Poucos viam um terceiro título da Copa Africana de Nações como algo que estivesse ao alcance da seleção masculina da Costa do Marfim, quando ela demitiu seu técnico bem no início do maior torneio de futebol do continente. Ou quando esta seleção não conseguiu contratar o técnico que tanto desejava para substituí-lo. Ou quando foi a última equipe a passar da fase de grupos da AFCON [abreviação para Copa Africana de Nações].

Mas, em algum ponto ao longo do caminho, à medida que a equipe superava esses contratempos e vencia os jogos eliminatórios de forma dramática, os torcedores do Elephants — tanto cristãos quanto muçulmanos — começaram a ver suas orações como a razão do sucesso do time.

“Durante os jogos do torneio, muitos torcedores usam o intervalo para encontrar algum canto ou espaço silencioso na parte de trás das arquibancadas, estendem seus tapetes de oração no chão e oram”, observou a The Associated Press. “Os torcedores se ajoelham e inclinam a cabeça na mesma direção.”

No domingo, a Costa do Marfim venceu a Nigéria em casa, por 2 a 1, e conquistou o título de campeã, encerrando um torneio emocionante que incluiu reviravoltas, prorrogação, pênaltis, suspensão de vários jogadores importantes e a vitória em uma partida em que a Costa do Marfim ficou sem um jogador por mais da metade do jogo. Talvez essas orações tenham mesmo funcionado?

A CT perguntou a líderes africanos de países como África do Sul, Gana, Serra Leoa, Togo, Nigéria e Quênia sobre o papel que Deus desempenha nas vitórias — e nas derrotas. Deus recompensa atletas e torcedores fiéis com vitórias? Deus afeta o desempenho dos times que têm torcedores fanáticos que amam a Jesus? E quanto aos times que têm muitos atletas cristãos, será que Deus os abençoa com vitórias?

As respostas foram editadas por motivos de extensão e clareza, e estão organizadas do sim para o não.

Magloire Pilabana, capelão, Atletas em Ação, Togo

O time da Costa do Marfim venceu a Copa Africana de uma maneira incrível. Eles marcaram gols no último minuto em várias partidas. Demitiram o técnico após a primeira rodada e depois promoveram um ex-jogador [a técnico]. Alguns começaram a dizer que a equipe tem um gris-gris [objeto africano que é tido como amuleto da sorte].

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Outros dizem que esse sucesso se deve à oração dos cristãos. Alguns jogadores disseram que [a vitória] vem de Deus. Mas de qual Deus? Quantos jogadores da seleção da Costa do Marfim são cristãos evangélicos? Quantos jogadores da Costa do Marfim pagam feiticeiros? Quantos pastores mobilizaram cristãos para orar por seu time?

Pessoalmente, acredito que as vitórias e os atributos da seleção da Costa do Marfim excederam aquilo que um feiticeiro é capaz de fazer. Acho que é por isso que todos dizem que foi o agir de Deus.

Em minha experiência com atletas e times, quando os atletas acreditam em Cristo, eles têm um bom desempenho. Se a equipe tiver muitos crentes, como os jogadores trabalham melhor juntos, isso ajuda a promover a unidade e um comportamento sacrificial.

Paul Nyama, diretor nacional da Operation Mobilisation, de Serra Leoa, com sede em Gana:

Sim, Deus recompensa atletas e torcedores fiéis. Em 1Coríntios 15.58, o apóstolo Paulo diz: “Nada do que vocês fazem pelo Senhor é inútil” (NLT). Quero enfatizar a palavra “nada”. Ela inclui os esportes. Portanto, quando a arena esportiva é o seu campo evangelístico, você está deixando Deus feliz.

Além disso, sim, Deus ouve o clamor de seus filhos, seja pela cura de uma doença ou pela vitória de um time. Deus é um pai atencioso; simplesmente ele é legal assim.

Por fim, os jogadores cristãos recebem tanto vitórias quanto fracassos, e acredito que há lições a serem aprendidas nos dois casos. Deus faz com que todas as coisas cooperem para o nosso bem. Jogadores arrogantes são humilhados por derrotas. Isso é doloroso, mas verdadeiro.

Abigail Mensah, diretora do Beautiful Feet, um ministério com esportes em Gana:

Sim, acredito que Deus pode abençoar atletas e torcedores com vitórias ou triunfos.

Antes de explicar minha posição, vamos concordar com o fato de que Deus recompensa o trabalho árduo e a diligência. Esses atributos devem, na verdade, ser característicos de um seguidor fiel de Cristo. Temos muitos exemplos de servos de Deus fiéis e diligentes para os quais Deus concedeu vitórias espetaculares.

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Falemos sobre o fiel Daniel, que, segundo as Escrituras, não foi negligente. Ou sobre José, a quem foi dada uma promessa de vitória, embora ele trabalhasse na casa de seu senhor de escravos com tamanha diligência que foi colocado no comando.

