Sua pregação não é a obra de Deus. Você é a obra de Deus. Recebi essa visão de uma maneira peculiar.

Enquanto cuidava da vida, liderando uma fundação que ajudava denominações a plantar novas igrejas, inesperadamente um recrutador me procurou para saber se eu tinha interesse em liderar o Alpha USA. Sempre adorei a interseção entre evangelismo, igreja e cultura. Eu tinha grande respeito pelos líderes internacionais do Alpha, então, busquei sinceramente discernimento, antes de assumir esta nova função.

Como parte dessa busca, telefonei para meu amigo Dallas Willard. Dallas pôde sentir em mim uma ênfase exagerada na escolha de um trabalho. Ele disse: “Todd, seu trabalho não é a obra de Deus. Você é a obra de Deus. Seu trabalho é simplesmente um contexto no qual você se torna um aprendiz de Jesus”. Mais tarde descobri que aquilo que aprendi sobre o trabalho, naquele dia, também se aplica à pregação: Todd, sua pregação não é a obra de Deus. Você é a obra de Deus. A pregação flui da obra de Deus dentro de nós.

Antes da proclamação

Proclamar é apregoar algo em público. Nós, pregadores, amamos a proclamação — ela é ativa e enérgica. Também tendemos a ficar entusiasmados com a ideia do que Deus está fazendo através de nós. Há uma sensação inebriante que vem do fato de ser usado por Deus. É emocionante! Isso não é em si um problema, contanto que reconheçamos que a proclamação requer “pré-clamação” — um clamor silencioso e oculto de nosso coração por Deus, de modo que nossa principal motivação, não importa o tamanho da multidão, seja pregar para uma audiência de um.

Essa pregação é a expressão exterior de uma jornada interior. A pregação está inevitavelmente ligada à vida interior do pregador. A realidade interior de uma pessoa é a nascente da qual flui a pregação. O que Deus está fazendo em mim transborda por meio da minha pregação.

Existe uma forte conexão entre a transformação interior e a proclamação exterior. A primeira inevitavelmente dá cor à última. Podemos tentar disfarçar, mas um coração insosso certamente produzirá um ensino insosso. Um coração espinhoso transbordará em um sermão espinhoso e cruel. Um coração ansioso irradia uma mensagem que gera ansiedade. Um coração cheio de julgamento envenena uma homilia. E o desejo de que Deus fale através de mim na pregação trará sérias armadilhas, se antes eu não orar: “Deus, fala comigo”. Devemos prestar atenção a uma questão crucial: “O que Deus está fazendo em mim?”

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Os tesouros do seu coração

Um trabalho exegético e hermenêutico sólido é crucial. Um formato homilético eficaz também é bom. Mas nós, pregadores, clamamos por algo mais profundo. Ansiamos que um poder especial flua em nós e transborde por meio de nós.

O que constitui uma boa pregação? Os tesouros do coração. Descobri que praticar a sabedoria que Jesus ensina sobre o coração renova a pregação: “Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração”; “A boca fala do que está cheio o coração”; “Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração” (Mt 6.21; 12.34; 22.37).

As afeições de nosso coração vêm à tona na pregação tanto quanto (ou talvez até mais do que) nosso intelecto. E uma afeição devidamente ordenada é o que meu amigo Dallas estava instigando em mim. Aplicando isso à pregação, ele escreveu:

Homens e mulheres envolvidos no ministério, que não encontram satisfação em Cristo, provavelmente, demonstrarão isso com esforço e preparação excessivos, antes de pregar, e sem ter paz sobre o que fizeram, depois de pregar. Se não tivermos chegado ao lugar de descanso em Deus, voltaremos e pensaremos: "Ah, se eu tivesse feito isso". Ou: "Ah, eu não fiz aquilo". Quando você chega a um ponto em que está sorvendo profundamente de Deus e confiando que Ele agirá com você, sentirá paz sobre o que comunicou.

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Quem prega sem contentamento em Jesus corre o risco de transformar uma congregação do corpo de Cristo em uma audiência, da qual extrairá energia carnal e pseudossatisfação de curta duração. A tentação acontece assim: Não estou sentindo particular contentamento em Cristo, então, quando meu sermão é nota 6,5, em vez de 10, sinto-me inseguro e preciso de algo da multidão, para me assegurar de que sou uma pessoa valiosa. Mas os pregadores que estão profundamente satisfeitos em Jesus não são tipicamente tentados a usar as multidões para se sentirem seguros.

