Quando Anne Graham Lotz era criança, ela fez uma trilha de 22 quilômetros nas montanhas Blue Ridge, acompanhada de uma amiga. A certa altura, elas se viram perdidas em um bosque de loureiros, sem saber como encontrar o caminho de volta. “Esses bosques podem cobrir a encosta de uma montanha, e você se vê em uma mata cerrada”, disse Anne Lotz a CT. “Você não consegue ver nada acima, além, nem dos lados”. Felizmente, sua amiga tinha levado uma bússola na mochila, e, com ela, puderam definir seu curso para o norte e encontrar o caminho para sair daquele bosque. “Voltamos à trilha que havíamos perdido e chegamos onde precisávamos chegar”, disse Anne Lotz, “e tudo acabou bem”.

Ela compara essa experiência ao seu modo de abordar a leitura da Bíblia todos os dias. “Quando me levanto de manhã e passo um tempo com o Senhor, é como acertar minha bússola para que, independentemente da direção que eu tome durante o dia, a bussóla sempre aponte o norte”, disse Lotz. “Meus pensamentos e minha atenção estão centrados no Senhor.

Mulheres lideram no compromisso com as Escrituras

O empenho de Anne Lotz em gastar um tempo diário com a Palavra reflete os hábitos de compromisso com a Bíblia de muitas mulheres americanas. O estudo do cenário religioso conduzido pelo Pew Research Center relata que, entre os protestantes evangélicos, 66% das mulheres leem as Escrituras pelo menos uma vez por semana, em comparação com 58% dos homens. Embora esses hábitos de leitura da Bíblia possam incluir o envolvimento com as Escrituras durante um culto na igreja ou um estudo bíblico no meio da semana, as mulheres também ultrapassam os homens quando se trata de seu envolvimento com as Escrituras fora da igreja. De acordo com o Levantamento sobre Religião de 2017, conduzido pela Baylor University, 36% das mulheres cristãs passam um tempo sozinhas, semanalmente ou diariamente, lendo a Bíblia, em comparação com 29% dos homens cristãos.

A pesquisa sobre o Estado da Bíblia em 2020, encomendada pela American Bible Society (ABS) e conduzida pelo Instituto Barna, também descobriu que “as mulheres são mais comprometidas com as Escrituras do que os homens”. O estudo relata que mais da metade das mulheres americanas (52%) assumem as posturas de “amigas da Bíblia”, “engajadas na Bíblia” ou “centradas na Bíblia”, em comparação com 47% dos homens americanos. Os pesquisadores usaram o termo “amigas da Bíblia” para descrever aquelas que “interagem com a Bíblia de forma consistente” e podem considerá-la “uma fonte de entendimento espiritual e sabedoria”. O termo “engajadas na Bíblia” descreve aquelas que “interagem com a Bíblia de forma frequente — transformando seu relacionamento com Deus e com os outros”. Finalmente, “centradas na Bíblia” descreve aquelas cuja interação frequente com as Escrituras transformou não apenas seus relacionamentos, mas também suas escolhas.

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O relatório da ABS também observa que os afro-americanos “são mais engajados nas Escrituras do que outros grupos raciais ou étnicos”. Entre os cristãos negros, o Pew Research Center relata uma diferença de gênero semelhante: 64% das mulheres cristãs negras leem a Bíblia pelo menos uma vez por semana, em comparação com 56% dos homens cristãos negros.

Então, por que as mulheres estão liderando na área de compromisso com a Bíblia? Embora os estudos do Pew research Center e da American Bible Society não abordem diretamente a causa definitiva dessas descobertas, outras pesquisas, apoiadas por observações de importantes autoras de obras sobre o estudo da Bíblia, apontam para possíveis razões sociológicas, culturais e eclesiásticas.

Diferenças nos hábitos de leitura

“Mais mulheres leem, para começar”, disse Sandra Glahn, professora do Seminário Teológico de Dallas e autora de estudos bíblicos, quando questionada sobre a elevada taxa de engajamento bíblico entre as mulheres. “Já sabemos disso há muito tempo. Existem muitas teorias sobre o motivo, porém, mais mulheres estão comprando livros, seja lá de qual tipo for”.

