Há cinco anos, recebi um telefonema de uma amiga. Ela me contou que um de nossos amigos em comum havia tirado a própria vida. Ninguém sabia por quê.

Brian era um profissional de saúde bem-sucedido, com esposa, família e um futuro aparentemente muito brilhante. Muitos não viram indicação alguma de que algo estava errado, embora aqueles em contato próximo com ele soubessem que havia problemas. Ele apenas acordou certa manhã e, depois, nunca mais foi visto com vida. Todo mundo ficou arrasado.

O que você faz com uma notícia como essa? Uma das experiências humanas mais dolorosas deve ser dizer até mais tarde a um ente querido, pela manhã, e depois, nunca mais ver essa pessoa com vida. Pediram-me para pregar no velório de Brian. Preguei sobre os salmos de lamento e o amor infinito e infalível de Deus. Tentei ajudar as pessoas a verem que a alegria que Deus promete inclui sofrimento, e que os salmos de lamento oferecem uma linguagem fidedigna para expressar dor, quebrantamento, raiva e decepção pelo que meu amigo havia feito e pelo que Deus aparentemente não fez: salvá-lo.

Duas afirmações

Brian era cristão; ele amava Jesus, assim como sua família e muitos de seus amigos. E, apesar do profundo consolo do evangelho, para alguns, a primeira reação à sua morte por suicídio não foi consolo, mas medo. Apesar da sólida garantia do apóstolo Paulo de que “nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o que existe hoje nem o que virá no futuro, nem poderes, nem altura nem profundidade, nada, em toda a criação, jamais poderá nos separar do amor de Deus revelado em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.38–39), eles temiam pelo futuro eterno de Brian. Acho que esse é o problema com as teologias hipercognitivas, que presumem que nosso futuro eterno está em nossas mãos, e não nas mãos amorosas de Deus. Se é verdade que nem morte nem vida podem nos separar do amor de Deus, então, não precisamos temer a morte, mesmo a morte por suicídio. Simplesmente precisamos confiar na graça de Deus.

Há uma tensão difícil entre reconhecer que Deus não abandona aqueles que acabam com a própria vida e o imperativo de que tais ações não são o desejo de Deus para os seres humanos. Como Warren Kinghorn, teólogo da Duke Divinity School, certa vez me lembrou, duas afirmações são indispensáveis para uma abordagem cristã do suicídio:

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  1. O suicídio é uma tragédia e uma perda, e nunca deve ser encorajado nem visto pelos cristãos como algo positivo.
  2. Nada poderá nos separar do amor de Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor.

Se nós, cristãos, proferirmos uma dessas afirmações sem a outra, cairemos em erro. Meu sermão, no funeral de Brian, tentou captar a dinâmica complexa dessas duas declarações. Os salmos de lamentação articulam a realidade da tragédia e da perda lado a lado com a realidade do amor infinito de Deus. Essa abordagem não tira nossa dor, mas com certeza nos dá um certo tipo de esperança consoladora. Creio que as pessoas foram amparadas por esse sermão.

Mas, então, algo mudou.

Os resultados da autópsia chegaram, e descobriu-se que Brian tinha um problema na glândula pituitária que pode ter contribuído para sua depressão e morte, ao final. Algumas pessoas pareceram estranhamente aliviadas quando ouviram isso. “Ah! A questão não era, na realidade, a sua mente. Era o corpo dele que tinha um problema.”

Bem, pode ter sido esse o caso, mas há duas coisas a considerar, quando refletimos sobre essa reação. Primeiro, o dualismo espiritual é bastante surpreendente. Se a morte de Brian tem algo a ver com sua mente, então é um problema espiritual, mas, se tem a ver com seu corpo, é um problema médico. Segundo — e correlacionado ao primeiro ponto —, é interessante como a medicina se tornou, para alguns, uma teodiceia terapêutica, uma forma de explicar a presença do mal e do sofrimento perceptíveis. Se o problema encontra-se na psique humana, e se a psique humana é o ponto em que determinamos nossa salvação, então, Brian tem um problema real. Mas, se a questão é biológica, então, a medicina pode explicá-la, sem que haja necessidade de fazer perguntas incômodas sobre a natureza de Deus e o significado do sofrimento humano.

