A pequena Aryanna Schneeberg, uma criança de oito anos, estava brincando no quintal, quando foi atingida nas costas por uma flecha. Um vizinho estava tentando acertar um esquilo, mas errou o alvo pretendido e, em vez deste, atravessou o pulmão, o baço, o estômago e o fígado da criança. Ela carrega as cicatrizes que acompanham a sobrevivência de uma lesão como essa. Devemos nos lembrar de Aryanna toda vez que ouvirmos um pregador explicando a palavra em grego para designar pecado, hamartia, que significa “errar o alvo”.

Como a maioria dos clichês usados no púlpito, este aponta para algo que está parcialmente correto. O problema, porém, é que a imaginação da maioria dos cristãos ocidentais, moldada por Robin Hood, vai além da sua experiência real com o arco e a flecha. Pensamos em um cenário bucólico, onde atiramos nossas flechas em direção a um alvo pregado a um fardo de feno. A metáfora é quase reconfortante: não nos vemos como criminosos nem transgressores, mas como alguém que está fora de forma. Alcançamos nossa aljava e pegamos outra flecha, para mais uma tentativa de acertar o alvo.

Mas não é assim que a Bíblia descreve o pecado. A Bíblia diz que pecado é transgressão (1João 3.4). Quando a Escritura categoriza pecados, consistentemente o faz em termos que implicam tanto perpetradores quanto vítimas: inimizade, dissensão, opressão de órfãos e viúvas, adultério, cobiça.

Sob essa luz, o pecado tem menos a ver com praticar para acertar um alvo em algum recanto bucólico e isolado, e mais a ver com atirar flechas em plena calçada da cidade, em meio a uma multidão esmagadora. Ao nosso redor, há corpos para todos os lados, contorcendo-se ou mortos, atingidos por nossas flechas errantes.

Em um sermão sobre o pecado, um pregador também pode citar o puritano John Owen: “Mate o pecado ou ele matará você”. Isso é verdade também. E, no entanto, ainda não diz o suficiente: nosso pecado também pode estar matando aqueles ao nosso redor. “O salário do pecado é a morte”, a Bíblia nos diz (Romanos 6.23). E essa morte pode não ser apenas a nossa, mas também a de nossos próximos.

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O Apocalipse é uma carta circular para igrejas muito diferentes. Algumas delas foram ativamente perseguidas por Roma, enquanto outras se sentiam confortáveis e capitularam perante Roma. Os pecados e as tentações de cada uma diferem, mas a promessa é a mesma: Deus julgará. O restante do livro mostra como esse julgamento recai sobre o mundo, descrito como a Babilônia. Mas ele começa com a igreja. E a questão para o povo de Deus é se seremos uma prévia da Babilônia ou da Nova Jerusalém.

Uma razão pela qual Apocalipse parece um livro tão estranho para muitos é por seu uso de imagens muitas vezes enigmáticas — uma besta que saía do mar, uma prostituta que está sentada sobre sete colinas (13.1; 17.9). No entanto, a seu modo mais enigmático, este livro não descreve os dilemas enfrentados por todos nós, aqui e agora?

Roma — a cidade das sete colinas — era, na época, a cidade opulenta, rica e idólatra montada em uma besta monstruosa e poderosa — um império vasto e opressor. A besta controla pelo medo de sofrer. A prostituta controla por meio da sedução baseada em luxo e conforto. A besta diz: Juntem-se a mim e eu lhes darei acesso ao poder. A prostituta diz: Juntem-se a mim e eu lhes darei acesso ao prazer. Por trás de tudo isso, porém, há uma falsificação. A besta é uma tentativa de imitar o Cordeiro que é ferido, vence e separa um povo para si. A Babilônia é uma distorção do reino de Deus.

Não são apenas impérios, no sentido literal da palavra, que podem se tornar bestiais. Ministérios também podem. Podemos pensar que estamos apontando para o Cordeiro, quando estamos apenas repetindo os caminhos da besta. Podemos pensar que estamos servindo ao reino, quando na verdade estamos apenas construindo Babilônias que cairão em apenas uma hora (Apocalipse 17.12).

O que devemos identificar e erradicar não é apenas um único ídolo — a iconoclastia sexual, a supremacia branca, o nacionalismo cristão, o sincretismo religioso ou apenas os bons e velhos pecados da inveja, da rivalidade e da ganância — mas sim todos eles. Não devemos nos dividir entre aqueles que justificam certos pecados “pessoais” e aqueles que justificam certos pecados “sociais”.

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Será que acreditamos realmente que nosso pecado de fato machuca as pessoas? Acreditamos que nossos ministérios podem machucar pessoas, e de fato já machucaram? Se a resposta é sim, vamos nos lembrar do que nos torna “evangélicos” em primeiro lugar. Somos aqueles que dizem ao mundo, e a nós mesmos, não simplesmente “Creiam nas Boas Novas”, mas sim “Arrependam-se e creiam nas Boas Novas”.

Deus é um Deus de graça, que perdoa a nós, pecadores, por meio do sangue de seu Filho. Mas ele também é um Deus de julgamento — o Deus que sabe diferenciar entre Jerusalém e Babilônia, entre um cordeiro e uma besta. Neste tempo de revelações, devemos ouvir o que o Espírito está dizendo às igrejas, mesmo quando nossas metáforas errarem o alvo.

Ted Olsen é editor-executivo na CT.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

Editado por Marisa Lopes.

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