Cresci em uma pequena cidade do sul do Texas. Sendo filho de imigrantes, fui criado para valorizar a educação como caminho para uma boa vida e aceitação social. Éramos uma família sem religião, mas minha consciência espiritual cresceu, à medida que eu enfrentava minhas próprias inadequações.

Eu devia ter uns cinco anos quando, depois de me comportar mal, meu pai me deu uma surra e eu revidei, mordendo-o nas costas. Mas, imediatamente, senti um profundo remorso. Meus pais na mesma hora me expulsaram de casa, e passei aquela noite encolhido no carro da família, chorando. Orei a Deus pedindo perdão. Depois de um tempo, entrei em casa e pedi desculpas ao meu pai.

Suponho que tive o instinto de orar porque meus pais, embora não fossem religiosos, tinham me matriculado na escola primária da paróquia, a qual escolheram pela qualidade da educação. Foi ali que desenvolvi uma admiração por espaços sagrados como a catedral, e por figuras sagradas como Jesus, que lá estava pendurado em uma cruz. Muitas vezes eu me sentava no banco da catedral e imaginava o que Jesus poderia me dizer. Mas, exceto por isso, eu praticamente ignorava Deus.

Minha imaginação foi redirecionada, à medida que fui ficando mais velho. Eu me saía bem na escola, especialmente em matemática. A matemática despertava em mim um senso de temor e admiração. Havia uma ordem encantadora no universo para a qual ela [a matemática] tinha a chave. Passei a apreciar como as verdades matemáticas são reais, embora não sejam físicas, e como elas influenciam o mundo, embora existam fora dele. Tudo isso me soava como percepções espirituais.

Foto acima: a Bíblia pessoal de Francis Su. Foto abaixo: a igreja de Su, em Pasadena, na Califórnia.

Foto acima: a Bíblia pessoal de Francis Su. Foto abaixo: a igreja de Su, em Pasadena, na Califórnia.

Minha alegria em aprender, porém, foi enredada pela tentação do sucesso. Esforçando-me incansavelmente para me destacar com excelência, comecei a estruturar minha identidade em torno de ser inteligente, em vez de aprender pelas próprias recompensas intrínsecas a isso. A busca do sucesso conduzia todos os meus esforços, desde tirar boas notas até vencer competições de matemática. Eu vivia desesperado para provar a alguém que merecia alguma coisa.

Entrei na faculdade em 1985, em meio às crescentes tensões da Guerra Fria e ao medo de uma guerra nuclear. Eu trabalhava em conjuntos de problemas de matemática e física com meu colega William, que tinha um conhecimento científico enciclopédico. Na parede de seu dormitório, havia um mapa assustador dos Estados Unidos, que ele havia colorido com base em sua própria pesquisa. A maioria das grandes cidades estava coberta por discos pretos envoltos por anéis concêntricos nas cores vermelha, laranja e amarela. Apenas umas poucas porções desabitadas do Oeste escapavam ilesas.

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“O que essas cores representam?”, perguntei a William, admirado. “O nível de destruição, no caso de uma guerra nuclear”, ele respondeu. O tom gentil de sua resposta contrastava com a violência de seu mapa. O pavor que senti pela hipótese de tal calamidade apenas aumentou a sensação de condenação pessoal com a qual eu já vinha lutando.

Meus pais haviam sido diagnosticados recentemente com doenças graves — meu pai, com câncer de cólon, e minha mãe, com ELA (esclerose lateral amiotrófica), ou doença de Lou Gehrig. Embora o prognóstico de meu pai fosse incerto, o de minha mãe estava selado — não se conhece cura para a ELA. Logo minha mãe estaria paralisada, com a mente funcionando claramente, mas presa em um corpo inerte.

Pela primeira vez na vida, fui forçado a enfrentar a futilidade da vida esmagada contra a feia realidade da morte. A previsão de William me obrigava a lidar com esse absurdo em grande escala. Em busca de segurança, perguntei-lhe: “Existe alguma esperança?”

“Não, a menos que você acredite em Deus”, disse ele, quase sussurrando. William era um sujeito manso, que provavelmente não pretendia iniciar uma conversa assim, mas estava respondendo à minha pergunta sincera da melhor maneira possível. Fiquei surpreso ao saber que ele era cristão e me perguntei como um intelectual como ele poderia racionalizar suas crenças religiosas. Ele foi o primeiro de vários cristãos que conheci na faculdade que eram inteligentes, mas pareciam viver segundo métricas de sucesso diferentes.

