Este artigo foi adaptado da newsletter de Russell Moore, cujos textos são escritos em inglês. Para recebê-la, inscreva-se aqui.

Quando viajei para a Califórnia, para a posse de meu velho amigo Matthew J. Hall como reitor da Biola University, comentei com minha esposa, Maria: “Eu me pergunto qual foi a frase que mais vezes eu já disse a Matt ou já ouvi da boca dele. Chegamos à conclusão de que foi a frase: “Nossa, que loucura foi aquilo!”

Matt e eu tivemos muitas oportunidades de dizer isso um ao outro, desde que nos conhecemos — nos tempos em que ele era um rastreador de chamadas para um programa de rádio que eu às vezes apresentava, como convidado. O trabalho de Matt era separar as pessoas que queriam fazer algum comentário relevante daquelas que estavam indignadas, depois de me ouvirem dizer algo positivo sobre Willie Nelson ou Harry Potter, por exemplo. (Aqueles eram tempos mais simples, leitor.) E, nos anos seguintes, sempre que algum debate explosivo no plenário de nossa denominação saía dos trilhos, muitas vezes olhamos um para o outro e dissemos: “Nossa, que loucura foi aquilo!”

Por 20 anos, pude rir junto com o Matt sobre uma ou outra demonstração de loucura — e sempre posso contar com ele para saber o que se qualifica como “loucura”. Nos dois dias em que o visitei recentemente, eu me peguei rindo das histórias que contamos e recontamos, mescladas de muitas frases que começavam com “Você se lembra daquela vez em que…?”

No passado, posso ter considerado “nostalgia” as lembranças de momentos assim, mas hoje as vejo como graça. E acho que devemos valorizá-las.

Novas amizades com frequência são feitas a partir de histórias. Sempre que você conhece alguém novo, essa pessoa pode lhe perguntar: “Então, qual é a sua história?” Mesmo quando não é dita diretamente, essa é uma pergunta que fica subentendida. Contamos trechos de nossas histórias de vida uns para os outros, e muitas vezes ficamos felizes em descobrir que essas histórias se encontram em certos pontos. Como C. S. Lewis apontou — em uma das passagens mais citadas de Os quatro amores —, nós costumamos dizer: “Você também? Eu pensei que era o único.” Sem novas amizades como essas, nossas vidas podem ficar estagnadas e entediantes.

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Ainda assim, Dolly Parton e Kenny Rogers estavam no caminho certo quando cantavam: “Não se pode fazer velhos amigos”. As velhas amizades estão enraizadas em experiências comuns, que se acumulam com o tempo.

Quando você conta algo de sua história para um novo amigo, está dizendo algo semelhante a “É assim que eu sou. E você como é?” Quando passamos tempo com velhos amigos e contamos histórias de que lembramos, estamos fazendo algo diferente. Não estamos transmitindo informações; estamos revivendo nossas experiências. Estamos dizendo coisas como “Você acredita que pudemos ver isso?”, ou “Você acredita que sobrevivemos a isso?”, ou ainda “Você não sente falta daquilo?”, ou também “Você não está feliz que isso acabou?”

É apenas outra maneira de conhecermos uns aos outros — e de sermos conhecidos.

Nos últimos anos, centenas de pessoas vieram falar comigo sobre a dor de amizades desfeitas em suas vidas. Algumas vezes, essas amizades se romperam por causa de política — talvez por causa de diferenças de visões sobre Trump, a vacina contra a COVID-19, a teoria crítica da raça ou sobre qualquer outra questão divisiva, real ou imaginária.

Alguns tiveram uma amizade rompida por algum tipo de “desconstrução” ou separação da igreja. Para outros, amizades foram pelos ares na fúria de uma discussão. Em alguns casos, a amizade simplesmente acabou. No afã de respeitar com todo cuidado as zonas desmilitarizadas de coisas “seguras” sobre as quais falar, alguns amigos simplesmente não conseguiram mais juntar histórias suficientes em comum.

