Com as taxas de pessoas que permanecem solteiras a longo prazo em ascensão, nas sociedades ocidentais, os evangélicos estão cada vez mais refletindo sobre os desafios que isso representa para a igreja. Na obra The Meaning of Singleness: Retrieving an Eschatological Vision for the Contemporary Church [O significado da solteirice: resgatando uma visão escatológica para a igreja contemporânea], Danielle Treweek reformula a discussão em torno da imagem bíblica sobre a criação que virá. O autor e teólogo Barry Danylak conversou com Treweek — diretora fundadora do Ministério Single Minded e diaconisa da igreja anglicana em Sydney — sobre o cultivo de uma compreensão teológica robusta da solteirice.

Quais são alguns dos desafios que você vê para a definição de solteirice?

A solteirice é um conceito moderno que traz consigo muita bagagem. Pode significar coisas diferentes em diferentes contextos. Não abrimos 1Coríntios 7, por exemplo, e vemos Paulo falando especificamente sobre solteirice, mas sim sobre uma série de conceitos correlacionados, como virgindade e compromisso. Em outras partes das Escrituras, vemos categorias como a viuvez, e exemplos como os eunucos, em Mateus (19.12). Portanto, precisamos ser flexíveis na maneira como falamos sobre a solteirice, reconhecendo alguns dos pressupostos que estamos trazendo para esse conceito.

Qual é o principal problema com a forma como os evangélicos de hoje entendem a solteirice?

O principal problema é que, via de regra, temos uma compreensão teológica empobrecida da solteirice. E vejo duas tendências problemáticas que nos levaram a essa situação.

A primeira surge do fato de sermos muito bons em olhar para trás, para Gênesis, e desenvolver uma teologia do casamento a partir do relato bíblico da criação. Como cristãos, no entanto, também aguardamos o que está por vir, a nova criação que as Escrituras prometem. Portanto, temos que descobrir o que significa viver à luz dessa realidade para a qual nos dirigimos, e que as Escrituras nos dizem que já foi inaugurada.

A segunda tendência problemática é deixar de perceber o quanto somos produtos do mundo em que vivemos. Paulo adverte, em Romanos 12, contra a atitude de nos conformarmos com os padrões deste mundo (v. 2). Quando, porém, tratamos de questões como casamento, romance, sexo, amizade e comunidade, estamos sendo discipulados pelo mundo sem nem ao menos perceber.

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Você aponta que muitos escritores evangélicos bem conhecidos veem a santificação pessoal como um dos principais propósitos do casamento. Por que você considera essa perspectiva como algo equivocado?

O casamento certamente pode ser útil para a santificação. Mas não devemos presumir que se casar é a melhor maneira de se tornar como Jesus. O Espírito Santo trabalha dentro de nós no contexto de todos os nossos relacionamentos, seja no relacionamento conjugal ou não. Eu por certo posso ver como o Espírito usa os laços do casamento para desafiar nossa pecaminosidade. Mas você não precisa de um cônjuge para ter sua pecaminosidade desafiada, seja pelo Espírito, seja pelas pessoas ao seu redor.

De que maneiras a solteirice é teologicamente significativa?

A abordagem típica para entender o significado teológico da solteirice depende de sua instrumentalidade. Em outras palavras, é uma questão do que você está fazendo com sua solteirice.

Obviamente, essa categoria é de fato importante. Mas estou tentando explorar se existe algo teologicamente significativo no status de solteiro por si só. Quando olhamos para a solteirice através das lentes da escatologia, conseguimos enxergar como ela tem implicações para questões como sexo, romance, companheirismo, comunidade, paternidade/maternidade e família. O que continua martelando em minha cabeça é o quanto uma teologia fiel da solteirice é algo de importância essencial para a nossa eclesiologia — para entendermos quem somos como igreja.

Você argumenta que os cristãos solteiros e celibatários podem informar uma compreensão mais expandida e biblicamente autêntica da sexualidade. Como isso pode acontecer?