Um dos problemas dos ocidentais modernos é a tendência de equiparar alma e mente. Culturalmente, atribuímos um valor social excessivo ao intelecto, à razão, à rapidez de pensamento e à habilidade acadêmica. Certas vertentes do pensamento teológico podem ser sugadas por essa armadilha hipercognitiva, quando uma ênfase determinante é posta no intelecto e nas habilidades verbais, com a proclamação verbal do nome de Jesus tomada como um aspecto central e vital de nossa salvação. Quando pensamos assim, qualquer dano à mente se transforma, implícita ou explicitamente, em dano à alma.

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Isso pode se tornar particularmente difícil para cristãos viverem bem com problemas de saúde mental, danos cerebrais ou algo como a demência. A implicação de que o problema real é o dano à alma ronda como um leão que ruge. A sensação palpável de alívio que alguns de meus bem-intencionados amigos cristãos expressaram, ao encontrar uma teodiceia médica, é um mero exemplo de um fenômeno cultural que é, para dizer o mínimo, problemático.

Uma linguagem libertadora

Avancemos de cinco anos para alguns meses atrás. Eu tinha acabado de descer de um voo de Aberdeen para Londres, e estava caminhando em direção à saída do aeroporto, quando um homem que eu nunca tinha visto antes me parou. “Você é John Swinton?”, ele disse. Nunca tenho certeza se devo responder a uma pergunta como essa! Mas, naquela ocasião, respondi. Ele disse: “Você falou no funeral de Brian, cinco anos atrás. Eu só quero agradecer-lhe. Nunca havia pensado em sofrimento e alegria daquela forma, e certamente nunca pensei que fosse normal ficar zangado com Deus e expressar raiva e frustração por meio dos salmos. Eu só queria agradecer.” Dito isso, ele foi embora.

Saí do aeroporto e peguei um trem para o centro de Londres. Enquanto pensava naquele rápido encontro, comecei a perceber que o problema que muitas pessoas sentiram, quando Brian tirou a própria vida, foi que elas não sabiam o que dizer. Os amigos de Brian não tinham uma linguagem eficaz para expressar a dor, a perda e, de fato, a raiva que sentiram em relação à situação — e, de muitas maneiras, em relação a Deus. Eles haviam se tornado monoidiomáticos em sua vida de fé, seguros e confiantes em relação à linguagem da felicidade e da esperança, mas completamente perdidos quando se tratava da linguagem para expressar sofrimento, quebrantamento, decepção e, em particular, a compreensão bíblica da alegria.

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Eles tinham ouvido Jesus dizer: “Eu lhes digo a verdade: vocês chorarão e se lamentarão pelo que acontecerá comigo, mas o mundo se alegrará. Ficarão tristes, mas sua tristeza se transformará em alegria” (Jo 16.20), mas não haviam experimentado a iluminação de suas palavras. Essa falta de uma linguagem adequada os levou a recorrer à medicina e à biologia para obter alívio intelectual e espiritual. Eles se voltaram para essas áreas da ciência como teodiceias, não apenas porque aliviavam seus temores sobre o destino eterno de Brian, mas porque falavam uma língua com a qual estavam familiarizados. A medicina e a biologia representavam ambientes seguros. Dentro de sua tradição teológica, eles não conseguiam encontrar o tipo certo de linguagem para articular seus sentimentos e medos. A linguagem da medicina e da biologia preencheu essa lacuna.

Aquele desconhecido no aeroporto me ensinou que as palavras do meu sermão forneceram a ele uma linguagem para expressar a tristeza, a dor e a raiva que sentia, e que essa linguagem vinha de dentro de sua tradição de fé, de uma forma que ele não percebera anteriormente. Minha exposição sobre o poder dos salmos o moveu do silêncio para a fala. Eu o ajudei a reformular o lamento e a alegria.

Ao compreender a natureza e o propósito da alegria, podemos entender a depressão de uma maneira diferente, e isso nos proporcionará um modo de falar sobre a depressão (e de permanecer em silêncio) que é tanto libertador quanto, espero, curador. Compreender a depressão pelas lentes da alegria cristã pode nos ajudar a entender a depressão com mais profundidade e a reagir a ela com mais fé.

John Swinton é professor de teologia prática e cuidado pastoral na Universidade de Aberdeen, na Escócia, e diretor fundador do Centro de Espiritualidade, Saúde e Deficiência. Ele é o autor de Finding Jesus in the Storm: The Spiritual Lives of Christians with Mental Health Challenges (Eerdmans), obra da qual este ensaio foi adaptado.

Traduzido por Maurício Zágari

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