Imagine que você receba um copo de suco de laranja, mas pouco antes de lhe ser entregue, um pesquisador deixe cair uma barata, mexa o suco, remova a barata e lhe entregue o copo. Você beberia? Claro que não. Mas, agora, imagine que o pesquisador tome o mesmo copo de suco, passe o líquido por um filtro usado para purificar a água da torneira, ferva e esterilize o suco e o filtre novamente. Agora você beberia o suco? Se você é como a maioria das pessoas que fez parte desse experimento, não o faria. Você sabe intelectualmente que o suco é “limpo”, mas, por alguma razão visceral, não consegue beber. Essa reação instintiva é o que os psicólogos definem como nojo, e essa resposta é chamada de psicologia da contaminação. Quando se trata de nojo, nossa razão e nossa psicologia da contaminação podem estar em desacordo.

Agora, imagine que o problema não tem a ver com suco e baratas, mas com um vírus invisível e o contato com aqueles que podem ou não estar carregando o vírus. E se esse vírus for, possivelmente, mortal? Você gostaria de entrar em contato com essas pessoas, apertar sua mão ou participar de um culto com elas?

O especialista em doenças infecciosas Anthony Fauci afirmou recentemente que os americanos nunca devem apertar as mãos novamente — e ele está se referindo ao período após a pandemia de coronavírus. Fauci afirmou que doenças infecciosas, como a gripe, poderiam ser significativamente reduzidas eliminando-se os apertos de mãos. O biólogo e professor de Gordon, Craig Story, ressalta, ainda que mais gentilmente, que melhores práticas de higiene na igreja podem ajudar a impedir a propagação de doenças.

No entanto, de acordo com a psicologia da contaminação, existe a possibilidade de exagerarmos e acabarmos com um déficit de toque humano necessário à nossa saúde mental. A pergunta que devemos fazer, imediatamente, no momento em que a primeira onda de infecções está diminuindo: vale a pena se arriscar em abraços e apertos de mão na igreja? Ou o que dizer do “abraço da paz”, da imposição de mãos ou da unção com óleo? Para alguns, reunir-se, comungar, se divertir e adorar são atitudes que estão começando a ocorrer de novo; para outros, ainda não. Como, agora, temos evidências de que a participação na igreja e, até mesmo, as contribuições financeiras permaneceram constantes durante esse período da igreja virtual, pode parecer mais seguro manter os cultos on-line durante esse período.

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Mas, e depois, quando tudo tiver passado, como os humanos interagirão? Preferiremos a segurança de eliminar todo toque físico e proximidade? Ainda desejaremos Skype ou Zoom em reuniões, apenas por segurança? Como navegaremos socialmente pelos altos e baixos das curvas de infecção, hospitalizações e mortes?

A lógica oculta da repulsa

Há uma grande diversidade de opiniões sobre o que compõe um comportamento seguro. O especialista em saúde pública Daniel Chin aconselhou modificações estritas no contato pessoal nas igrejas, com base em dados de saúde locais. E, como Fauci, alguns epidemiologistas argumentam que a segurança e a proteção são fundamentais e, portanto, devemos nos abster de atividades que ameacem nossa vida. Na semana passada, o The New York Times perguntou a 511 epidemiologistas quando eles preveem que poderemos abraçar, fazer um jantar ou sair de férias novamente, entre outras atividades. As respostas foram muito variadas, mas 42% esperam se abster de abraços e apertos de mão por mais de um ano, enquanto 39% calculam uma espera de 3 a 12 meses. Nessa visão, o contato próximo deve ser monitorado e é mais seguro cedermos ao novo mundo virtual.

É possível, no entanto, que algumas opiniões superestimem o perigo. De fato, outro artigo recente perguntou a uma especialista em transmissão de doenças transmitidas pelo ar sobre o nível de risco dos abraços. Usando modelos matemáticos que levaram em conta a dosagem necessária para pegar o vírus, a cientista Linsey Marr, que estuda partículas no ar, disse que o risco ao dar um abraço em um ente querido é realmente muito baixo, mas deu algumas precauções que você pode tomar para abraçar com mais segurança — incluindo usar máscara, evitar chorar, tossir ou falar e lavar as mãos depois.