Dito isso, Deus declara em sua Palavra que recompensa aqueles que se deleitam nele (Salmos 37.4). Em Salmos 1.1-3, a Bíblia descreve a vida de um seguidor fiel: ele dá frutos na estação certa e prospera em tudo o que faz. Jesus disse que nosso Pai celestial sabe como dar boas dádivas a seus filhos (Mateus 7.7-11).

Cassie Carstens, capelã da equipe sul-africana vencedora da Copa do Mundo de Rugby de 1995 e co-fundadora da Escola Internacional de Liderança Esportiva:

Os cristãos vivem pela graça, não por recompensas. Pode ser que Deus intervenha, ele tem poder para isso e de fato intervém às vezes, não como recompensa, mas com a intenção de promover seu reino. Quanto mais abertos os jogadores ou os torcedores estiverem para aproveitar o momento (em que ganham ou perdem) para glorificar a Deus sem se vangloriar, quanto mais criatividade e energia do Reino eles aplicarem, mais disposto Deus estará para intervir. Os cristãos vivem de acordo com este princípio: quer comamos ou bebamos ou façamos qualquer outra coisa (esporte, trabalho etc.), façamos tudo para a glória de Deus! (1Coríntios 10.31).

Osam Temple, professor visitante da Nigéria que no momento atua na Daystar University, no Quênia:

Ah, esses nigerianos fervorosos. Em meio a questões como a queda da taxa de câmbio do naira (moeda nigeriana), o aumento dos índices de inflação e a crescente insegurança, alguns esperavam ansiosamente pela eventual vitória de seu amado time, o Super Eagles [Super Águias], como uma possível maneira de Deus consolar os nigerianos e dar-lhes esperança nesta temporada. Contudo, a Nigéria perdeu para a Costa do Marfim no domingo.

É hilário que alguns jovens nigerianos tenham orado fervorosamente para que Deus cegasse os olhos do goleiro sul-africano, durante a disputa de pênaltis na semifinal. Um pastor postou conteúdos regularmente durante a AFCON, entre os quais está um vídeo em que ele declarou enfaticamente que Deus havia lhe dito que a Nigéria venceria a Copa Africana.

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Então, será que Deus deu a taça para a Costa do Marfim? Será que Deus decidiu o resultado da partida, na final da AFCON? Ele foi influenciado pelas orações dos cristãos da Costa do Marfim e ignorou as orações de seus filhos nigerianos?

Talvez devêssemos tirar Deus totalmente dessa conversa.Mas será que podemos fazer isso e continuar sendo cristãos? Existe alguma coisa na Terra que esteja fora do conhecimento de Deus? O futebol é menos importante para Deus do que a economia, a política ou a religião?

Deus está presente em todas as esferas da vida e intervém nos assuntos deste mundo.Também acredito que ele recompensa o trabalho árduo e responde às orações. Talvez não saibamos exatamente por que a Costa do Marfim levantou a taça. Habilidades, talentos, disposição de espírito e estratégias tiveram um papel importante, mas também há muitas coisas invisíveis em jogo que alguns podem chamar de sorte, acaso ou providência divina. Deus favoreceu a Costa do Marfim por motivos que talvez nunca venhamos a conhecer. Só podemos ver em parte e conhecer em parte!

Blessing Mpofu, editor-chefe da ChurchMag, África do Sul:

O futebol (de verdade, não o futebol americano) é um exemplo perfeito de como, para os africanos, tudo é espiritual. Nada está fora do alcance de Deus; se for importante para nós, vale a pena chamar a atenção de Deus. Buscaremos a intervenção divina para qualquer coisa que seja importante para nós. O reino espiritual é tão real quanto as bandeiras e outros apetrechos que temos em nossas mãos enquanto assistimos aos jogos.

Se nosso time não vencer, não é culpa de Deus. Há um motivo pelo qual ele pode não ter permitido a vitória. Pode ser por nossa causa — por algo que deixamos passar. Deve haver um grande propósito, que não conhecemos agora, mas que esperamos conhecer no futuro.

Não é provável que o outro time tenha orado melhor. Seja lá o que for que aconteceu, ainda temos que descobrir. Nossa fé em Deus nunca é abalada, e vamos orar com fervor igual ou até maior no próximo jogo.

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Contudo, Deus nunca é o culpado. Quando as coisas acontecem do jeito que queremos, foi Deus, e quando não acontecem, consideramos que não é a vontade de Deus para aquele momento.

Moss Ntlha, secretário-geral da Aliança Evangélica da África do Sul:

Jesus gosta de assistir a jogos justos, sem jogadores que usam drogas para melhorar o desempenho. Não vejo por que ele gostaria de transformar perdedores em vencedores, a menos que o outro lado estivesse usando métodos desonestos para vencer.

Além disso, do ponto de vista da formação do caráter e do desenvolvimento pessoal, muitas vezes aprendemos mais com as derrotas do que com as vitórias.

