Quando caminhava para o culto de Páscoa ao ar livre da minha igreja, meu primeiro pensamento foi de alegria: “Senti tanta falta disso”. Mas meu segundo pensamento foi muito mais inquietante: “Esqueci o quanto sentia falta disso”.

A dor da pandemia se estendeu a todas as partes de nossas vidas. Alguns perderam entes queridos. Outros perderam empregos. Coisas que são celebradas uma única vez na vida não foram celebradas. E muitas igrejas fizeram mudanças dolorosas em nossa vida de adoração. Para algumas congregações, isso significou mudar a maior parte do que fazemos nas reuniões presenciais para reuniões via Zoom, transmissões ao vivo e encontros virtuais que tomaram conta das horas em que acordamos, trabalhamos e adoramos.

Essas decisões difíceis, porém necessárias, causaram muitos estragos em nossa vida. Mas naquele momento, no primeiro encontro ao ar livre promovido pela minha igreja, descobri que alguns dos danos causados eram menos óbvios. A decisão de fechar nossas igrejas foi um ato necessário de amor ao próximo em tempos difíceis. Mas os seres humanos não foram criados para adorar a Deus isoladamente. Fazer isso por um ano inteiro pode muito bem ter nos prejudicado de maneiras que ainda não compreendemos totalmente.

O anúncio dos Centros de Controle de Doenças (CDC) de que os americanos vacinados podem parar de usar máscaras na maior parte do tempo é apenas o lembrete mais recente de que, embora a pandemia ainda não tenha ficado completamente para trás, a vida está começando a voltar a algo parecido com o normal. Enquanto muitos americanos estão se preparando para recuperar o tempo perdido com um retorno à vida social ao estilo “estrondoso dos anos 20, após a gripe espanhola”, a igreja tem a oportunidade de abraçar algo muito melhor: um banquete de proporções épicas, consumido na presença de Deus e ao lado de nossos próximos, uma celebração que transborda um estilo de vida justo, misericordioso e generoso.

O problema é que nosso ano de portas fechadas pode trazer novas complicações para as celebrações pós-COVID da igreja. A norma tornou-se a igreja virtual, e, depois, a igreja reunida em pequenos grupos com todos usando máscara. Mas, como descobri no culto ao ar livre de nossa igreja, ao perder o hábito da igreja encarnada, meu desejo de abraçar um irmão idoso ou de partilhar o pão e o vinho com meu próximo na Ceia do Senhor esfriou.

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O lockdown anestesiou minha necessidade de comunidade e embotou meu desejo de reunir-me em adoração com o corpo comunitário de Cristo, como um corpo físico entre tantos outros. Aprecio essas ideias na teoria, é claro. Mas não sinto falta delas até a medula, não sinto falta delas da maneira que senti no primeiro mês que passei tentando adorar a Deus na minha sala de estar.

À medida que as igrejas reabrem suas portas, pelo menos nos Estados Unidos, muitos líderes de ministério estão se perguntando se as pessoas voltarão aos bancos das igrejas, ou dependerão mais da igreja online, ou a abandonarão completamente. Nessa volta à normalidade, tanto frequentadores quanto líderes da igreja precisam examinar hábitos problemáticos e lições que aprendemos durante nosso ano de isolamento, para aprendermos a adorar a Deus juntos novamente.

Para nos ajudar, podemos aproveitar algumas dicas nas palavras de Moisés ao povo de Deus, durante outro período de transição, a transição do deserto para a Terra Prometida. Moisés sabia que esses períodos de transição sempre oferecem ao povo de Deus novas oportunidades de rebelião e divisão. O longo sermão mosaico que chamamos de Deuteronômio teve como objetivo preparar o povo para atravessar a transição e viver a vida que Deus tinha para eles, a qual Moisés resumiu reiteradamente como “temer ao Senhor”. Por “temer ao Senhor”, Moisés parecia querer dizer voltar a vida toda em direção a Deus, algo que incluía temor, amor, reverência, compromisso e obediência.

Moisés tinha visto como o temor ao Senhor viera com bastante naturalidade aos israelitas, quando Deus lhes falou do meio de um fogo ardente, no topo do Monte Sinai. Mas ele também reconheceu que a vida cotidiana na Terra Prometida embotaria essas memórias e os sentidos do povo. A tentação de permitir que o conforto de seu “novo normal” na Terra Prometida os levasse ao esquecimento seria intensa. Israel teria de aprender a temer a Deus dia após dia. Como o povo de Deus manteria esse temor vivo nos dias que viriam?

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Deuteronômio 14.22-27 nos dá uma estratégia que é tão inesperada quanto encantadora:

Comam perante o Senhor seu Deus, no lugar que ele escolher para estabelecer o Seu nome, todos os dízimos dos seus grãos, do seu vinho e do seu azeite e dos primogênitos das suas manadas e rebanhos, para que aprendam a temer a YHWH seu Deus sempre (v. 23, tradução do autor, do começo ao fim).

Os israelitas sabiam tudo sobre dízimos. Eles também sabiam tudo sobre impostos e tributos. Se eles fossem instruídos a trazer o dízimo ou o primogênito do rebanho a algum local central de adoração, isso só poderia significar uma coisa: Hora do pagamento.

Mas, por trás das cenas, Deus está convidando seu povo para um ritual que os ensinará a temê-lo. Lição número um: O Deus a quem eles devem temer é um Rei tão generoso que recebe o tributo que seu povo lhe deve apenas para devolvê-lo em seguida, como recurso para um generoso banquete em sua presença.