Seja qual for o motivo, romper amizades machuca, dói. Para todos aqueles que algum dia se mudaram na infância, sua mãe estava certa, quando dizia: “Você fará novos amigos”. Ainda assim, o que você sabia na época — e, no fundo, ainda sabe hoje — é que não se podem substituir os velhos amigos. Romper amizades é algo que machuca porque amizade é uma coisa muito importante.

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As pessoas costumam criticar os cânticos evangélicos que falam de amizade com Jesus. “Jesus não é sua namorada”, alguns deles podem dizer. “Jesus é o seu Senhor, não seu amigo.” Jesus é Senhor, mas a maneira que ele define seu senhorio é, em parte, nos chamando de amigos. E Jesus fundamenta essa amizade em uma história comum, compartilhada. Os servos podem obedecer a seus senhores, mas não sabem o que está acontecendo além de suas tarefas imediatas. Jesus, porém, disse a seus discípulos: “Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz. Em vez disso, eu os tenho chamado amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido” (João 15.15).

Pouco depois de fazer essa declaração, porém, Jesus viveu o rompimento de certas amizades. Quando foi preso e condenado à morte, alguns de seus amigos não quiseram mais compartilhar de sua história.

Dos relacionamentos que se romperam, um foi irreparável (no caso de Judas); Jesus, porém, procurou os outros, depois de sua ressurreição. Ele se encontrou com Pedro — que havia negado até mesmo que conhecia Jesus —, enquanto Pedro estava pescando, exatamente do mesmo jeito que Jesus o chamou pela primeira vez (João 21.1-19). Talvez a fogueira que Jesus preparou — do mesmo tipo que aquela em que Pedro se amaldiçoou por tê-lo negado — foi a maneira de Jesus dizer: “Eu sei de tudo o que aconteceu e, mesmo assim, amo você”.

Jesus, então, repetiu as mesmas palavras que havia dito a Pedro, quando o encontrou pela primeira vez: “Siga-me!” (João 21.19). Talvez, isso tenha sido em parte uma tentativa de Jesus de lembrar a Pedro que eles ainda compartilhavam uma história — talvez tenha sido uma maneira de Jesus dizer: “Você se lembra daquela vez em que...?”. Que amigo temos em Jesus!

Cerca de uma vez por dia, vejo, ouço ou penso em algo que me faz lembrar de uma história que faria sentido apenas para um de meus velhos amigos — por exemplo, uma piada interna ou notícias sobre um conhecido em comum. E começo a ligar para essa pessoa, mas, então, percebo que não posso.

Às vezes não posso porque aquele velho amigo já faleceu. Às vezes é porque aquele velho amigo pensa agora que sou um “marxista cultural” ou algo do tipo. E outras vezes é porque simplesmente perdi o contato com aquele velho amigo, no turbilhão de nossas vidas atarefadas, e parece meio estranho ligar para ele depois de tanto tempo.

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Talvez alguns de vocês nunca tenham vivido o fim de uma amizade, mas aposto que a maioria já teve essa experiência. E aposto que dói mais do que você quer admitir. Em muitos casos, não há nada que você possa fazer a respeito disso.

Mas há algo que você pode fazer: agradecer a Deus pelos novos amigos e continuar fazendo amizades.

E, enquanto faz isso, apegue-se com gratidão às velhas amizades, às pessoas com quem você compartilha histórias. Considere ligar para uma delas. Diga, talvez em voz alta, “eu te amo”, mesmo quando for estranho — ou, quem sabe, especialmente quando for estranho.

Reserve tempo para recontar velhas histórias ao lado daqueles amigos que saberão exatamente o que você quer dizer quando disser: “Você se lembra daquela vez em que...?” Permita que isso lhe aponte para a brevidade da vida e para além disso — para o dia em que tudo o que foi quebrado será consertado, o dia em que encontraremos tudo o que perdemos. Suponho que todos nos sentiremos como velhos amigos nesse dia.

E, enquanto aguardamos a glória da eternidade em constante expansão, quando olharmos para trás, podemos olhar nos olhos uns dos outros — apenas por um momento — e dizer: “Nossa, que loucura foi aquilo!”

Russell Moore é o editor-chefe da Christianity Today e lidera o Projeto de Teologia Pública da revista.

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