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Com pequena mudança nos votos evangélicos, Brasil elege Lula

O candidato de esquerda abordou diretamente preocupações cristãs nos últimos dias da campanha para o segundo turno.
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Com pequena mudança nos votos evangélicos, Brasil elege Lula
Image: Alexandre Schneider/Getty Images
Luiz Inácio Lula da Silva comemora vitória apertada na eleição presidencial.

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e seus aliados trabalharam para conquistar eleitores evangélicos até o último minuto da campanha para o segundo turno, realizado em 30 de outubro.

Influenciadores cristãos postaram fotos com Bolsonaro no Instagram, anunciando com orgulho que apoiariam a sua candidatura para um segundo mandato. E a primeira-dama Michelle Bolsonaro cerrou fileiras com mulheres da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, no Rio de Janeiro, uma das maiores igrejas do país.

“Amados, seria bom se tivéssemos ganhado no primeiro turno”, disse ela. “Mas a gente precisava desse segundo turno para acontecer o despertamento da igreja.”

Aos eleitores cristãos não convencidos da fé do próprio presidente — muito embora ele, ex-oficial militar católico, tenha sido rebatizado há seis anos no rio Jordão — Michelle ofereceu sua própria expressão de boa fé evangélica.

“Não olhe para meu marido, olhe para mim que sou uma serva do senhor”, disse ela.

Mas esses esforços acabaram mostrando-se insuficientes. Uma pesquisa confiável, divulgada dias antes da eleição, mostrou que o apoio dos evangélicos mudara ligeiramente — apenas quatro pontos — de Bolsonaro para seu concorrente do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva. Quando os votos foram contados, porém, “Lula”, como é universalmente conhecido, ganhou a eleição por uma diferença de menos de 2%.

Alguns observadores creditam a mudança de decisão em favor de Lula a apelos diretos a algumas das principais preocupações dos evangélicos.

Lula, que é ex-presidente, tornou-se elegível para concorrer à presidência em março de 2021, quando foram anuladas as condenações por corrupção que o sentenciaram a 12 anos de prisão. Na corrida à presidência, porém, seu principal gesto de aproximação [dos evangélicos] veio por meio de citações bíblicas em discursos de campanha. Os evangélicos representam cerca de 30% do eleitorado.

Essa abordagem sutil mudou em uma reunião com representantes de igrejas evangélicas,que aconteceu em São Paulo, no dia 19 de outubro. Lula, então, soltou uma carta, expondo suas posições sobre uma série de preocupações centrais. Sobre o aborto, por exemplo, escreveu que “a vida é sagrada, obra das mãos do Criador” e que as decisões sobre esse assunto caberiam ao Congresso Nacional.

Sobre a educação e os constantes debates acerca do que as escolas devem ensinar às crianças sobre gênero, ele disse que as escolas públicas devem trabalhar junto com os pais, e não contra os pais.

“O lar e a orientação dos pais são fundamentais na educação de seus filhos, cabendo à escola apoiá-los dialogando e respeitando os valores das famílias, sem a interferência do Estado” escreveu Lula em sua carta.

A carta também abordou rumores falsos de que ele perseguiria os cristãos. Em maio, um membro do Legislativo recebeu uma ordem judicial para deletar postagens nas redes sociais que faziam alegações falsas, afirmando que Lula e seu partido apoiavam a invasão de igrejas e a perseguição a cristãos. Outro pastor da Assembleia de Deus admitiu este ano que estava dizendo à sua congregação, sem quaisquer evidências, que sua igreja poderia ser fechada se a esquerda voltasse ao poder.

Lula refutou essas e outras alegações infundadas.

“Eu sei que as pessoas estão dizendo que vou fechar igrejas. Justamente o cara que criou a lei para ter liberdade religiosa”, disse ele. “Alguém dizer que vou fechar igrejas é de uma maldade, é de uma ignorância de tal magnitude, que às vezes a gente não acredita [...] Veja, eu jamais fecharia uma igreja, porque eu acho que se tem uma coisa boa que as pessoas fazem na vida é [...] fortalecer sua fé e cuidar de sua espiritualidade”.

