Pela primeira vez em meus quase 40 anos, eu não pertenço a uma igreja local.

Todos os domingos acordo com o desejo de me reunir em torno de cânticos, das Escrituras e dos demais elementos sagrados comuns a esse dia da semana. Na maioria dessas manhãs, minha esposa e eu caminhamos até uma casa de repouso para idosos para celebrar e ter comunhão com uns poucos fiéis, muitas vezes esquecidos até por seus familiares e amigos.

Este ano, minha esposa e eu queremos plantar uma igreja nos arredores de Chicago, mas muitas vezes fico me perguntando: Onde nos encaixamos em tudo isso?

Recentemente, eu estava lamentando esse período de pandemia com um amigo. Ele ecoou meu sentimento, dizendo: “Também estou vagando sem igreja. Não é o ideal, mas é desse jeito que as coisas são”. O que compartilhamos não teve maior importância, uma vez que não passávamos de dois amigos se consolando em meio a esse purgatório eclesiástico. Mais tarde naquela semana, ouvi pensamentos semelhantes serem repetidos por meus vizinhos que se tornaram pais recentemente.

Mais uma vez, ouvi esse sentimento ser repetido por um amigo que trabalha em uma grande organização cristã sem fins lucrativos. Por meio de mensagens de texto e telefonemas, meu antigo colega de quarto dos tempos de faculdade e um executivo da minha denominação repetiram uma descrição de status semelhante. Mas o que realmente me chamou a atenção foi quando ouvi alunos e colegas do Northern Seminary descreverem a si próprios e a pessoas de suas congregações dessa mesma maneira.

Todos expressaram um forte compromisso com Jesus e o desejo de fazer parte da igreja, mas nenhum deles está ativamente envolvido em uma congregação local. Esse segmento crescente de crentes é o que estou rotulando de “hesitantes”.

Desiludidos, sem religião e hesitantes

A COVID-19 foi descrita como um raio-x em escala global, pois revelou algo que estava oculto em nossos sistemas e relacionamentos há tempos. Para ser mais preciso, a COVID-19 parece ser um raio-x em escalaacelerada, pois revelou e amplificou essas verdades ocultas em um ritmo mais veloz do que o normal.

Conhecidos tornaram-se estranhos, à medida que os laços relacionais ficaram tensos. Desigualdades econômicas tornaram-se flagrantemente óbvias. E com a atenção mais voltada para as notícias, a nação foi impactada pelo assassinato de George Floyd e forçada a lidar com o racismo estrutural que muitas vezes permanece silenciado em nosso país.

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Essa mesma revelação em escala acelerada recaiu sobre a igreja, revelando um grande declínio no envolvimento congregacional.

Ao longo dos últimos anos, pesquisas abrangentes registraram o surgimento dos “sem religião” e dos “desiludidos”. Os sem religião são ostensivamente aqueles que não se identificam com nenhuma afiliação religiosa, grupo mais predominante entre os zoomers (jovens da geração Z) e os millennials (jovens da geração Y). Os “desiludidos” são os dissidentes das religiões estabelecidas, mais notadamente do cristianismo. Por uma série de razões, eles estão “desiludidos” (cansados) da igreja.

Pesquisas iniciais sobre a pandemia sugeriram que até um terço dos fiéis pararam de frequentar a igreja. Dados mais recentes mostram que a frequência da maioria das igrejas encontra-se em um nível abaixo do nível pré-pandemia. Um estudo divulgado no início deste ano revela que a frequência à igreja caiu 6%, de 34% em 2019 para 28% em 2021.

As pessoas acabam se afastando da igreja por vários motivos, como os “sem religião” e os “desiludidos” têm demonstrado. Mas os “hesitantes” representam um grupo distinto sobre o qual vale a pena falarmos. Eu diria que muitos daqueles que se distanciaram da frequência à igreja, tanto de forma presencial quanto on-line, podem ser descritos como “hesitantes”.

Os “hesitantes” são uma categoria completamente diferente, e integrantes dessa categoria com os quais falei têm várias características em comum. Eles têm apreço pela igreja local, da qual foram membros ativos no passado. Levam Jesus a sério e querem pertencer a uma congregação local. Também não são amargurados nem cínicos. Na verdade, de alguma forma os “hesitantes” se sentem incomodados por não estarem comprometidos com uma igreja local.