“A alma não se entrega ao desespero até que tenha esgotado todas as ilusões”, escreveu Victor Hugo, um dos meus autores favoritos, em Os miseráveis. Foi assim que o desespero tomou conta de mim. Comecei a enxergar a promessa vazia do sucesso. O mundo podia ser explodido por milhares de ogivas nucleares, ou minha família podia implodir de aflição e desgosto. Tirar boas notas não significava nada diante desses cenários. Trabalho e relacionamentos pareciam coisas sem sentido. Realização, sucesso, felicidade — para que servia tudo isso?

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Meu desespero atingiu seu auge perto do final do meu primeiro ano da faculdade. Uma noite em que eu estava especialmente deprimido, vaguei pelo campus por horas, um peso sufocante em meu espírito. Voltando ao dormitório, entrei no elevador com dois outros estudantes que começaram a conversar comigo sobre Jesus. Normalmente eu teria recuado, mas naquela noite fui receptivo.

Almoçamos dois dias depois e eu expus todas as perguntas que tinha sobre Deus. Eles me apresentaram a fé cristã não como um conjunto de crenças religiosas destinadas a impor uma moralidade, mas como um relacionamento com Jesus. Isso era novo para mim. Eles me mostraram que Jesus era um homem de dores, familiarizado com o sofrimento. Ele sofreu, o que significava que ele podia entender o sofrimento da minha família.

Pela primeira vez, compreendi a necessidade da graça. Nós nos esforçamos tanto para nos tornar justos, para ganhar nossa dignidade por meio da moralidade e da realização, mas nenhum desses esforços pode nos curar, pois não há nenhum justo, nem um sequer (Romanos 3.10). Como estudante universitário que queria ser todo certinho, tanto moral quanto intelectualmente, essa mensagem pode ter me surpreendido; mas ela teria repercutido em mim aos cinco anos de idade, quando me encolhi no carro de vergonha, tentando compreender a profundidade do meu pecado.

Todo o arcabouço cristão de repente fez sentido. Jesus oferecia alívio para minha dolorosa solidão e uma garantia de que havia mais coisas na vida do que eu conseguia enxergar do meu ponto de vista limitado. É claro que eu sabia que, se seguisse por esse caminho, não estaria desperdiçando minha mente — precisaria realmente ler a Bíblia e investigar suas afirmações. Mas dei um salto de fé e decidi entregar minha vida a Jesus.

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Mais tarde, naquela noite, contei isso a William. Encantado, ele revelou que havia orado por mim o ano todo.

Seguir Jesus mudou radicalmente o lugar onde eu encontrava sentido e esperança, muito embora os problemas que eu tinha na vida não tenham desaparecido de repente. O sofrimento continuou a atormentar minha família. E eu precisei de mais tempo para confrontar minha idolatria do desempenho como forma de medir minha autoestima, especialmente durante o meu curso de doutorado em matemática, na Universidade de Harvard. Mas abraçar essa jornada espiritual me colocou no caminho para entender por que algumas coisas na vida são tão deterioradas e outras, tão gloriosas.

Hoje vejo por que estudar a beleza é importante, mesmo quando não tem aplicação imediata. A beleza do raciocínio e a ordem que contemplamos nos padrões refletem algo divino e, portanto, são coisas que valem a pena ser estudadas por si mesmas, e não pela glória que pessoalmente possam nos trazer.

Hoje vejo porque o sofrimento tem sentido. “O coração do sábio está na casa onde há luto” (Eclesiastes 7.4), porque a aflição aguça nossos sentidos para que vejamos a vida com mais riqueza.

E hoje vejo por que os relacionamentos têm sentido. Quando lamento a forma como magoei meu pai, quando saboreio as amizades profundas, ou quando choro com os que sofrem, eu dignifico a imagem de Deus no outro. Perceber isso me inspirou a aprofundar meus relacionamentos e me tornou mais atento a servir os marginalizados, com os quais Jesus se identificou e a quem priorizou.

Em Deus, encontrei descanso para a minha busca de sentido sem sentido. O Jesus pendurado na cruz da catedral hoje fala comigo, no mais íntimo do meu ser, e me lembra que o amor de Deus, como fonte da minha dignidade, me basta.

Francis Su é autor de Mathematics for Human Flourishing, e é professor de matemática no Harvey Mudd College. Ele e sua família moram em Pasadena, Califórnia.

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