De modo geral, mulheres e meninas tendem a ler mais do que homens e meninos. De acordo com o estudo sobre as “Diferenças de gênero no desempenho nas áreas de leitura e escrita”, divulgado por American Psychologist, as mulheres leem mais do que os homens em quase todos os países desenvolvidos. Desde a infância, as mulheres também leem com mais profundidade e têm maior compreensão da leitura do que os homens. Embora a maioria das diferenças de gênero em relação às habilidades cognitivas sejam consideradas mínimas, triviais ou estatisticamente insignificantes, a diferença no desempenho em leitura “ultrapassa em tamanho o patamar dos efeitos de diferenças de gênero não triviais”. Em termos mais simples, as diferenças em termos de linguagem e leitura, entre homens e mulheres, são grandes o suficiente para serem significativas e importantes. Os hábitos de leitura frequente e profunda que as mulheres trazem para outros textos são provavelmente um fator de influência no engajamento das mulheres com as Escrituras.

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Flexibilidade de cronograma

Embora alguns especialistas em negócios sugiram que horários de trabalho flexíveis são o futuro do emprego para homens e mulheres, as mulheres há muito priorizam a flexibilidade, a fim de equilibrar trabalho e vida familiar. Jackie Hill Perry, autora de Gay Girl, Good God e de um estudo recente da Bíblia LifeWay sobre o Livro de Judas, disse: “Não que as mulheres tenham mais tempo — mas acho que as mulheres têm mais tempo em casa”. Quer as mulheres estejam em casa trabalhando ou conduzindo a educação escolar dos filhos, Jackie Perry acredita que esse tempo em casa e a flexibilidade na programação diária fornecem a algumas mulheres mais oportunidades de se aprofundar nas Escrituras.

Jennie Allen, fundadora do IF: Gathering e autora do livro e estudo bíblico Get Out of Your Head, também disse que a liderança das mulheres no engajamento com a Bíblia provavelmente tem a ver com o fato de terem “margem” durante o dia. “Muitas mulheres que conheço faziam ‘Programas para Mães’”, disse Jennie Allen. “Elas levavam os filhos a estudos bíblicos, alguém ficava com eles por três horas, e essas mães [estudavam a Bíblia].”

Claro, nem todas as mulheres escolhem trabalhar em casa ou têm essa opção. Anne Lotz, comentando sobre o compromisso das mulheres com o estudo da Bíblia em épocas anteriores, disse: “Um dos motivos era porque as mulheres pareciam ter mais tempo em casa [. . .] e os homens trabalhavam fora de casa. Isso não é mais verdade, pois acho que há tantas mulheres trabalhando fora de casa quanto homens”. Na verdade, o US Bureau of Labor Statistics relata que, em 2014, cerca de 6 em cada 10 mulheres com 16 anos ou mais trabalhavam fora de casa (57%), em comparação com índices de 43% em 1970 e de 34% em 1950. Em 1900, apenas 6% das mulheres casadas trabalhavam fora de casa. Para as mulheres de hoje que não têm flexibilidade ou margem significativas em seus horários de trabalho, pode haver outros fatores que as estejam levando a priorizar o tempo gasto na leitura e no estudo da Bíblia.

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Liderança e oportunidades de ministério limitadas

Christine Caine, fundadora da A21 Campaign and Propel Women, postula outra razão pela qual as mulheres americanas são tão altamente comprometidas com a leitura e o estudo da Bíblia: “Será porque não há oportunidades para as mulheres servirem de forma mais ampla no contexto da igreja local?”

Em seu estudo Christian Women Today, realizado em 2012, o Barna Group se referiu às mulheres como “a espinha dorsal das igrejas cristãs nos Estados Unidos”. Ainda assim, o estudo descobriu que, embora muitas mulheres estivessem satisfeitas com suas oportunidades de ministério e liderança, uma parte notável não estava. “Cerca de três em cada 10 mulheres que vão à igreja (31%) dizem que se resignaram com baixas expectativas quando se trata da igreja. Um quinto sente-se subutilizada (20%). Um sexto diz que suas oportunidades na igreja são limitadas pelo gênero (16%). Aproximadamente uma em cada oito mulheres se sente subestimada por sua igreja (13%), e uma em cada nove acredita que não é devidamente valorizada (11%). ” O relatório do Barna observa que, embora esses índices possam parecer baixos, eles representam milhões de mulheres que se sentem subutilizadas por sua igreja local.

