O teólogo J. I. Packer, que morreu em 17 de julho de 2020, aos 93 anos, ajudou milhões de protestantes evangélicos a articular e a entender aquilo em que acreditam.Seus livros, como O conhecimento de Deus, de 1973, não apenas explicavam a doutrina — eles reacendiam a paixão pela autoridade das Escrituras, pela maravilha da cruz e por uma vida de santidade.Mas a Christianity Today também se lembra de Packer como um colega.Ele contribuiu para algumas de nossas primeiras edições e, a partir da década de 1980, atuou como editor da revista por mais de três décadas.“Empenhem-se em anunciar a verdade”, ele nos incitava, como demonstrou em mais de 70 artigos que escreveu sobre sofrimento, livros de mistério, jazz, ecumenismo, oração e dezenas de outros tópicos.Sua foto acompanhava a maioria deles, embora em um artigo de 1991, ele tenha dito que queria ser lembrado por desafiar o culto à personalidade no evangelicalismo: “Espero ser lembrado como uma ‘voz’ (que clama no deserto, como João Batista) que encoraja as pessoas a pensar, e não como uma personalidade cujo status e carisma os impeçam de pensar.”Uma voz, dizia ele, “que chamou as pessoas de volta às antigas veredas da verdade e da sabedoria”.Então, com esse espírito, em vez de outro longo tributo (você encontrará vários deles, muito bons, no site da CT ), estamos republicando um dos artigos clássicos de Packer, empenhados em anunciar a verdade que é tão desesperadamente necessária hoje quanto era em 1985.— Os editores

No Novo Testamento, a obrigação cívica é enfaticamente ordenada lado a lado com a obrigação de servir a Deus — na verdade, como parte dela. Quando Jesus respondeu à pergunta sobre o pagamento de impostos com as palavras “Deem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Marcos 12.17), isso não foi uma evasiva inteligente para fugir da questão, mas um claro reconhecimento de que prestar o que é devido ao regime político vigente é parte da vocação cristã. Quando Pedro disse de um só fôlego “temam a Deus e honrem o rei”(1Pe 2.17), ele destaca a mesma verdade; assim como fez Paulo, quando, no decorrer da visão geral [que ele dá] sobre a vida de gratidão pela graça que é o verdadeiro cristianismo, ele ensina os cristãos romanos que “Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais” (Rm 13.1) e lhes diz que “por questão de consciência”, devem “[dar] a cada um o que lhe é devido: Se imposto, imposto; se tributo, tributo; se temor, temor; se honra, honra” (v. 5,7).

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Paulo refere-se a cada autoridade do Estado como “serva de Deus para o seu bem” (Rm 13.4). Observe que ele está falando de oficiais romanos pagãos, hierarquicamente situados do imperador para baixo! E ele explica ainda que Deus instituiu o Estado da forma que é para manter a lei, a ordem, a justiça e o “bem”. Esse “bem” evidentemente abrange proteção e bem-estar e, portanto, não está muito distante da oportunidade de buscar a felicidade, que a Constituição americana consagra.

Consequentemente, embora os cristãos nunca devam pensar em si mesmos como se estivessem em casa neste mundo, mas sim como forasteiros de passagem, peregrinos que atravessam uma terra estrangeira para chegar ao lugar em que estão seus tesouros, aguardando sua chegada (veja 1Pe 2.11; Mt 6.19–20), as Escrituras os proíbem de serem indiferentes aos benefícios que fluem de um bom governo. Nem devem eles, portanto, hesitar em fazer sua parte para maximizar esses benefícios para os outros, bem como para si próprios. O apoio a um governo estável por meio de uma vida que cumpre a lei e o ajuda a cumprir seu papel por meio da participação pessoal, sempre que possível, é tão adequado para nós hoje quanto foi para José, Moisés, Davi, Salomão, Neemias, Mordecai e Daniel (para não me alongar mais). Devemos ver isso como serviço a Deus e ao próximo.