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Como consequência, há uma lacuna entre seu desejo e sua situação. Eles são “hesitantes” porque estão incertos e têm dúvidas sobre como se engajar novamente em uma igreja. E embora suas histórias individuais sejam inúmeras e difusas, gostaria de apresentar quatro tipos potenciais de “hesitantes” e suas lutas: os desorientados, os desmotivados, os desencorajados e os desencaixados.

Os desorientados: Nos últimos dois anos, essas pessoas se tornaram pais ou tiveram que voltar a morar com seus pais. Alguns perderam o emprego e estão procurando se recolocar, enquanto outros mudaram de emprego e ainda estão se adaptando a uma nova vocação profissional. Os ritmos desordenados da pandemia perturbaram a estabilidade de suas vidas, algo que a igreja costumava lhes proporcionar. Assim, em meio a grandes mudanças de vida, essas pessoas não estão mais ativas na igreja.

Os desmotivados: Esse tipo de “hesitantes” estão desestimulados por causa da variedade de problemas que testemunham na igreja. Talvez eles tenham reexaminado sua fé após ter vindo a público a queda de algum pastor estimado ou por causa de pecados constantes de racismo e sexismo, mas de forma alguma querem romper os laços com a igreja. Falhas ocorridas dentro da igreja afastaram muitos deles da prática de fazer parte de uma congregação.

Os desencorajados: O peso do sofrimento e do luto coletivo dos últimos dois anos desencorajou muitos “hesitantes”. Eles estão lutando por sua saúde mental e por motivação. Muitos de seus familiares, vizinhos, amigos e membros da igreja morreram. A perda de relacionamentos, seja por morte, divórcio ou distanciamento, deixou um resíduo de mal-estar que afastou alguns deles da igreja local.

Os desencaixados: Outro sentimento que ouvi frequentemente de “hesitantes” é que o culto on-line não funciona para eles. Pesquisas iniciais sobre a COVID-19 sugeriram que as igrejas centradas no culto dominical lutavam para reter grandes faixas de seus membros. Os “hesitantes” desse grupo ficaram mais afastados de suas igrejas à medida que os cultos passaram a ser digitais, e quando algumas congregações voltaram a se reunir presencialmente, eles não retornaram.

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Muitos “hesitantes” foram deslocados, do ponto de vista físico e relacional, desarraigados do lugar e das pessoas com as quais conviviam, por um período. Eles estão vagando à procura de outra igreja para chamar de lar. Falei com cerca de 20 amigos e conhecidos, que poderíamos classificar como “hesitantes”, sobre como sua readmissão em uma igreja poderia se dar.

Ficou patente que, para muitos, essa volta provavelmente não será através do culto de domingo de manhã. Nesse aspecto, alguns “hesitantes” são semelhantes aos “desiludidos” e aos “sem religião”, que não têm o menor interesse em participar de um culto na igreja no Dia do Senhor.

Para as igrejas que centraram seus ministérios em torno dos cultos de domingo de manhã, isso representa um problema. Se o domingo de manhã não é mais o caminho, que um dia já foi para alguns, que propicia a comunidade e o cuidado pastoral, isso nos deixa com duas questões importantes: O que as igrejas centradas no culto de domingo devem fazer? O que os “hesitantes” devem fazer?

Reimaginando a casa de Deus

Como o frequentemente citado poeta Robert Frost ponderou: “Lar é aquele lugar em que, quando você tem de ir, eles têm que te acolher”. Lar é uma palavra tremendamente carregada, repleta de cheiros e sons, mas também de memórias de dor e de esperança.

O lar também é um fio de ouro tecido por toda a narrativa bíblica. Como o teólogo Douglas Meeks comenta em seu livro God the Economist, o Senhor está “procurando incessantemente criar um lar, uma família, onde as criaturas de Deus possam viver em abundância”.

Se meus instintos estiverem certos e o domingo de manhã não for mais a principal porta de entrada para alguns crentes, precisamos refletir ainda mais sobre a ideia de “igreja nas casas”. Especificamente, devemos reconsiderar os lugares físicos em que nos reunimos.

Gostaria de sugerir que redescobrir a casa como tema bíblico pode nos ajudar a interpretar a atual arquitetura social da igreja, a diagnosticar seus desafios e limitações e a fornecer um caminho fidedigno a seguir para os líderes da igreja e também para os “hesitantes”.