Na verdade, aprender a temer ao Senhor acaba tendo muito a ver com desejo. “Se o caminho estiver longe demais para vocês”, o Senhor lhes diz, “troquem o dízimo por prata e tragam para mim”. Então:

gastem o dinheiro em tudo o que desejarem profundamente, em gado e ovelhas e vinho e bebidas fermentadas, e em tudo o que vocês desejarem profundamente. E comam ali, perante o Senhor, o seu Deus e regozijem-se, vocês e sua casa (v. 26).

Por que o Senhor convida o povo a celebrar com ele? Porque quer que eles saibam, até os ossos, que seus desejos só podem ser satisfeitos à mesa de seu Rei divino. E a maneira de chegar a esse conhecimento até os ossos é através de seus estômagos. Israel será um povo que experimentou, literalmente falando, a extravagante generosidade do seu Deus.

A lição que o Senhor está ensinando a eles, porém, não pode ser aprendida de forma isolada. A celebração para a qual o Senhor os convida é uma celebração na sua presença e ao lado de toda a comunidade. Deuteronômio deixa claro que a família que celebra na presença de Deus deve incluir “seu filho e sua filha, seus servos e servas”, os “levitas em suas cidades”, o “estrangeiro, o órfão e a viúva” (Deuteronômio 12.18; 16.11).

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Aprender a temer ao Senhor todos juntos, regozijando-se com ele nessa celebração, é o que preparará esta comunidade para temer ao Senhor, obedecendo seu estilo de vida contracultural durante todo o ano. É por isso que a comunidade que aprende a temer ao Senhor celebrando junta, em Deuteronômio 14.22, é imediatamente desafiada a temer ao Senhor criando também a primeira rede de segurança social do mundo, financiada pelo dízimo, ao abraçar a prática do perdão de dívidas no ano sabático, e até mesmo ao colocar limites dramáticos na escravidão por dívida para com seus irmãos e irmãs (Deuteronômio 14.28-15.18). As pessoas que celebram juntas tornam-se uma família de pessoas tementes a Deus. A família que teme a Deus unida segue a Deus, criando um mundo justo e misericordioso para todos os seus membros.

Muitos cristãos e igrejas lutavam antes da pandemia para reconhecer o quão central esse celebrar juntos é para nossa vida com Deus. Uma versão ocidental hiperindividualista do cristianismo ensinou muitos de nós a ir à igreja principalmente em busca de um sermão ou de uma experiência de adoração que nos “alimente” com uma porção “espiritual”, em vez de ir à igreja à procura de uma família com quem termos nossos desejos mais profundos satisfeitos pela vida encarnada, vivida em comunidade na presença de Deus. Dentro da igreja e na comunidade religiosa, já vínhamos frequentemente nos apoiando em artifícios tecnológicos cultivados nas câmaras de eco da mídia social fora da igreja, em vez de nos apoiarmos na rica balbúrdia do compartilhar de mesas reais, com irmãos e irmãs de todo o espectro socioeconômico.

Deveríamos saber que, dado que nos reunimos para adorar o Deus que se fez carne por nós, a igreja na internet só poderia ser igreja com um asterisco. Mas nosso antigo caso de amor com a tecnologia nos preparou para o isolamento muito antes que a pandemia o impusesse a nós.

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Muitos de nós, líderes de igrejas, já sabíamos que estávamos tendo dificuldades para promover uma comunidade autêntica entre nossos fiéis. Agora, a maioria dos cristãos americanos passou um ano inteiro aprendendo a viver sem a balbúrdia da vida da igreja como corpo, e consumindo uma dieta constante de igreja pela Internet e, assim como eu, achando muito fácil esquecer por que precisamos sentir o toque da mão do nosso próximo quando oramos ou ouvir o som da sua voz quando cantamos louvores.

E se levássemos Deuteronômio a sério? Vamos trabalhar essa ansiedade social que adquirimos com todo o nosso isolamento e essa inércia de ser capaz de fazer tudo virtualmente, e fazer da celebração a prioridade máxima da igreja. Vamos por fim a esta peregrinação pelo deserto da COVID-19 com uma temporada de celebração em conjunto com o povo de Deus.

Nós estivemos separados por tanto tempo, forçados a comer o pão e a beber o vinho em circunstâncias tão estranhas. Por que não retomar a vida da igreja após a pandemia com rituais que se deleitam em nossa existência como corpo? Podemos celebrar a Ceia do Senhor como uma ceia real, com comida e bebida e outros celebrando ao nosso lado. E em vez de nos deleitarmos com a capacidade de nossa tecnologia de nos ajudar a “alcançar" pessoas cada vez mais distantes, podemos nos concentrar em encontrar maneiras de nos reunirmos ao redor da mesa com órfãos, imigrantes e viúvas que estão próximos, embora muitas vezes não se encontrem entre nós.

Mesmo que ainda não estejamos fora da pandemia, é apropriado que, ao vislumbrar o fim dela, a igreja se veja em meio à festa da Páscoa, e antecipando a festa repleta de alegria do Pentecostes.

Talvez seja hora de começarmos a cozinhar.

Michael J. Rhodes é professor do Antigo Testamento no Carey Baptist College e pastor assistente na Downtown Church. Ele é o co-autor de Practicing the King’s Economy: Honoring Jesus in How We Work, Earn, Spend, Save, and Give .

Traduzido por Eduardo Fettermann

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