Como membro cristão do Parlamento Europeu, Sir Frederick Catherwood disse com veemência: “Tentar melhorar a sociedade não é mundanismo, mas amor. Lavar as mãos em face da sociedade não é amor, mas mundanismo. ”

Alguns desdobramentos cristãos equivocados

Neste ponto, entretanto, devemos observar três desdobramentos na cristandade moderna que criaram desconcertantes correntes contrárias no que diz respeito ao dever político. Cada um deles requer um pouco de discussão, para podermos depois prosseguir.

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1. As intenções politizadas de alguns cristãos relativistas. Quando falo de cristãos “relativistas”, tenho em mente certos protestantes que tratam o ensino bíblico não como a verdade revelada de Deus, mas como um indicador errático do ser humano para a autorrevelação de Deus, que é expressa em termos culturalmente relativos que os cristãos de hoje não são obrigados a usar e que dá voz a muitos sentimentos que os cristãos de hoje não são obrigados a endossar.

Quando falo de “intenções politizadas”, quero dizer que seus objetivos reduzem a fé cristã e a transformam de um caminho de peregrinação para o céu em um esquema sociopolítico para o mundo presente. Este esquema é frequentemente aludido como o estabelecimento do reino de Deus na terra, acabando-se com os pecados coletivos da sociedade — racismo, exploração econômica e cultural, divisão de classes, negação de direitos humanos — e situando o shalom (a palavra hebraica para bem-estar comunitário sob o domínio de Deus) em seu lugar.

O que há de errado aqui? Não é errado orar por shalom, nem o é trabalhar por ele quando tiver oportunidade. O amor ao próximo na aldeia global requer que todo cristão faça isso — e o faça em uma escala internacional e também doméstica. Mas é certamente desastroso quando a fé cristã (nossa compreensão dos propósitos revelados de Deus entre os homens) e a obediência cristã (nossos esforços para fazer a vontade revelada de Deus) são reduzidas a tentativas humanas de melhoria social e com elas identificadas. Arranca-se o coração do evangelho quando se concebe Cristo como Redentor e Senhor, Libertador e Humanizador apenas em relação a privações e abusos específicos neste mundo. Esta, porém, tornou-se a visão padrão de liberais e radicais entre a liderança protestante.

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Arranca-se o coração do evangelho quando se concebe Cristo como Redentor e Senhor, Libertador e Humanizador apenas em relação a privações e abusos específicos neste mundo.

O que aconteceu, para ser franco, é que clérigos e leigos clericalizados se permitiram reinterpretar e redefinir seus valores religiosos básicos como valores políticos. Assim, eles secularizaram o cristianismo sob o pretexto de aplicá-lo à vida. Uma enxurrada de livros semitécnicos que expressam esse ponto de vista, o seu entrincheiramento nos seminários liberais e sua dignificação verbal como uma disciplina, a “teologia política”, conferiram-lhe respeitabilidade. A propaganda constante em seu favor, pelas mãos de sedes denominacionais protestantes, agora leva muitos leigos a igualarem o papel do cidadão cristão a levar esse programa a todos os confins da terra.

O erro básico em tudo isso é que se perdeu de vista o ponto de referência transcendente do cristianismo. Aqueles que reverenciam o ensino da Bíblia como verdade divina, que veem Jesus nos termos do Novo Testamento — ou seja, primeira e principalmente como nosso Salvador que nos livra do pecado, da ira vindoura, que nos renova em justiça e abre o céu para nós —, e que veem o evangelismo como a dimensão básica do amor ao próximo devem se opor aos males sociais com tanto vigor quanto qualquer outra pessoa. Fazer isso faz parte da prática samaritana para a qual todos os cristãos são chamados — isto é, aplacar a necessidade e a miséria de todas as maneiras possíveis. Mas tudo deve ser feito a serviço de um Cristo cujo reino não é deste mundo, e que requer que a humanidade compreenda esta vida, com suas alegrias e riquezas de um lado, e suas adversidades e tristezas do outro, como um campo de treinamento moral e espiritual, uma disciplina preparatória para a eternidade. Perca essa perspectiva, entretanto, como perderam os relativistas de quem estou falando, e todo o empreendimento do amor ao próximo perde o rumo.