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Na história bíblica, a casa de Deus é o lugar onde ele habita entre seu povo, que funciona como se fosse coordenadas terrenas da presença de Deus.

No início, a casa de Deus era uma porção de terra no Jardim do Éden, onde Deus andava com Adão e Eva na bem-aventurança de uma morada pré-queda. Em seguida, Deus instruiu Israel a construir uma casa móvel durante o Êxodo, chamada de tabernáculo, ou seja, uma propriedade que servia como “santuário” portátil e habitação para o Senhor (Êxodo 25.8).

Após o reinado de Davi, seu filho Salomão construiu uma casa fixa chamada templo: o lugar onde Deus habitaria entre seu povo escolhido. Yahweh prometeu que no templo ele viveria entre os filhos de Israel e não abandonaria o seu povo (1Reis 6.13).

Mas as gerações subsequentes caíram em pecado e, apesar das advertências dos profetas, o templo foi destruído e Israel foi exilado. Embora o templo tenha sido reconstruído durante o ministério de Esdras e Neemias, nunca voltou à sua antiga glória. Em vez disso, pelos próximos quatro séculos, Israel continuou a ser ocupado por potências estrangeiras, o que indicava a ausência da presença de Deus.

Então, no primeiro século, o Messias chegou e, de repente, Deus “habitou entre nós” (João 1.14). Em uma pessoa, Jesus, a plenitude de Deus veio habitar! Jesus se tornou o novo templo de Deus, as próprias coordenadas da presença de Deus, o lugar exato onde céu e terra se encontram.

Então, após a crucificação, ressurreição e ascensão de Jesus, o Espírito Santo desceu sobre os discípulos, no dia de Pentecostes. E, a partir daí, seria com o povo de Deus, a igreja, que Deus faria sua morada.

Tudo isso é uma boa nova para os “hesitantes”.

Encontrando novamente um lar

Embora, nos últimos meses, minha esposa e eu não façamos parte de uma igreja no formato convencional, ainda nos reunimos com amigos toda segunda-feira à noite para comer, orar e meditar nas Escrituras. Temos um grupo amplo de amigos com quem jejuamos todas as quartas-feiras. Um pequeno grupo de mentores se junta a nós, em uma videoconferência via Zoom, uma vez por mês para orar por nosso futuro.

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Nenhum deles está formalmente ligado a uma igreja constituída, mas são apenas alguns exemplos de como os “hesitantes” podem navegar por este momento de transição, encontrando maneiras originais de não deixar de se reunir como igreja, segundo o costume de alguns, mas encorajarando uns aos outros (Hebreus 10.25).

Lembrem-se de que nosso distanciamento não precisa ser permanente. Como observei anteriormente, a maioria dos “hesitantes” lamenta a perda da comunhão cristã, e muitos anseiam por retornar ao corpo da igreja. E, muito embora possa ser tentador permanecer à distância e criticar a igreja, como fazem tantos, devemos lembrar que a igreja, com toda a sua beleza e suas mazelas, também inclui os “hesitantes”!

Então, quando você estiver pronto para fincar raízes em uma igreja local outra vez, primeiro considere as pessoas em sua vida que já estão ativas em suas respectivas igrejas. Aproxime-se delas em suas casas, ou melhor ainda, convide-as para compartilhar de sua mesa. Essas pessoas podem atuar como portas de entrada da igreja e podem orar a seu lado, enquanto você procura se readaptar.

Se você está “procurando” uma igreja para congregar, priorize aquelas próximas de sua casa que enfatizem uma missão que vá além dos cultos de domingo. Seja em um estabelecimento comercial local, em uma calçada, em um local alugado de forma temporária, em associações de bairro e em instalações públicas, todos esses ambientes podem se tornar locais não convencionais para os “hesitantes”, os “desiludidos” e os “sem religião” encontrarem o povo de Deus.

Por fim, nestes tempos em que tantos estão deslocados, podemos cultivar as virtudes da coragem e da longanimidade que marcaram os crentes por gerações.

De fato, esses tempos de incerteza para os “hesitantes” podem corresponder ao período de oração e jejum da Quaresma. Há muito o que lamentar no fato de se sentir deslocado, então, juntemo-nos à igreja global na cacofonia de orações por socorro e ajuda de Deus. Em nosso período de jejum, podemos sentir fisicamente, de forma simbólica, um pouco das dores que sentimos por estarmos distanciados do companheirismo que uma comunidade de fé pode proporcionar.