Na eleição passada, Bolsonaro recebeu 70% do apoio evangélico. Ao longo de sua presidência, ele parecia cultivar apenas uma relação mais próxima com os evangélicos, como a CT mostrou anteriormente, aparecendo ao lado de conhecidos televangelistas e pentecostais, entre eles Silas Malafaia, Marco Feliciano e Edir Macedo, o bispo da maior denominação do país que prega a teologia da prosperidade. O presidente também participou da Marcha para Jesus.

Alguns de seus críticos viam as ações de Bolsonaro como puramente transacionais.

“Bolsonaro cooptou os cristãos, a partir de manipulação, oferecendo-se como a única salvação contra a esquerda, contra o PT. Apresentou-se como um messias. Pegou para si pautas importantes para os cristãos, como as questões do aborto e da família, e fez delas a base de sua campanha”, disse à CT Jacira Monteiro, escritora e estudante de pós-graduação em um seminário, meses atrás. “Também fez (e continua fazendo) um jogo de doisladismos: ‘ou eu sou o presidente e livro vocês do mal, do Satanás — a saber, do PT e da esquerda — ou o Brasil volta para as trevas’. Tudo isso usando em sua campanha um linguajar agressivo e polarizado”.

Apesar de terem dado um impulso significativo a Bolsonaro na última eleição, no entanto, os evangélicos não são todos iguais.

A Frente Parlamentar Evangélica, grupo que se identifica como a voz evangélica oficial no Poder Legislativo do país, disse que tem entre seus membros 196 deputados e 7 senadores de 19 partidos políticos diferentes. Apenas 42 deles eram do Partido Liberal, o partido de direita ao qual pertence Bolsonaro.

Bolsonaro perdeu algum apoio evangélico devido ao tratamento que dispensou à COVID-19 e a questões econômicas. Mas, com o início da corrida eleitoral e, depois, para o segundo turno, ele parecia estar reconquistando apoio. Nos últimos dias de campanha, entretanto, o número de evangélicos que mudou de ideia foi suficiente para fazer diferença.

A decisão de Bolsonaro de “minimizar a pandemia, desprezar informação científica importante” custou muito caro em termos de votos perdidos, disse Guilherme de Carvalho, diretor do L’Abri Brasil.

“Vimos uma atitude de desprezo, de confrontação e de evitar o diálogo. E não só isso, um espírito de irresponsabilidade com a saúde das pessoas, e piadas sobre pessoas que estavam correndo risco de vida. Chegamos a ver bolsonaristas fazendo dancinhas com caixão”, disse Guilherme.

Guilherme de Carvalho afirmou que outra questão importante para alguns evangélicos foi o meio ambiente, e apontou para o aumento do desmatamento e dos incêndios florestais durante o governo de Bolsonaro.

“Quem derrotou o Bolsonaro foi o próprio Bolsonaro”, disse Guilherme.

Dada a apertada margem da vitória de Lula e a reticência de Bolsonaro em reconhecê-la, alguns líderes evangélicos agora estão preocupados com a unidade da igreja nos próximos meses.

“A vitória do Lula, estenderam (sic) mais 4 anos de ainda mais polarização, e o sonho de mais opções políticas ficaram para daqui 8 anos (sic)”, tuitou Filipe Duque Estrada, pastor da Onda Dura Global. “Porque daqui 4 anos as únicas opções, (sic) serão novamente Bolsonaro e Lula. Se Bolsonaro tivesse ganho, esse ciclo teria terminado.”

Alguns líderes clamam por paz.

“Sei que nestas eleições muitos vínculos foram rompidos, pessoas feridas, ofensas ditas, mas para cada erro cometido há a bondade de Deus para nos conduzir ao arrependimento e à reconciliação”, escreveu no Instagram Zé Bruno, um importante criador de conteúdo cristão. “Busque ver onde você errou e arrependa-se. Busque ver onde erraram com você e perdoe. Não leve adiante o mal, antes ponha um fim a ele através do bem, do amor e da misericórdia, pois ela triunfará sobre o juízo.”

Traduzido por Marisa Lopes

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[ This article is also available in English and Français. See all of our Portuguese (Português) coverage. ]

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