2. As inibições pietistas de alguns cristãos absolutistas. “Absolutistas”, no sentido que emprego a palavra aqui, são aqueles cristãos protestantes, católicos romanos ou ortodoxos que acreditam que a verdade imutável de Deus é revelada à igreja nas Escrituras, e que só se pode agradar a Deus obedecendo a essa verdade. Entre os protestantes absolutistas, muitos, talvez a maioria, prefeririam ser chamados de evangélicos, visto que o evangelho de Cristo é central para o seu cristianismo.

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O termo “pietista” aponta para uma preocupação em alcançar a santidade, evitar o pecado, ganhar almas, praticar a comunhão com os cristãos e se opor a todas as forças do anticristianismo em termos pessoais. As inibições pietistas assumem a forma de passividade política e falta de disposição para se envolver em qualquer nível de governo civil. Sua postura como cidadãos cristãos é, portanto, de retirar-se, ao invés de envolver-se no processo político.

Por quê são assim? Vários fatores parecem estar em ação aqui. Um deles é uma reação contra o “evangelho social” do protestantismo mais liberal, como foi descrito acima. O segundo fator é uma inferência errônea de sua escatologia (ou seja, de sua visão do futuro), que vê o mundo como um lugar que vai ficando inevitável e inexoravelmente pior, à medida que a vinda de Cristo se aproxima, e que nos diz que nada pode ser feito a respeito; portanto, não importa quem está no poder politicamente. Um terceiro fator, vinculado a isso, é a ênfase colocada em separar-se “do mundo”, com suas impurezas morais, seus princípios comprometidos e seu estilo de vida voltado para este mundo, para o prazer e o egocentrismo. A política, considerada por eles como um meio tenebroso em cujo altar princípios são constantemente sacrificados, a fim de angariar votos e manter a posição no jogo do poder, é vista como uma atividade eminentemente “mundana” e, portanto, completamente fora dos limites para os cristãos. Um quarto fator, potente embora imponderável, é um individualismo que decompõe todos os problemas sociais em problemas pessoais, e acha que o governo civil não é importante, pois não pode salvar almas e, portanto, fundamentalmente não há interesse no processo político de forma alguma.

Mas nada disso adianta. Sejam quais forem os erros que o “evangelho social” possa consagrar, e por mais verdadeiro que seja o fato de que o ministério na igreja e no evangelismo deva ser nossa principal preocupação, resta uma tarefa social e política para os cristãos enfrentarem.

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Mesmo que a segunda vinda esteja próxima, não precisamos pensar que não podemos, sob a direção de Deus, tornar este mundo temporariamente um pouco melhor se tentarmos; de qualquer modo, o medo de não sermos bem sucedidos não é desculpa para não tentarmos, quando é Deus, na verdade, que nos diz para fazer essa tentativa.

A política é certamente um jogo de poder, mas que deve ser jogado, se quisermos que as estruturas sociais sejam aprimoradas e, embora seja uma arena que pertence a este mundo, é uma esfera de serviço a Deus e aos homens que não é intrinsecamente “mundana” em sentido proscrito. Além disso, o acordo político, as manobras básicas, é algo bem diferente do sacrifício de princípios, como veremos.

Finalmente, o individualismo que destrói a preocupação política é uma espécie de miopia, que turva a percepção dos benefícios que um bom governo traz e dos danos que um mau governo causa. Não. A passividade pietista não pode ser justificada, e seus atuais praticantes precisam ser instruídos a abandoná-la. Esta postura não é mais válida para o cidadão cristão do que a postura politizada que rejeitamos acima.

