Neste verão, meu marido e eu celebramos 20 anos de casados. Estamos juntos agora por quase tanto tempo quanto vivemos solteiros — uma façanha que se tornou possível pelo fato de nos casarmos logo que saímos da faculdade.

Em um passado não muito distante, casais que se casavam jovens estabeleciam as bases para uma vida juntos. Valores culturais, religiosos e pessoais significavam que esses casamentos fundados na “pedra angular” acabariam passando naturalmente pelas bodas prata, rubi e ouro. Se o casamento era feliz, fiel ou mesmo seguro muitas vezes não vinha ao caso.

Hoje, porém, nossa visão cultural sobre o divórcio mudou, assim como nossa compreensão do casamento. Enquanto no passado os laços sociais e culturais mantinham o casamento (às vezes prendendo vulneráveis em uniões abusivas e perigosas), hoje o peso recai sobre os indivíduos. Para ficarem juntos, os casais agora devem querer ficar. Hoje a pergunta não é se somos felizes em nosso casamento, mas se poderíamos ser mais felizes fora dele.

Para tornar as coisas ainda mais difíceis, a natureza mutável do casamento significa que esperamos mais de nosso cônjuge. A famosa terapeuta de relacionamentos Esther Perel observa que pedimos à mesma pessoa que nos forneça pertencimento e identidade, continuidade e transcendência, conforto e ousadia, previsibilidade e surpresa.

“Estamos pedindo a uma só pessoa”, diz Perel, “o que antes uma aldeia inteira costumava oferecer”.

E quando temos expectativas assim tão altas, inevitavelmente ficaremos desapontados. Perel chama esse enigma de “crise do desejo” porque, no casamento moderno, o desejo desempenha um papel desproporcional não apenas no sentido de unir os casais, mas também no sentido de que permaneçam casados.

Então, o que devemos fazer? Como buscarmos a fidelidade em uma cultura que eleva o desejo acima de tudo? A questão não é se seremos atraídos por outra pessoa que não seja nosso cônjuge, mas o que faremos quando isso acontecer. Como reagiremos — não quando estamos infelizes — mas quando pensamos que poderíamos ser potencialmente mais felizes? Cultivamos e alimentamos essas atrações, permitindo que fervam em fogo lento?

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“Para caminhar segundo uma ética sexual sagrada e saudável”, escreve Dorothy Greco em sua obra Marriage in the Middle:Embracing Midlife Surprises, Challenges, and Joys, “devemos refutar os ensinamentos equivocados e reconhecer quando a cultura está nos induzindo ao erro”.

Mas, em vez de cerrar os dentes e perseverar até o fim, Greco sugere que o caminho para a fidelidade de longo prazo passa por compreender melhor o desejo e a atração. “Também precisaremos reconhecer o poder da sexualidade que nos foi dada por Deus”, ela continua, “nos tornar conscientes de nossas áreas de tentação e encontrar o equilíbrio entre autocontrole e expressão sexual”.

Infelizmente, muitos de nós somos pegos de surpresa pela tentação, em parte porque não entendemos nossas próprias atrações e desejos. Em vez de aprender a sondar esses sentimentos, muitas vezes optamos por reprimi-los e furgir, apenas para ficar surpresos quando somos arrebatados por uma conexão ou atração inesperada por outra pessoa.

“A repressão e a fuga têm nome cristão, mas estilo de vida pagão”, escreve Rachel Gilson. Confiam na vontade para suprimir o desejo, em vez de confiarem em Cristo para transformá-lo. Uma das maiores acusações contra essas abordagens, na opinião de Gilson, é que “ninguém precisa de Jesus Cristo para colocá-las em prática”. E “um sistema que não precisa de Jesus não é significativamente cristão”.

A esse respeito, é essencial aprendermos a encarar o desejo de frente, não para minar a fidelidade, mas sim para buscá-la.

