Algumas semanas atrás, cheguei ao aeroporto um pouco mais cedo para buscar um amigo e decidi parar na pista de emergência para esperá-lo. Eu sabia que não era a coisa certa a fazer, mas já havia outros 20 carros lá, de modo que achei que minha decisão não era tão ruim assim.

Momentos depois, porém, ouvi uma sirene e vi as luzes de um carro da polícia pelo espelho retrovisor.

Do nada, minhas mãos começaram a tremer, minha respiração se acelerou e minhas pernas começaram a vacilar. Liguei para meu marido e contei o que estava acontecendo. Meu corpo estava entrando no padrão de pânico total.

Quando o policial se aproximou, eu mal conseguia recuperar o fôlego. Imagens de homens e mulheres negros sendo baleados por delitos menores passaram pela minha mente. Eu seria rotulada como uma criminosa que infringiu a lei ou como mãe, esposa e ministra que serviu ao Senhor? Eu seria incluída entre os inúmeros nomes de negros que morreram por um pequeno delito ou estaria entre os poucos privilegiados que escaparam com vida?

Quando o policial chegou perto do meu carro, eu mal conseguia enxergar. Ele ficou a uma curta distância, pediu que eu respirasse e me ajudou a me acalmar. Com meu marido ainda no viva-voz, finalmente encontrei as palavras para dizer: “Sinto muito”.

O que se passava em minha mente era: “Por favor, não me machuque.” Naquele momento de pânico, não consegui distinguir o bondoso policial à minha frente de tudo o que já havia visto nos noticiários.

A multa de trânsito que levei deu aos outros carros infratores a oportunidade de sair dali e, quando o policial finalmente foi embora, comecei a chorar. Chorei por todos os homens e mulheres negros que imploraram por suas vidas e ainda assim morreram. Chorei por Manuel Ellis, Philando Castile, George Floyd, Breonna Taylor, Alton Sterling e tantos outros.

A lista cresce a cada dia que passa. Durante uma blitz de trânsito recentemente, perto de Circleville, no estado de Ohio, um homem desarmado que se chamava Jadarrius Rose foi parado, por estar sem o pára-lama, e depois atacado por um cão policial. Enquanto assistia ao vídeo horrendo, chorei novamente.

Desta vez, as lágrimas me fizeram lembrar de fotos de Walter Gadsden sendo atacado por um cão policial, durante um protesto pelos direitos civis, em 3 de maio de 1963, no centro de Birmingham. Uma foto em preto e branco mostra um policial segurando um jovem estudante negro do ensino médio pelas roupas, enquanto um cachorro lhe dilacerava a carne. Esta imagem está entranhada em meus ossos, estampada em livros que estão na minha mesinha de centro e está acessível para meus filhos online. Esta e outras histórias estão gravadas em minha mente e em meu corpo, são transmitidas por gerações de antepassados traumatizados que existiram antes de mim.

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Só me resta perguntar: como podemos entender coisas que simplesmente não fazem o menor sentido? Como podemos encontrar cura para gerações que sentiram na carne essa dor? Mais importante ainda, como mudamos esse sistema, para que pessoas de pele negra não sejam asfixiadas durante uma prisão, baleadas por engano, esganadas por pequenos crimes ou espancadas pela falta de um para-lamas?

A resposta não está em defender as chamadas “Blue Lives" [movimento que surgiu em resposta ao Black Lives Matter e luta pela proteção dos policiais] nem em cortar os recursos financeiros da polícia. A resposta está hoje e sempre esteve em Jesus Cristo.

Ao me basear na fé, não estou minimizando nem as profundas disfunções sociais e políticas que permitem que o racismo continue, nem as tendências da era Jim Crow, que persistem muito depois do fim das leis. Em vez disso, estou tirando proveito da força que capacitou líderes do movimento de direitos civis a marcharem, enquanto eram atingidos por mangueiras de caminhões de bombeiros. Estou invocando o poder que levou meus tataravós a fazerem a transição da escravidão para a liberdade, pelo bem dos filhos de seus filhos. Estou confiando na presença de Cristo e na grande nuvem de testemunhas que creem no nome dele.

Defender a justiça é o chamado da igreja em tempos como estes — e sempre. Aqueles de nós que são cristãos e negros são responsáveis por identificar e cuidar dessa dor que é desencadeada toda vez que vemos tragédias racistas retratadas nos noticiários. Ignorar este momento da história somente agrava os problemas de saúde mental que em geral afligem nossas comunidades.

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Quando o trauma comunitário não é resolvido, ele se esconde nos recessos de nossas mentes e se transforma em medos que, consciente ou inconscientemente, passamos para nossos filhos. Em vez disso, precisamos proferir sobre os corpos e as mentes de pessoas negras a Palavra de cura que vem de Deus, de maneiras que inspirem ação e reacendam a esperança.

“As estatísticas são desnecessárias para aqueles de nós que carregam no coração a experiência de ser negro neste país”, escreve Esau McCaulley em sua matéria de capa da CT sobre Paulo e a ética policial. Ele continua:

Os Estados Unidos, tanto historicamente quanto no presente, não nos protegeram. Antes, usaram a espada para incutir um medo que foi transmitido, de geração a geração, em lares e igrejas de negros. Esse pavor, entretanto, nunca teve a última palavra. Em vez disso, os cristãos negros se lembraram de não temer aqueles que só podem matar o corpo. Em nossos melhores momentos, em nossos momentos mais cristãos, exigimos nossos direitos de primogenitura como filhos de Deus.

A mesma mensagem de esperança também precisa ser proclamada em outras igrejas, não apenas nas igrejas da comunidade negra. Elas também virão a sofrer por causa de notícias como essas. Elas também são chamadas a lamentar a condição caída deste mundo, a cuidar da dor de irmãos e irmãs que sofrem isso na própria pele e a exigir responsabilização e mudança em nossos sistemas.

Às vezes é fácil ignorar o trauma vivido pelos negros, como se fosse algo que acontecesse “com eles” e não “com todos nós”. Quando isso acontece, os cristãos perdem a oportunidade de exercer a linguagem bíblica do lamento comunitário. Ela nos aproxima uns dos outros e, o que é mais importante, nos aproxima do sofrimento de nosso Senhor.

Como igreja, somos chamados a ser solidários com aqueles que choram e a carregar o fardo daqueles que sofrem. Isso significa recusarmo-nos a permanecer insensíveis diante de episódios de brutalidade policial nas comunidades negras e estarmos dispostos a fazer algo — o que quer que seja — a respeito.

Nicole Massie Martin é Diretora de Impacto da Christianity Today.

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