3. O imperialismo político de alguns cristãos biblicistas. Tenho em mente o espírito de cruzada que atualmente anima certos membros de igrejas e comunidades que amam a Bíblia. Entre este grupo não há qualquer hesitação em anunciar objetivos e mergulhar na balbúrdia do mundo político para conquistá-los. Os problemas surgem, entretanto, por causa da tentação de ver o jogo de poder da democracia como o equivalente moderno da guerra santa do Antigo Testamento, na qual Deus convocou seu povo a derrotar os pagãos e tomar seu reino pela força.

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Os problemas surgem, por causa da tentação de ver o jogo de poder da democracia como o equivalente moderno da guerra santa do Antigo Testamento.

Na guerra santa da Bíblia, os pagãos não tinham direitos e não recebiam nenhum quinhão, pois Deus estava usando seu povo como algozes divinos, como um meio humano de infligir o juízo merecido. Vista como uma revelação da justiça retributiva de Deus (um aspecto de seu caráter que resplandece por toda a Bíblia), a guerra santa tinha um sentido moral coerente, ainda que terrível. Mas a guerra santa não faz parte do projeto de Deus para a igreja cristã. Deixem a vingança para Deus, diz Paulo em Romanos 12.19. E não faz absolutamente nenhum sentido moral ou prático, se for tomada como modelo para a ação cristã na arena política de uma democracia pluralista moderna.

Em uma democracia, só se pode governar quando se tem o apoio da opinião pública e ela o mantém no cargo. Portanto, a busca de consenso e a prática da persuasão com vistas a alcançar esse consenso são de extrema importância. Atropelar os outros como se eles não contassem sempre terá um efeito bumerangue autodestrutivo. Grupos de pressão que buscam agarrar e usar o poder sem ganhar o apoio da opinião pública para o que pretendem provocarão uma oposição igualmente autoritária e em geral terão vida curta. Os cidadãos cristãos, que devem ter fortes convicções sobre o certo e o errado em termos coletivos, sempre precisarão ter cuidado aqui.

Fazendo a democracia funcionar

A democracia representativa como a conhecemos — na qual os poderes legislativo, judiciário e executivo têm status separados, os serviços de informação pública (a mídia) não estão sob controle do governo, a administração eleita sempre enfrenta uma oposição eleita, e as eleições populares, com base no princípio um homem, um voto, ocorrem a intervalos regulares — não é a única forma de governo sob a qual os cidadãos cristãos já viveram e serviram a Deus. No entanto, não há dúvida de que, do ponto de vista cristão, a democracia é uma forma de governo mais adequada e sábia do que qualquer outra.

O aval cristão à democracia baseia-se em duas percepções. A primeira é a consciência de que um governo do povo, pelo povo, para o povo, em um sistema coletivo aberto que, em princípio, permite a qualquer pessoa se qualificar para qualquer cargo, expressa melhor em termos políticos a dignidade e o valor concedidos por Deus a cada indivíduo . A segunda percepção é de que, uma vez que neste mundo decaído, como disse Lord Acton, todo poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente, a separação de poderes e a construção de um sistema de freios e contrapesos nas estruturas executivas limitarão os perigos da corrupção, ainda que tais procedimentos de contenção nunca os eliminem inteiramente.

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Essas percepções cristãs se mesclam com a sabedoria secular, que percebe que quanto mais os cidadãos podem sentir que participaram na tomada de decisões que agora moldam suas vidas, mais resolutamente eles irão aderir a elas. O padrão de governo, portanto, que maximiza o consentimento público será normalmente mais estável do que qualquer outro sistema.

Portanto, pode-se esperar que os cidadãos cristãos demonstrem um firme compromisso com os princípios democráticos e se considerem obrigados a fazer tudo o que puderem para que a democracia funcione. Mas isso significa compromisso consciente com o processo democrático, como a melhor forma de tomada de decisão dentro do corpo político.

