“Então, vamos direto ao assunto. Vocês dois foram um equívoco?” Meus filhos gêmeos olhavam sem entender para o professor do ensino médio, que estava brincando de forma bem-humorada. O professor estava explicando que ele também era um filho temporão, nascido anos depois de seus irmãos mais velhos. “Seus pais já vieram com aquela conversa sobre como surpresa é diferente de equívoco?”

Dezesseis anos atrás, nossos três filhos já estavam quase em idade escolar, e eu estava planejando voltar para a pós-graduação. Doamos o berço, a cadeirinha do carro e todos aqueles utensílios para bebê. Mas os planos são maleáveis nas mãos de Deus, e não demorou seis meses para que eu engravidasse novamente — e desta vez de gêmeos.

Não há “equívocos” na economia do reino de Deus. Ainda assim, precisei de algum tempo para me acostumar com a “surpresa”. Cinco filhos era um verdadeiro espetáculo, especialmente nos corredores do supermercado. No entanto, hoje, esses longos dias se transformaram em breves anos. Nossas duas “surpresas” cresceram e já têm pelos nas pernas, sobreviveram à fase dos aparelhos ortodônticos e participaram de seu primeiro baile de formatura do ensino médio. Dizer que meu coração fica pesado quando conto o tempo que me resta com eles é subestimar por completo minha tristeza.

Nos últimos 22 anos, a maternidade tem sido muitas coisas para mim. Tem sido um limite. Uma vulnerabilidade constante. Mas também uma dádiva. E gostaria de argumentar em favor de escolher a maternidade — sempre que ela for possível.

Uma pesquisa do Wall Street Journal-NORC, publicada no segundo trimestre de 2023, mostrou um declínio assustadoramente precipitado de certos valores americanos “tradicionais”. De acordo com a pesquisa, em um curto período de quatro anos, os americanos passaram a valorizar menos coisas como patriotismo, ter filhos, religião e envolvimento com a comunidade do que antes valorizavam. (O pesquisador profissional Patrick Ruffini observou que era provável que os números de 2019 tivessem sido inflados pelo “viés do desejo social”. As respostas dos entrevistados podem ter representado menos a realidade e mais a percepção que eles queriam passar).

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Mas aqui está o que de fato sabemos: a taxa de natalidade nos Estados Unidos está em declínio. Em geral se supõe que esse declínio representa nosso desejo cada vez menor de ter filhos, mas pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte e da Universidade Estadual de Ohio discordam disso. Os dados deles indicam que os americanos entre 20 e 24 anos querem ter tantos filhos quanto sempre se desejou ao longo da história. No entanto, parece que as pessoas de hoje estão adiando a tarefa de criar filhos — e, ao fazê-lo, a quantidade ideal de filhos diminui.

O adiamento da paternidade e da maternidade pode se dever a uma série de fatores diferentes. “Não há muito apoio para os pais nos EUA, e os jovens adultos enfrentam muitos desafios — dívidas de empréstimos para financiar os estudos, alto custo de moradia, insegurança no emprego — os quais podem levá-los a adiar, ou talvez até a desistir de ter filhos”, disse Karen Benjamin Guzzo, professora de sociologia da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill e diretora do Carolina Population Center.

As ansiedades em torno da paternidade e da maternidade nos dias de hoje são reais: incertezas econômicas, crise ecológica, medo da inadequação para uma tarefa tão importante. Não está claro se os evangélicos compartilham desses medos, mas, nos últimos anos, eles se juntaram à cultura mais ampla no sentido de terem menos filhos e de tê-los mais tarde.

Não acredito que uma vida feliz vire um caos de fraldas e papinhas [quando se tem filhos]. A participação no reino de Deus é plenamente desfrutada por casados e solteiros, por quem não tem filhos e por quem tem muitos filhos. Ainda assim, vale a pena dizer às jovens mulheres casadas (enquanto se envolvem com esse cálculo atual sobre aumentar a família): “Os filhos são herança do Senhor, uma recompensa que ele dá” (Salmos 127.3).

Segundo a educação evangélica conservadora que recebi, era um pressuposto cultural que eu me casaria e teria filhos. Embora esse não fosse o sentimento de meus pais, eu ouvia outras pessoas no contexto da nossa igreja falarem sobre casamento e maternidade como os mais altos chamados que uma mulher cristã poderia assumir (não importa o quanto isso eliminasse outras possibilidades de vida). Quando estava no segundo ano do ensino médio, fui custeada e enviada por outra família da igreja para assistir a um seminário de Bill Gothard. Entre outros princípios extrabíblicos que ele pregava, Gothard argumentava que não era aconselhável que mães trabalhassem fora.