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Se alguns no público em geral respeitam a opinião de Fauci e outros especialistas preocupados com o contato físico, isso pode estar relacionado a uma motivação inconsciente mais profunda encontrada na “psicologia da repulsa”. Doença e morte são duas coisas que provocam repulsa. Pode ser que a pequena proteína colorida de coronavírus que vemos todos os dias na TV esteja causando repulsa em todos nós.

A repulsa desempenha funções importantes nos seres humanos. Essencialmente, ela age como um sistema de limites e ajuda os seres humanos a saber o que incorporar em seus corpos, protegendo-os da ingestão de substâncias perigosas. Mas, além disso, a dinâmica leva à abstenção, à rejeição, à expulsão e à eliminação. Em última análise, ela nos ajuda a evitar o desconforto e a morte.

Mas a repulsa também tem um aspecto “promíscuo”, no qual se vincula a uma variedade de outros estímulos, incluindo estímulos morais (por exemplo, comportamentos repugnantes), sociais (como pessoas repugnantes) e circunstâncias religiosas (por exemplo, é preciso evitar a imoralidade nojenta). A repulsa tem um tipo de lógica irracional, o que Richard Beck, da Universidade Cristã Abilene, chama de “pensamento mágico”. Beck diz que é “mágico” porque começamos a acreditar que o que é repulsivo pode nos contaminar de maneiras que não condizem com a realidade. Beck observa: “O problema surge quando a lógica do ‘contato’ começa a ser aplicada a situações em que não deveria ser aplicada”.

Enquanto a repulsa essencialmente começa com algo semelhante a um vírus, sua lógica irracional pode se espalhar rapidamente dos germes para as pessoas. Paul Rozin e colegas descreveram como esse pensamento mágico resulta na lógica da repulsa e nos quatro princípios da contaminação: Primeiro, o contato sempre levará à contaminação. Segundo, mesmo quantidades microscópicas do elemento contaminado são prejudiciais; isso é chamado de insensibilidade à dose. Terceiro, a permanência, que implica que uma vez que algo (ou alguém) se contamina, não pode ser purificado. E, por último, a dominância da negatividade, uma crença de que quando um contaminante e um objeto puro entram em contato, o contaminante é mais forte e contamina o objeto puro. Apesar do conhecimento racional de que a contaminação não é realista (o suco foi esterilizado), a lógica da contaminação cria uma sensação visceral que simplesmente não conseguimos evitar.

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Um exemplo não muito distante é o início da epidemia de AIDS. Quando a AIDS surgiu pela primeira vez e o público sabia pouco sobre ela, os pacientes foram repudiados e marginalizados por pessoas que temiam contaminação. Mesmo quando surgiram informações precisas sobre a transmissão, as pessoas ainda estavam com medo. Pacientes com AIDS sentiram a repulsa nos outros.

Embora possa ser difícil imaginar que alguém rotule potenciais portadores de COVID-19 de repugnantes, basta lembrar o sentimento antiasiático, visto no início do surto. Embora essas reações sejam claramente racistas e injustificadas, todas as mensagens confusas e mal informadas sobre o vírus, combinadas com a lógica da contaminação, tornam compreensível como as pessoas podem começar a se olhar como potenciais contaminantes. A lógica da repulsa diria que é melhor ficar longe! Podemos dizer a nós mesmos que o mundo virtual é “bom o suficiente” e que, ao limitar nosso contato com os outros, estamos sendo espertos, seguros e sábios, o que, é claro, deveríamos ser, mas o pensamento mágico da lógica da repulsa sugere que podemos estar superestimando ilogicamente o perigo.

A importância do toque

Embora a repulsa possa nos afastar, a literatura psicológica está repleta de estudos que demonstram a importância do toque. Muitos estão familiarizados com a história das crianças romenas criadas em orfanatos, onde eram alimentadas, trocadas e banhadas regularmente, mas não eram embaladas, abraçadas ou tocadas com amor. Os pesquisadores que acompanharam essas crianças por um período de 14 anos descobriram que as crianças apresentavam grandes atrasos em linguagem, funcionamento cognitivo, desenvolvimento motor e funcionamento socioemocional — e alguns casos eram suficientemente graves para receber diagnósticos psiquiátricos. Ou considere Genie, um estudo de caso encontrado na maioria dos livros introdutórios de psicologia. Genie foi criada por um pai doente mental, que a amarrou a uma cadeira suja, restringiu seus movimentos e a impediu de todo tipo de estímulo, inclusive a linguagem. Quando Genie foi resgatada, aos 13 anos de idade, ela não conseguia andar ou falar e parecia autista. Os déficits de Genie não foram resultado de baixa inteligência, mas de falta de interação humana.