Desenvolver essa forma de contentamento é algo mais fácil de falar do que de fazer. Podemos nos sair bem em certas épocas da vida e mal em outras. Mas atitudes consistentes e um estado emocional estável virão, à medida que cultivarmos o coração descrito acima por Jesus. Minha paráfrase de Provérbios 4.23 me ajuda a estar alinhado com o que Jesus pretendia: “Ponha tudo o que você tem aos cuidados do seu coração — seu eu oculto, causador e motivador — pois dele procede tudo o que você faz. Ele é a verdadeira fonte de sua vida exterior. Ele determina o que significa a sua vida”.

Os domingos são uma rotina

Os domingos e suas exigências de pregação acontecem continuamente, como uma roda de moer implacável. E essa rotina, com o tempo, pode deformar nosso espírito, o que, então, destrói nossa pregação. Paulo estava ciente da conexão entre seu espírito e a pregação. Na verdade, ele disse: “O Deus a quem sirvo em meu espírito, anunciando [pregando] as boas-novas a respeito de seu Filho” (Rm 1.9, NVT). Em meu espírito significa essencialmente “de maneira espiritual”. Refere-se à pregação que vem lá do meu interior. É uma pregação que não consiste apenas em uma atividade mental ou física, mas que emerge de todo o coração e de toda a alma.

Em meio à rotina semanal para elaborar sermões, como protegemos nossos corações e almas? O que pode manter nossa pregação sempre renovada, livre de amarras e frutífera? É difícil, mas estou descobrindo que não preciso ser uma vítima da roda da rotina. Vários princípios me ajudam.

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Eugene Peterson, ao descrever o solo no qual cresce a melhor pregação, faz uma citação da obra Moby-Dick, de Herman Melville: “Para garantir a maior eficiência do dardo, os arpoadores deste mundo devem começar a se mover a partir do descanso, e não da fadiga”. Em vez de sempre descansar da pregação, estou aprendendo a pregar a partir de um descanso essencial. Também dedico tempo à contemplação e a receber graça e paz. Isso me livra do esforço para controlar os resultados. Isso me dá tranquilidade para pregar, sabendo que Deus faz por nós, pregadores, o que não podemos fazer sozinhos.

A roda da rotina tem menos força quando cultivamos uma confiança cada vez maior no Espírito Santo. Para mim, o ato de falar em público é cada vez mais o transbordamento da escuta privada, interior. Um coração calmo e atento, sintonizado com o Espírito Santo, o texto e meu contexto, parece ser o ingrediente essencial para uma pregação eficaz.

Pregação graciosa, generosa e generativa

Quando era um jovem pregador, eu costumava orar por vários tipos de sucesso: para pregar bem, para receber outros convites para pregar ou para que muitas pessoas quisessem uma gravação de minha mensagem. Mas as orações dos meus últimos anos se alinham muito mais com as ideias que estamos discutindo.

Agora, pouco antes de me levantar para pregar, coloco minha mão sobre o lugar de onde Jesus disse que procedem as palavras: meu coração. Eu oro: "Deus, ajuda-me a estar verdadeiramente presente neste momento e para este grupo de pessoas. Irradia em mim e através de mim uma presença graciosa, generosa e generativa. O Salmo 23 também é útil nesses momentos. Em minha mente, vejo os elementos corporais implícitos nas palavras do salmo: “Unges-me a cabeça com óleo; o meu cálice transborda”(v. 5).

Sabendo que sou uma obra de Deus e que Ele está trabalhando em minha vida, peço que aquilo que Deus tornou real em mim seja para o bem dos outros. Lembrando-me do ensinamento do Mestre, “A boca fala do que está cheio o coração”, subo ao púlpito, e procuro pregar de dentro para fora.

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Todd Hunter é bispo da diocese de Churches for the Sake of Others, da Igreja Anglicana, na América do Norte. Autor e professor, ele é ex-presidente da Vineyard USA e da Alpha USA.

Traduzido por Erlon Oliveira

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