Para orientação, podemos olhar para os cristãos que já estão trilhando esse caminho da autoconsciência, especialmente aqueles cuja experiência em termos de atração não foi perfeita nem simples. Pessoas de minorias sexuais, por exemplo, muitas vezes estão profundamente cientes das atrações que sentem precisamente porque não se alinham com as de seus pares. E essa consciência lhes concede a perspectiva e o conhecimento de que o restante de nós precisa.

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A comunidade evangélica despendeu muita energia para conversação debatendo e até policiando o modo que membros fiéis de minorias sexuais definem sua experiência relativa à atração. Eles podem se dizer gays, ou isso eleva a identidade sexual acima da identidade em Cristo? (Tanto o encontro nacional da Convenção Batista do Sul quanto a Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana da América abordaram de alguma forma essa questão neste verão).

Embora esses debates sejam importantes, talvez nosso tempo fosse mais bem empregado aprendendo com irmãos e irmãs que estão sacrificialmente comprometidos com o ensino cristão tradicional sobre o casamento. Suas experiências relativas à atração (ou à falta de atração) não culminarão em casamento ou em uma união estável, o que significa que eles são os únicos adequados para nos ensinar a como lidar fielmente com as nossas experiências.

A vida deles atesta o fato de que sentir atração por alguém não significa que tenhamos de ficar com essa pessoa, da mesma forma que sentir atração por alguém que não seja seu cônjuge não significa o fim de seu casamento.

Aprender a sondar os desejos e as atrações que sentimos — e a como distinguir um do outro — tem o potencial não apenas de acabar com o distanciamento entre LGBTs e crentes heterossexuais, mas também de preparar os casais para uma fidelidade vitalícia. Essa clareza e nuance trilharão um longo caminho, quando você se sentir atraído por alguém que não seja seu cônjuge.

Mas ter como objetivo um casamento para a vida inteira requer ainda mais do que conhecer os próprios desejos. Devemos entender que, embora o desejo de ser conhecido e amado seja dado por Deus, querer que uma única pessoa satisfaça todas essas necessidades não é algo que vem de Deus.

Talvez seja hora de resgatarmos a comunidade.

Quando os autores do Novo Testamento falam sobre a vida sexual das pessoas, eles o fazem no contexto da comunidade dos crentes. Ao contrário de nossa noção moderna de casamentos e famílias nucleares como blocos distintos na construção da sociedade, as epístolas refletem a visão de uma comunidade maior na qual os casamentos e as famílias existem. E esta comunidade é composta por muitos membros diferentes, todos reunidos como corpo de Cristo.

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Nesse sentido, comunidades saudáveis apóiam o casamento para a vida inteira, não por pressão ou expectativa dos pares, mas por expandir os tipos de relacionamento que cada cônjuge pode acessar. Aqui, na família de Deus, podemos aprender a nos relacionar como pais, mães, irmãs e irmãos. E, com esses relacionamentos, aprendemos a ser maridos e esposas melhores, ao mesmo tempo em que amenizamos o quanto esperamos um do outro.

Mas nesse ponto também devemos ter cuidado. Um grupo de pessoas não pode se tornar nossa fonte suprema de vida, amor e transcendência, não mais do que qualquer outra pessoa pode. Viver fielmente em comunidade e no casamento significa aprender o que muitos de nossos irmãos e irmãs solteiros já sabem.

Nas palavras da escritora Vivian Warren: “O amor de Jesus nunca falhará como os amores humanos costumam falhar; ele também me levará para o outro mundo quando chegar a hora”.

Com base nesse amor, podemos voltar às nossas uniões como pessoas inteiras, comprometendo-nos novamente com a vocação do casamento. Não confiamos em nossos desejos nem mesmo nos anos que já investimos nessa relação. Em vez disso, fazemos nossos votos diariamente e confiamos que aquele que promete nos guardar fielmente até o fim também nos manterá fiéis uns aos outros.

Hannah Anderson é autora de Made for More, All That’s Good, and Humble Roots: How Humility Grounds and Nourishes Your Soul.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

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