Muitas vezes, a igreja vê o celibato como opressivo, em vez de expansivo. Há duas razões pelas quais considero que isso é errado.

A primeira é que pessoas solteiras e comprometidas em honrar a Deus com seu corpo podem ser um testemunho para os outros de que não são escravas de seus desejos sexuais. Em um mundo que celebra o desejo sexual como a totalidade de quem a pessoa é, solteiros celibatários podem mostrar que temos vidas ricas e plenas de realização.

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A segunda razão leva as coisas ainda mais na direção de uma perspectiva escatológica. Como pessoas ressuscitadas na nova criação de Deus, seremos seres humanos em nosso estado mais perfeito. Manteremos nossa natureza sexual masculina ou feminina, mas, como vemos em Mateus 22, não expressaremos essa natureza por meio do sexo no casamento (v. 30). Se, na eternidade, eu serei um ser humano em meu estado mais perfeito, e esse meu estado de existência será celibatário, isso sugere que a sexualidade humana é orientada de forma mais ampla para o relacionamento. Os cristãos solteiros lembram ao mundo que ser sexual é mais do que apenas fazer sexo.

Como efetivamente inspiramos os solteiros cristãos de hoje — e, nesse aspecto, a igreja como um todo — a ver a solteirice como algo teologicamente significativo?

Em meu ministério pastoral, a grande maioria dos solteiros que conheci deseja se casar. Então, como eu lido com isso teologicamente e pastoralmente?

Acho que a resposta é ajudá-los a verem sua solteirice da maneira como Deus a vê. Nosso mundo pode enviar a mensagem de que sua solteirice é tão boa quanto você se sentir a respeito dela. Se você se sentir feliz e contente em ser solteiro, então, sua solteirice é boa. Mas se você se sentir infeliz e lutar com isso, então, sua solteirice é um tanto trágica. Meu desejo é pensar além dessa experiência pessoal de ser solteiro, para ver o significado que Deus incutiu na solteirice.

Para a igreja como um todo, a resposta é praticamente a mesma. Estejamos dispostos a voltar para as Escrituras e a ver como novos olhos os propósitos de Deus, tanto para o casamento quanto para a solteirice. Evidentemente, isso sempre parece mera desculpa ou subterfúgio, porque as pessoas querem mesmo é perguntar como a igreja deve lidar com a solteirice em um nível prático. E é importante lidar com isso. Contudo, sem levar em conta a teologia que está por trás, estamos apenas colocando um Band-Aid sobre uma ferida aberta.

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Como sua própria experiência com a solteirice influenciou seu trabalho?

Interessei-me por esse assunto porque eu era solteira e permaneci assim, como poucos de meus amigos. Isso me levou a pensar teologicamente sobre os propósitos de Deus para esta parte da minha vida. Mas o que realmente consolidou isso para mim foi trabalhar no ministério e ser exposta a muitas mulheres solteiras que lutavam com questões semelhantes — não apenas mulheres que nunca se casaram, mas também viúvas e divorciadas.

E, mesmo que esta seja uma forma mais pragmática de ver as coisas, ainda é verdade: não acredito que eu pudesse ter feito toda essa pesquisa e reflexão, se fosse casada e tivesse filhos nestes últimos oito anos. Ser uma mulher solteira envolvida no ministério me permitiu investir neste projeto, que é uma grande dádiva para mim e, espero, para outras pessoas também.

Que conselho você daria a crentes que lutam com a solteirice?

Primeiro, leve essa luta a sério. Você não precisa sentir vergonha por estar lutando com isso. Existem sofrimentos reais envolvidos em todos os tipos de circunstâncias de vida, e a solteirice está bem incluída nisso.

Mas não se contente em permanecer nessa luta. Em espírito de oração, peça a Deus e a outros crentes que ajudem você a buscar crescimento e contentamento cristãos. E peça que você possa encontrar consolo e paz baseados na soberania de Deus sobre sua vida. Mesmo em meio à dor, podemos nos mover em direção à alegria que o evangelho nos concede, especialmente quando olhamos para a nova criação que nos espera.

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