As oportunidades limitadas de liderança e ministério que algumas mulheres encontram em suas congregações podem levá-las a procurar outras maneiras de servir e exercer seus dons espirituais. O estudo da Bíblia é uma àrea em que as oportunidades abundam. Christine Caine comentou sobre a diferença entre seu país natal, a Austrália, e a popularidade e a prevalência de ferramentas para estudos bíblicos escritos por mulheres na América. “Na Austrália é exatamente o oposto”, disse Caine. Ela acredita que, se as mulheres tivessem mais oportunidades de usar seus dons espirituais e de comunicação na igreja local, talvez “não nos ocorresse escrever um estudo bíblico, a menos que tivéssemos estudado em um seminário”.

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Mulheres têm sucesso como autoras prolíficas de estudos bíblicos

Além de ultrapassar os homens em termos de frequência de engajamento com a Bíblia, as mulheres, como autoras de estudos bíblicos, regularmente lideram ou figuram nas listas de best-sellers de editoras cristãs. A LifeWay, por exemplo, lista as autoras de estudos bíblicos Beth Moore, Priscilla Shirer, Kelly Minter, Lysa TerKeurst, Jen Wilkin, Angie Smith e Lisa Harper entre seus autores mais vendidos.

Kelly Minter, autora do recente estudo bíblico da LifeWay Finding God Faithful: A Study on the Life of Joseph, disse que o sucesso e a visibilidade das autoras de estudos bíblicos fizeram aflorar seu desejo de escrever livros desse tipo. “Tudo começou com Kay Arthur, depois Beth Moore e Priscilla Shirer — os estudos bíblicos para mulheres realmente se tornaram populares. As pessoas começaram a viajar para participar de palestras dessas autoras, a ir a livrarias para comprar seus livros, a acessar a Amazon para comprar seus estudos”, disse Kelly Minter. “Eu não conhecia Beth Moore, mas ela me ensinou a escrever estudos bíblicos, e Kay Arthur também.” Kelly Minter observou que, mesmo sendo uma estudante do ensino médio, ela estava mergulhando nas Escrituras por meio dos estudos bíblicos de Kay Arthur.

Jennie Allen sugeriu que a popularidade das autoras de estudos bíblicos se devia, em parte, à oferta e à procura. Ela observou que as mulheres podem ser mais propensas a usar recursos de estudo, enquanto os homens podem abordar o engajamento com o estudo da Bíblia de uma maneira diferente. Jennie Allen disse: “Quando penso nos rapazes se reunindo na igreja, [observo que] eles tomam café das seis às sete [da manhã] e compartilham a vida. Eles colocam os assuntos em dia e prestam contas uns aos outros. Penso em meu marido [e] no que ele esteve [envolvido] ao longo dos anos; é algo do tipo: ‘Vamos estudar Romanos 8 ao longo de um semestre, com outros 10 irmãos’. Cada um deles pega um versículo e discorre sobre ele — é muito diferente”.

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Jennie Allen também alega que as mulheres, que podem ter sido ensinadas principalmente por homens em suas congregações locais, anseiam pelas vozes e perspectivas de líderes femininas e querem essas vozes em suas vidas. Ela observou: “Foi aberto um caminho para o estudo bíblico para mulheres e para o treinamento de mulheres — porque a maioria dos professores de domingo e de quarta-feira à noite eram homens.”

Para algumas autoras, escrever um estudo bíblico não era o objetivo principal. Kay Arthur, fundadora da organização Precept e uma das mais prolíficas autoras e professoras de estudos bíblicos do mundo, disse: “Nunca sonhei em ser nada do que sou, exceto ser uma mulher de Deus. Nunca quis escrever estudos bíblicos. Nunca sonhei em ser uma preletora. Nunca sonhei em minha vida que escreveria um livro. Nunca pensei em começar um ministério. Simplesmente fiz o que Deus colocou diante de mim, um passo de cada vez, atravessando as portas que ele abria”.

