeste de Porto Alegre — o marco zero da catástrofe — a congregação de 800 membros de Lebedenco está enviando mantimentos para centros de distribuição da capital com 1,3 milhão de habitantes.

Embora sejam apenas uma das inúmeras organizações que estão enviando ajuda às vítimas, muitos líderes seculares estão encorajando as pessoas a darem prioridade para trabalhar com as igrejas, para doações e distribuição de roupas, garrafas d’água, alimentos e dinheiro.

“Eles dizem que somos mais organizados e mais mobilizados”, disse Tiago Gomes de Mello, pastor da Igreja Batista Boas Novas, em Novo Hamburgo.

Esta é a segunda tragédia que o pastor Tiago presenciou na igreja em que foi batizado, em 1996. Em 2014, os fortes ventos de uma tempestade danificaram a igreja a tal ponto que o edifício teve de ser reconstruído. Durante o processo de reconstrução, e mais tarde, durante a pandemia da COVID-19, a igreja, que anteriormente contava com 500 pessoas, perdeu 90 por cento dos seus membros. Tiago assumiu a função pastoral em 2022 ,com a missão de revitalizar a igreja, que hoje conta com 51 pessoas.

Por volta das 5 horas da manhã de sexta-feira, dia 3 de maio, ele começou a receber pedidos de ajuda. Deixou sua casa, em Porto Alegre, e foi abrir a igreja para abrigar duas famílias — e descobriu que não conseguiria voltar depois.

A água das chuvas inundou as ruas e cercou a casa do pastor. A esposa dele, Thaís, e os filhos Ester, de 16 anos, e Josué, de pouco mais de um ano, foram resgatados de barco, na segunda-feira, e levados para a casa de um parente. O pastor Tiago finalmente se reencontrou com a família na terça-feira, mas somente depois de quatro dias de trabalho incansável na igreja, que hoje abriga 45 pessoas.

O serviço sacrificial das igrejas do estado é fruto do amor dessas pessoas por Deus, diz Marco Silva, pastor da Primeira Igreja Batista de Montenegro, que fica a 88 quilômetros de Porto Alegre e tem enviado apoio para igrejas menores da região.

“Quando preparamos uma marmita, quando saímos de barco para levar alimentos, quando embalamos cobertores para levar aos desabrigados, cada uma destas coisas é um ato de adoração”, disse.

O foco dos membros da igreja, portanto, não está na suspensão dos cultos, mas sim na oportunidade de “fazer teologia na prática”, disse Rodriguez. Na terça-feira, o pastor da Viela da Graça gravou seu sermão na sala de casa e vai postá-lo no YouTube, para que as pessoas possam assistir no domingo. Será um formato condensado, com dois cânticos de louvor, alguns anúncios e um sermão sobre Judas 1.20,21, versículos que têm servido como referência pessoal para ele nestes tempos difíceis: “Edifiquem-se, porém, amados, na santíssima fé que vocês têm, orando no Espírito Santo. Mantenham-se no amor de Deus, enquanto esperam que a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo os leve para a vida eterna.”

A Igreja Batista Boas Novas é uma das poucas igrejas da região afetada que conseguiu manter os cultos presenciais. Na verdade, eles até expandiram a quantidade de cultos. O pastor Tiago pregou no domingo, no sábado e na quarta-feira.

No domingo, a mensagem foi sobre o Salmo 121: “Levanto os meus olhos para os montes e pergunto: ‘De onde me vem o socorro?’”.

Muitos dos que vieram aos cultos sabem que a previsão meteorológica para a região diz que haverá mais chuva e que as temperaturas continuarão a cair com a chegada do inverno, dentro de algumas semanas, no estado que é uma das zonas mais frias do país.

“A igreja sabe que o nosso socorro vem do Senhor”, disse o pastor Tiago, que aproveitou para fazer um apelo à conversão, no fim do culto. “E também sabe que depois da chuva vem a colheita.”

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[ This article is also available in English. See all of our Portuguese (Português) coverage. ]

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