Joan Mwangi, do Quênia, voluntária da INcontext International:

Assisti aos jogos da República Democrática do Congo (RDC) e orei para que eles ganhassem. Eu acreditava que a vitória da RDC seria um incentivo para todo o país, que está enfrentando conflitos e assassinatos no leste do Congo. Mas sou limitada em meus pensamentos e desejos, e Deus é soberano em todos os seus atos.

No passado, eu teria concluído que Deus recompensa atletas e torcedores fiéis com vitórias, mas à medida que cresço em minha caminhada com Deus, entendo que ele recompensa atletas e torcedores com a sua fidelidade, e seu objetivo é aproximá-los de si mesmo.

Estatisticamente falando, o time da Nigéria tem mais jogadores cristãos e muitos que professaram corajosamente sua fé em Deus em suas mídias sociais. Nós os vimos se reunirem para orar antes do jogo e até mesmo no final do primeiro tempo, mas eles perderam para a Costa do Marfim.

Ao mesmo tempo, a Costa do Marfim tem um jogador, Jean-Michael Seri, que foi eleito o melhor jogador da partida contra o Senegal nas oitavas de final. Ele é crente, professou corajosamente sua fé e atribuiu a vitória de seu time a Deus.

O maior desafio que tenho visto é que não temos pessoas que ajudem torcedores e atletas a processar o resultado da competição, qualquer que seja ele. Isso torna bastante difícil para muitos reconhecer a bondade de Deus nas vitórias e nas derrotas, a menos que a pessoa esteja profundamente enraizada em Cristo e tenha aprendido que, aconteça o que acontecer, Cristo é glorificado e isso deve nos aproximar dele.

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Ray Mensah, diretor-executivo da OneWay Africa, Gana:

Na semana passada, a Igreja Metodista de Gana me convidou para falar a seus líderes de jovens sobre o uso do esporte como ferramenta de evangelismo e discipulado.

Eles planejam iniciar em breve uma liga de futebol nos distritos de Gana. Eu lhes perguntei: “O que aconteceria se o foco da liga fosse apenas a vitória?” Eles disseram que haveria muitas brigas, suborno, trapaça e até ocultismo só para ganhar.

Em seguida, fiz uma segunda pergunta: “O que Deus faria quando dois times, ambos da Igreja Metodista, estivessem jogando e ambos, como bons cristãos, orassem a Deus pedindo uma vitória? A oração de qual time Deus deveria responder, já que todos são seus filhos?”

Portanto, eu não oro para que times vençam. Se eu orar para que um time vença e ele vencer, e se eu orar novamente e ele vencer pela segunda vez, eu me tornarei como um feiticeiro para eles, pois sempre vão querer que eu ore por eles, antes de jogar uma partida.

Quando oro pelas equipes, oro para que elas façam o seu melhor e tragam glória a Deus, independentemente do resultado. Oro para que estejam seguras, sejam resilientes e tenham uma boa atitude durante todo o jogo.

Desmond Henry, diretor internacional da Rede Global de Evangelistas da Associação Luis Palau, Joanesburgo, África do Sul:

A ideia de que Deus distribui vitórias para os mais fiéis, estabelecendo uma espécie de tabela de classificação celestial, é uma narrativa tentadora, mas carece de fundamentação teológica. As Escrituras nos lembram de que, embora o talento e a oportunidade sejam bênçãos divinas, a humildade é a virtude que Deus valoriza acima de tudo (Tiago 4.6). Olhar para o esporte por essa lente ajuda a nos proteger contra a arrogância espiritual, que pode facilmente nos enredar, especialmente quando crentes competem em campo. A vitória no esporte não deve ser vista como algo que mede a fidelidade de alguém ou o favor divino.

Embora as orações fervorosas dos torcedores e a fé dos atletas sejam aspectos importantes de sua vida espiritual, é essencial reconhecer que o resultado de um jogo não é um reflexo direto da vontade divina em termos de vitória ou derrota. A história nos mostra que atletas e times fiéis já experimentam as duas coisas, independentemente de suas orações ou de sua devoção. É possível que Deus trabalhe por meio desses eventos com propósitos que vão além do resultado imediato, ensinando lições que repercutem muito mais profundamente do que a mera emoção da vitória.

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Os triunfos podem unir uma nação e potencialmente aproximar seu povo de Deus, como um amigo me disse recentemente. Em contrapartida, ele também observou que a graça que o time de uma escola, que seja enraizado na fé, demonstra quando derrotado pode ensinar lições inestimáveis de resiliência e de espírito esportivo, as quais talvez glorifiquem a Deus ainda mais do que a própria vitória.

Como seguidores de Cristo, nosso envolvimento com os esportes, seja como atletas ou como torcedores, deve ser estruturado por um entendimento que transcende vitórias e derrotas. Somos chamados a apreciar valores mais profundos, como união, benignidade e humildade — atributos que podem, de fato, glorificar a Deus de maneira intensa. Vamos torcer, vamos jogar e vamos viver a nossa fé na arena esportiva com essa perspectiva equilibrada, lembrando que em todos os altos e baixos, nosso objetivo final é refletir o caráter e o amor de Cristo.

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