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Essas visões mais fundamentalistas do papel da mulher nunca me convenceram. Ainda assim, como jovem mãe, sempre me impressionava o fato de que a tarefa de criar meus filhos exigia toda a devoção que eu pudesse reunir. Participei de um curso sobre criação de filhos na igreja, com duração de um ano, ministrado por uma mulher que admitiu, logo no primeiro dia, que seu marido a havia proibido de cursar medicina. Quando o assunto sobre trabalhar fora surgiu, no final daquele ano, ela propôs um método simples para discernir se nossa vida estava em equilíbrio: sabíamos quantos litros de leite tínhamos na geladeira?

Hoje posso dizer com segurança que essas mensagens sobre maternidade não foram nada úteis. Elas estavam erradas.

A maternidade nunca foi a única forma de medir a minha vida. Ainda assim, quero chamar de boa essa parte da minha vida, especialmente em uma cultura na qual os filhos são frequentemente vistos como ameaças à ambição profissional, como um peso financeiro, como imprudência ambiental. Quero dizer às mulheres de hoje: se for possível, arrisquem-se a ter filhos. Valerá a pena.

Confesso que, quando meus filhos eram mais novos, eu lutava para enxergar além das restrições que as crianças impunham à minha vida. Como escritora, eu era repetidamente lembrada sobre as autoras bem-sucedidas que limitaram sua exposição à interrupção da carreira limitando o número de filhos que tiveram, se é que tiveram algum.

Mas confesso que, se eu pudesse fazer tudo de novo, teria valorizado mais aqueles dias barulhentos. Teria percebido que foram meus filhos que me possibilitaram escrever. Foram eles que me iniciaram no mundo concreto do maravilhamento, que me ajudaram a prestar mais atenção a um mundo “que brilha como papel alumínio”. Como mãe, abri mão de um tipo de vida, mas ganhei outro em seu lugar.

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Recentemente, quando estava estudando Salmos 1, lembrei-me do quão pouco cultivei, dos meus vinte aos trinta anos, uma versão contracultural do que é uma vida feliz. O salmo retrata a vida humana próspera como uma árvore saudável: “Tudo o que ele faz prospera”. Segundo um comentário da Bíblia de Estudo Judaica, “viver até uma idade avançada e ter muitos filhos é a ideia bíblica de uma vida bem-sucedida”.

Talvez precisemos chegar a uma idade avançada para apreciar plenamente essa sabedoria ancestral.

Tenho escrito cada vez menos sobre maternidade ao longo dos anos. Quando meus filhos eram bem mais novos, parecia que a maternidade era algo que estava acontecendo somente comigo e com meu corpo. Hoje, vejo que estamos juntos nisso, que, junto com meu marido, ajudei a construir a história que eles hoje habitam.

Não tenho sido a mãe que orei e planejei ser. Acho que nenhuma mãe é. Como todo mundo, volto sempre à graça que está disponível para mim em Jesus Cristo: àquele que escreve histórias de redenção com todos os nossos rascunhos de vida.

“Graça”, como escreve James K. A. Smith em How to Inhabit Time (Como habitar o tempo), “é superar. Não é desfazer. Não é apagar. Não é arrependimento, mas superação”. Smith nos lembra que a obra eterna de Deus é feita no tempo e na história.

Meus erros como mãe não poderiam ter sido evitados — porque a sabedoria não é algo que se possa obter de uma vez só. Com certeza, parte da sabedoria que me faltou no início foi apreço, tanto pela formação que eu receberia como mãe quanto pelos filhos que eu criaria e amaria.

“Há algo de escandaloso”, continua Smith, “na maneira como Deus assume as contingências em nossas vidas — todas elas, até mesmo o desgosto e a tristeza, o mal e a injustiça — e as transforma nessa vida singular que é minha, que sou eu. A graça transforma surpresas em felizes acasos, e equívocos em dádivas. Ela faz de mim quem eu sou, e faz dos meus filhos quem eles são.

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Sou mais do que mãe, mas nunca menos do que isso.

Jen Pollock Michel é apresentadora de podcast, palestrante e autora de cinco livros, entre eles In Good Time: 8 Habits for Reimagining Productivity, Resisting Hurry, and Practicing Peace [Em bom tempo: 8 hábitos para permanecer produtivo, resistir à pressa e praticar a paz] (Baker Books, 2022).

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