Com relação aos graus mais elevados de engajamento das mulheres com a Bíblia, Kay Arthur disse: “Não sei dizer o porquê”, mas ela contou como seu próprio caminho para o ensino e a autoria de estudos bíblicos surgiu de uma necessidade que ela sentiu, quando deu aulas para adolescentes no México, e, depois, nos Estados Unidos. Ela citou um de seus versículos favoritos, Salmos 119.102, que diz: “Não me desviei das tuas ordenanças, pois tu mesmo me ensinaste” (NASB). Kay Arthur diz que seus estudos bíblicos surgiram de “uma paixão para que as pessoas descobrissem a verdade sobre Deus por si mesmas, aprendendo a estudar indutivamente”.

O poder transformador da Palavra

Como Kay Arthur, muitas das mais conhecidas mulheres que se dedicam a ensinar a Bíblia hesitam em tentar adivinhar por que as mulheres dedicam mais tempo à leitura das Escrituras do que os homens. Mas elas sabem por que são apaixonadas por isso: elas dão testemunho de como o tempo dedicado às Escrituras mudou suas próprias vidas e serve como base para seu relacionamento com Deus.

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“Não creio que se possa conhecer a Deus pelo que ele é à parte da Palavra”, disse Anne Lotz. “Pode-se ter alguns vislumbres dele, talvez. Pode-se saber sobre ele, ver reflexos dele — mas ele se revelou com precisão por meio da Palavra escrita, a Palavra viva. ” Ela continuou: “Não quero conhecer a Deus por aquilo que algumas pessoas dizem que ele pode ser, ou pensam que ele é ou que não é. Eu quero conhecê-lo pelo que ele é. E se existe um Deus no universo, então quero saber os nomes pelos quais ele chama a si mesmo. Eu quero saber como ele se revelou. Eu não quero conhecê-lo de segunda mão ou através de ouvir falar”.

“As Escrituras não voltam vazias”, disse Angie Ward, docente do Seminário de Denver, citando Isaías 55.11. Andie Ward, autora de I Am A Leader: When Women Discover the Joy of Their Calling, destaca a importância de mergulhar nas Escrituras para conhecer a Deus profundamente, em vez de meramente adquirir conhecimento. “Informação por si só não equivale a transformação”, diz Andie Ward. “Definitivamente, há poder nas Escrituras, mas esse poder está em deixá-la penetrar em nossas vidas” e experimentar a transformação “por meio da ação do Espírito Santo. O Espírito Santo opera por meio das Escrituras”.

Jackie Perry diz que a Palavra transformou sua vida ao ensiná-la quem Jesus realmente é. “Sem as Escrituras, eu não teria qualquer base para saber quem ele é, porque é confiável e como minha vida deve se parecer por causa dessa confiança”, disse ela. “As Escrituras fornecem evidências para fé, razões para acreditar, combustível para a fé — mas também fornecem uma compreensão realmente clara de por que existo, e do que devo fazer nesta vida. [. . .] Sem [as Escrituras], eu ainda seria a mesma pessoa [que era antes de me tornar cristã]. ”

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Cada uma das autoras e professoras de estudos bíblicos entrevistadas para este artigo se confessa apaixonada pelo modo que a Palavra de Deus pode transformar a vida daqueles que a encontram. Todas elas exortam todo cristão a fazer da leitura e do estudo da Palavra uma prática diária. “Pare de chamá-la de hora do silêncio”, argumentou Sandra Glahn. Afinal, nem todas as mulheres têm a capacidade ou a possibilidade de criar um ambiente silencioso e ideal para o estudo e a reflexão bíblica. Não precisamos esperar pelo momento ou lugar perfeito; o poder transformador da Palavra está muito próximo. Como dizia Santo Agostinho, tudo o que devemos fazer é “Pegar e ler. Pegue e leia”.

Halee Gray Scott, PhD, é autora, apresentadora de um programa de rádio e pesquisadora social cujo foco de estudo são as questões relacionadas ao ministério no século 21. Ela é a diretora da Iniciativa para Jovens Adultos no Seminário de Denver. Este artigo é parte de “Por que as mulheres amam a Bíblia”, a edição especial da CT destacando as vozes femininas no tópico sobre engajamento nas Escrituras. Você pode baixar um PDF gratuito dessa edição ou solicitar cópias impressas em MoreCT.com/special-issue.

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