Em democracias que são filosófica e religiosamente pluralistas, como as do Ocidente, o processo democrático que consegue alcançar o consentimento a partir do conflito é de vital importância. Neste mundo decaído, o conflito decorrente da visão limitada e de interesses conflitantes é uma parte inevitável da cena política. A intensidade e integridade do embate público, por meio do qual um equilíbrio é alcançado entre as partes em conflito, torna-se, então, um indicador da saúde e do moral da comunidade.

O nome que se dá à solução de conflitos políticos por meio do debate é acordo. Sejá lá o que for verdade no campo da ética, o acordo na política não significa o abandono de princípios, mas sim a prontidão realista para se contentar com aquilo que considera ser menos do que o ideal, quando isso é tudo o que se pode obter no momento. O princípio que o acordo político expressa é que meio pão é melhor do que pão nenhum.

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Dar e receber é o coração do acordo político, assim como este último é o coração da política em uma democracia. Perceber isso é sinal de maturidade política. Em contraste, uma rigidez doutrinária que assume uma postura adversária em relação a todos os que não endossarem totalmente suas próprias visões e objetivos implica imaturidade política.

A tomada de decisão na democracia é um processo mais público possível, e espera-se que as autoridades tornem públicas suas razões para a ação, onde quer que isso possa ser feito sem prejudicar o futuro. Contudo, todas as principais decisões políticas revelam-se complexas em si mesmas e controversas para a comunidade. Isso é inevitável por pelo menos três razões.

Primeiro, o conhecimento que todos têm sobre os fatos pertinentes a cada caso é sempre parcial e seletivo.

Em segundo lugar, os valores, as prioridades e as opiniões sobre a importância relativa dos resultados de longo e curto prazo variam.

Terceiro, o cálculo das consequências, particularmente das consequências não intencionais e indesejadas, também varia, e muitas ações que parecem certas para alguns parecerão erradas para outros, porque preveem consequências diferentes. Como as decisões executivas regularmente têm subprodutos indesejáveis, elas se tornam escolhas entre dois males — isto é, escolher o mal menor e evitar males maiores.

O cidadão cristão deve aceitar que na política não há respostas do tipo preto ou branco disponíveis, mas Deus deseja simplesmente que todos sejam guiados pelos ideais mais elevados e pela sabedoria mais madura que possam encontrar. O caso de Salomão (1Reis 3) mostra que o dom de Deus aos governantes assume a forma de sabedoria para lidar criativamente com o que vier, e não de soluções prontas para todos os problemas.

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O que o cidadão cristão deve fazer?

O Novo Testamento não fala sobre participação política ativa, e por uma razão muita boa: esta não era uma alternativa disponível para os cristãos do primeiro século. O Império Romano não era uma democracia, e muitos, se não a maioria dos cristãos, não eram cidadãos romanos. Eles eram uma pequena minoria que ocupava a posição mais baixa do espectro socioeconômico, e eram vistos como dissidentes excêntricos da velha excentricidade do judaísmo. Não tinham a menor influência política, nem perspectiva de ganhá-la. Portanto, as únicas coisas politicamente significativas que eles podiam fazer eram pagar seus impostos (Mt 17.24-27; 22.15-21;Rm 13.6-7), orar por seus governantes (1Tm 2.1–4) e manter a paz (Rm 12.18; 1Ts 5.13-15).

A democracia representativa de hoje, entretanto, abre a porta para uma gama mais ampla de possibilidades políticas e, portanto, exige mais de nós, em termos de um compromisso responsável, do que exigiam as circunstâncias nos tempos do Novo Testamento.

Esse compromisso pode ser assim resumido:

  1. Todos devem se manter informados; do contrário, não podemos julgar bem as questões, votar bem nos candidatos ou orar bem pelos governantes. A ignorância política nunca é uma virtude cristã.