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Os seres humanos não apenas se relacionam; relacionamentos nos tornam humanos. Estamos conectados a relacionamentos, que incluem proximidade física e toque. O cérebro infantil passa por enormes quantidades de desenvolvimento após o nascimento, com base na interação com o meio ambiente. A ligação começa com o toque pele a pele, o que libera o neurotransmissor de ligação ocitocina no bebê e nos pais. Pesquisas em interações pais-bebê demonstram que essas primeiras experiências formam estilos de apego, moldando a maneira como nos relacionamos com outras pessoas na idade adulta.

E os adultos? Certamente, quando nosso cérebro está totalmente desenvolvido, o toque deve ser menos importante, certo? Dacher Keltner, professor e diretor executivo do Greater Good Center da UC Berkeley, acredita no contrário. Keltner acredita que o toque humano é essencial para a comunicação, a saúde e o vínculo. Em um experimento, Keltner separou fisicamente dois pacientes por uma parede para que eles não pudessem se ver. O paciente um colocaria um braço através de um buraco na parede. O paciente dois recebeu uma lista de emoções para tentar se comunicar apenas tocando o antebraço do sujeito. Embora houvesse apenas 8% de chance de o paciente um adivinhar corretamente a emoção certa, os pacientes do estudo de Keltner conseguiram identificar a emoção da compaixão 60% das vezes.

O toque pode até aumentar a generosidade. Keltner menciona um estudo relacionado, onde os participantes jogam “o dilema dos prisioneiros”. Os pacientes tiveram a opção de cooperar ou competir com um parceiro por uma quantia limitada de dinheiro. Os indivíduos que receberam um tapinha nas costas logo antes de iniciar o jogo tinham maior probabilidade de compartilhar seu dinheiro com o parceiro.

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O toque está relacionado à saúde. O toque de adulto para adulto, assim como pais e bebês, também libera ocitocina, o que alguns chamam de “hormônio do amor”, o que aumenta o vínculo e os sentimentos de confiança. O impacto calmante do toque tem sido associado à redução do estresse cardiovascular, enquanto os abraços demonstraram diminuir a frequência cardíaca e a pressão sanguínea, fortalecendo o sistema imunológico, de acordo com uma pesquisa.

O toque é tão central para o ser humano que Susan K. Farber escreve na Psychology Today que as pessoas estão “procurando seus próprios ‘tocadores profissionais’ e professores de artes corporais — quiropraxistas, fisioterapeutas, terapeutas da Gestalt, Rolfers, pessoas da técnica Alexander e Feldenkrais, massoterapeutas e instrutores de artes marciais e de Tai Chi Chuan. Alguns até aguardam nos consultórios médicos por um exame físico de doenças que não têm causa orgânica — eles esperam para ser tocados.”

A visão da repulsa nas Escrituras

Se a repulsa em sua essência, que é proteger-nos da morte, pode estar ligada a situações morais, sociais e espirituais, alguns dos comportamento dos fariseus nos evangelhos fazem sentido. Os fariseus não eram simplesmente arrogantes legalistas, mas eram humanos normais com medo de contaminação (isto é, impureza moral). A principal repulsa ficou ligada a certos comportamentos e pessoas por meio da lógica irracional da contaminação e, posteriormente, levou ao medo da proximidade e do toque. É possível que as pessoas pós-pandemia possam ficar tentadas a permanecer isoladas e satisfeitas com a adoração virtual como um fino disfarce da repulsa. Mas a mudança não ocorrerá apenas sabendo sobre o “pensamento mágico” da contaminação e sua natureza promíscua. Precisamos de um novo entendimento e de novos comportamentos que possamos imitar. Nas Escrituras, Jesus oferece-nos dois.