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Quando rituais cristãos como esses são praticados em comunidade, tornam-se uma maneira de discernir e se envolver coletivamente com o que Deus está fazendo no mundo. Esses rituais de fé nos abrem para a presença de Jesus dentro das quatro paredes de nosso lar.

Uma das muitas razões pelas quais minha esposa e eu queremos plantar uma igreja é porque esse é um lugar apropriado para promover tais virtudes e práticas! A igreja se reúne para anunciar que, mesmo em momentos que nos sentimos desorientados, desmotivados, desencorajados e desencaixados, Deus não nos abandona.

Em uma época marcada por tanta morte e distanciamento, confessamos nossa necessidade de um irromper do Espírito Santo. Minha esperança para os “hesitantes” é que nosso amor e nossa admiração pelo Deus triúno não fiquem estagnados, e que nos próximos anos ainda possamos testemunhar que “grande é a tua fidelidade”.

Para aqueles pastores que desejam alcançar os “hesitantes” em sua área, todo esse momento ajuda a pensar para além da atual arquitetura social da igreja (ou seja, o clássico culto de domingo em um templo). Muitos pastores já estão fazendo isso, mas para aqueles que ainda não estão, tentem imaginar novas formas diferentes de ser “igreja” acontecendo nas casas dos membros de sua congregação, durante a semana, nas quais as pessoas se tornem as principais portas de entrada para o ministério.

Não estou sugerindo que os pastores vendam os templos ou cancelem o culto dominical. Os templos são recursos incríveis e as reuniões de domingo facilitam celebrações em grande escala de pessoas marcadas pela esperança da ressurreição. Contudo, quando as reuniões de domingo são a única porta de entrada para a igreja, certamente sentiremos falta de muitos “hesitantes”, “sem religião” e “desiludidos” em nosso meio.

Para abordar plenamente as realidades destacadas e amplificadas pela pandemia, a igreja e seus pastores devem buscar recuperar uma arquitetura social centrada em pessoas, e não em propriedades.

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Talvez pastores e líderes possam marcar em um mapa as casas dos membros de sua igreja e considerá-las extensões de seus santuários, incentivando-os a convidar os vizinhos para jantar. Muitos “hesitantes”, “desiludidos” e “sem religião” podem não participar de um culto de adoração em um domingo de manhã, mas podem desfrutar de um churrasco em uma tarde de sábado no quintal de um dos membros de sua igreja.

Como isso revigoraria a missão da sua igreja ou realinharia seus recursos?

Ora, eu sei que, para meus colegas pastores, isso pode soar como mais uma tarefa pesada, além de questões que muitos já estão enfrentando, como a obrigatoriedade do uso de máscaras, as lacunas no orçamento, funerais e todo esse caos da vida da igreja diante do coronavírus.

Mas ouça estas palavras de Jesus: “Venham a mim todos vocês que estão cansados e sobrecarregados, e eu os aliviarei” (Mateus 11.28, NAA). Jesus pretende que encontremos descanso dele, e nossos lares físicos estão entre os lugares sagrados onde isso acontece, quando praticamos tanto o Sabbath quanto a hospitalidade.

Também reconheço que, para alguns, suas casas ou outros ambientes físicos não são uma opção, devido a questões de segurança, tamanho ou normas culturais. Independentemente disso, minha proposta permanece: a arquitetura social da igreja pode e deve se estender para além dos edifícios e passar a ocupar os espaços sociais onde quer que o povo de Deus habite.

Nós todos, povo de Deus, somos constituídos pela pessoa de Jesus. Assim como Jesus estendeu a presença de Deus para além do templo, para as casas de Simão e André, Maria e Marta, Zaqueu e Jairo, ele ainda bate à nossa porta hoje. Que o Rei da glória entre e se sinta em casa.

Mike Moore é diretor do Programa de Teologia e Missão do Northern Seminary (Lisle, IL), líder de missão local da Resonate Global Mission, e plantador de igrejas em Chicago. Ele é co-anfitrião do podcast Theology on Mission e é ordenado pela Christian Reformed Church.

Traduzido e editado por Marcos Simas.

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