  2. Todos devem orar pelos que estão no poder. A eficácia secreta da oração, como a Escritura revela, é enorme.

  3. Todos devem votar em eleições e plebiscitos, sempre que a opinião pública seja convocada a se manifestar. Ao votar, devemos ser guiados por questões temáticas, e não por personalidades, nem por questões específicas tomadas isoladamente, mas sim pela visão do que seja o bem-estar de toda a coletividade. Esta é uma maneira real, ainda que modesta, pela qual podemos exercer influência como sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13-16).

  4. Alguns devem buscar influenciar politicamente participando de debates, escrevendo e trabalhando dentro do partido político com o qual mais se alinharem. O clero normalmente não deve fazer isso, visto que será uma barreira para a aceitação de seu ministério por parte de pessoas que discordarem de sua visão política. É, entretanto, altamente desejável que os leigos que tenham interesse pela política sejam encorajados a ver a conquista e o exercício de influência política como um campo de serviço cristão, ao lado de outros campos como a vida da igreja, a adoração e o testemunho.

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  1. Alguns deveriam aceitar uma vocação política. Quem deve fazer isso? Aqueles em quem coincidirem o interesse, a habilidade e a oportunidade, e que não tenham um chamado mais forte para nenhuma outra carreira; aqueles que tenham uma visão de melhorar a sorte das pessoas de modo global, promovendo a paz internacional, substituindo a discriminação sem princípios pela justiça e fomentando a decência pública; e, por fim, aqueles que estiverem preparados para trabalhar arduamente, com paciência, humildade, tolerância e integridade, fugindo do fanatismo, enfrentando rejeições e colocando o interesse público antes dos interesses pessoais. As histórias bíblicas mencionadas anteriormente mostram que Deus quer alguns de seus servos como políticos profissionais, liderando e moldando bem a sociedade, e a descoberta de que alguém está apto para o papel é uma convocação prima facie de Deus para que vá em frente e abrace essa tarefa.

Que ninguém, entretanto, pense que será uma mar de rosas: essa escolha tem um alto custo. A estrada da política é difícil de trilhar. O aquário da vida pública expõe a pessoa constantemente a críticas impiedosas, e viver dentro dele exige resiliência e envolve grandes doses de autossacrifício. A política é um jogo de poder, e a inveja, o ódio, a malícia e a dubiedade egoísta, coisas que o jogo de poder em regra extrai do coração humano pecaminoso, são por demais conhecidas para que seja preciso comentá-las aqui. Nenhum político que tenha princípios pode esperar uma caminhada fácil, e certamente nenhum que seja cristão.

Mas quem já pensou que o cumprimento de qualquer aspecto da vocação cristã seria fácil? As palavras com as quais Sir Frederick Catherwood termina seu livro, The Christian Citizen, merecem constante reflexão:

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“Devemos ser humildes, não inflexíveis. Devemos estar preparados para descobrir que às vezes estamos completamente errados, e devemos ser capazes de admitir isso. Servimos ao próximo por causa de nosso amor a um Senhor que deu sua vida por nós, uma dívida que, por melhor que sirvamos, jamais poderemos pagar. Portanto, tudo o que fizermos, façamos motivados por um senso de dever e porque é certo. Diferentemente dos homens ilustrados, não buscamos satisfação instantânea. Diferentemente dos vendedores, não garantimos o sucesso. O período de tempo do cristão não é o dos mortais. Um semeia e outro colhe. Um faz o trabalho árduo e outro usufrui do trabalho dele. Para Deus, um dia é como mil anos e mil anos como um dia. O cristão sabe o que significam paciência e perseverança. Mas ele também sabe o que significa ação. Esta é a fórmula certa para a política cristã, simplesmente porque é a fórmula certa para cada parte da vida cristã. ”

Este artigo foi publicado originalmente na edição de 19 de abril de 1985 da Christianity Today, e foi ligeiramente editado por questão de espaço.

Traduzido por: Marisa Lopes

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