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Os judeus temiam entrar em contato com os impuros, mas Jesus acolhe multidões de doentes/imundos (Mt 14.34-36; Mc 3.7-12; Lc 4.40). Embora Jesus pudesse, e ocasionalmente o tenha feito, curar indivíduos impuros apenas com palavras, parece que ele preferia tocá-los. Ele toca leprosos (Mc 1.40–44), cura os cegos e mudos com cuspe da própria boca (Mc 7.31–37; Jo 9.1–7), abaixa-se e toca os mortos (Lc 8.40–56) e a mulher com o fluxo de sangue é curada ao tocar em Jesus (Lc 8.43–48). O toque é importante para Jesus e ele o usa frequentemente com aqueles considerados intocáveis. Talvez o toque seja importante para Jesus porque não apenas cura, mas, também, reconhece a humanidade. Ao fazer isso, Jesus reconcilia essas pessoas com uma comunidade que anteriormente as olhava e as tratava com repulsa.

Nos evangelhos, Jesus literalmente enfrenta cada um dos quatro princípios de contágio descritos por Rozin. Ele quebra o medo da proximidade e da insensibilidade à dose, a ideia de que mesmo um pouquinho de contaminante arruina o todo. Jesus nega essa lógica comendo no lar dos pecadores e ao não discriminar aqueles com quem interage (Lc 19.1–10). A teoria da permanência sugere “uma vez contaminado, sempre contaminado”, mas Jesus demonstrou repetidas vezes que alguém pode ser limpo (Lc 7.36–50; Jo 8.1–11). E, finalmente, contrariando a lógica do domínio da negatividade — a ideia de que o impuro domina o limpo, tornando-o impuro — Jesus não teme entrar em contato com o impuro. Doença ou pecado podem tornar os outros impuros, mas ele mostra que supera a contaminação e permite que eles se tornem limpos.

Jesus não aceita a lógica da contaminação e da repulsa. Exemplo após exemplo, Jesus não apenas cura, por meio do toque, mas também purifica o imundo. As pessoas são perdoadas, curadas e devolvidas às suas comunidades completamente renovadas. Em vez de seguir os impulsos naturais de repulsa, ignorar, evitar ou até envergonhar, Jesus ama seu próximo por um ato de acolhimento radical. Ele se move em direção àqueles rotulados como impuros. É claro que a impureza ritual e o contágio viral não são a mesma coisa, mas ainda podemos aprender como superar a repulsa com o exemplo de Jesus. O perigo de um mal como o COVID-19 é que a repulsa não permanecerá no campo biológico, mas se tornará promiscuamente apegada às pessoas, levando-as a evitar, afastar e perder o benefício de toque, proximidade e igreja juntos.

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Vale a pena o risco?

É claro que precisamos ser sábios e seguros. Obviamente, precisamos ouvir especialistas da área e seguir as práticas estabelecidas por nossos líderes. Esse não é um chamado para desafiar as regras, como alguns fizeram sob o disfarce da liberdade — uma pequena ocultação que põe os direitos individuais acima da responsabilidade comunitária. As perguntas permanecem: como devemos nos comportar quando voltarmos aos cultos da igreja ou nos reunirmos de alguma forma? Como podemos fazer modificações para participar da comunidade de forma plena novamente? Devemos correr riscos calculados? A pesquisa sobre o toque e o exemplo de Jesus gritam que sim. A repulsa é uma estratégia psicológica para nos proteger de doenças e morte. Mas ser humano é ser vulnerável — não podemos evitá-lo inteiramente.

Na igreja, somos chamados a voltar, um dia, a praticar a vulnerabilidade, apesar do medo, ao dar a paz, impor as mãos, compartilhar refeições, adorar e viver juntos. Quando compartilhamos a Eucaristia, lembramos a vulnerabilidade de Cristo, sua radical hospitalidade em relação a nós, os quebrantados, os impuros. Lembramos que, por causa de sua morte e ressurreição, não precisamos temer. “Ele (Jesus) libertou aqueles que foram mantidos em escravidão a vida inteira pelo medo da morte” (Hb 2.15).

Quando nos lembrarmos disso, poderemos agir com ousadia, tão logo o perigo iminente passe, não apenas em nossas igrejas, mas em nossas comunidades, praticando um acolhimento radical. Então, desejemos cumprimentar um ao outro com um aperto de mão ou um ósculo santo, dando abraços, impondo as mãos e ungindo com óleo. Isso definitivamente vale a pena.

Brad D. Strawn é professor de psicologia no Fuller Seminary, School of Psychology, psicólogo licenciado e presbítero ordenado na Igreja do Nazareno. Seu próximo livro, com Warren Brown, "Enhancing Christian Life: How Embodied Cognition Augments Religious Community", será publicado pela InterVarsity Press.

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