Em algumas das palavras mais aterrorizantes das Escrituras, Cristo diz a seus discípulos: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mateus 16.24, ESV). Nesse ponto da história da Paixão, os discípulos ainda não sabiam o poder que tinham as palavras de Cristo. Eles certamente entendiam o que era uma cruz, e sabiam alguma coisa sobre os horrores da crucificação, mas ainda não sabiam que o próprio Cristo morreria nesse instrumento de tortura romana — nem sabiam as várias formas de sofrimento que cada um deles enfrentaria.

No cerne do cristianismo está o mandamento para negarmos a nós mesmos. Em uma cultura que gira em torno da autoafirmação, naturalmente fica cada vez mais difícil comunicar esse aspecto de forma eficaz. A ideia de negarmos a nós mesmos como um ato de espiritualidade é hoje algo vai contra o senso comum. Em seu livro, A Secular Age [Uma era secular], Charles Taylor fala do desafio da autonegação na era moderna: “Para muitas pessoas, hoje em dia, deixar de lado seu próprio caminho para se adequar a alguma autoridade externa simplesmente não parece compreensível como forma de vida espiritual”.

A autonegação não só é difícil; ela parece algo incompreensível em nossa época, um tempo em que a autorrealização é a pedra angular de uma vida boa. No entanto, nossa fé não nos pede que negligenciemos a autorrealização — ela apenas redefine os termos. De acordo com a história bíblica, fomos criados, na verdade, para negarmos a nós mesmos e, ao fazê-lo, realizamos nosso verdadeiro eu.

O mundo define realização como algo que flui do coração autêntico do indivíduo, como algo que não é restringido por nenhuma fonte externa. O cristianismo ensina que nosso coração é perverso e não é confiável — que desejamos coisas que não são apenas ruins, mas que fazem mal para nós.

Jesus ensina o paradoxo de que autonegação é autoafirmação (Mateus 16.25). A questão é apenas que os termos “auto” e “afirmação” são definidos por Deus, e não por nossos caprichos humanos falíveis. Quem nós somos (filhos de Deus) e o que significa para nós sermos pessoas realizadas (estarmos unidos com Cristo) não são coisas que dependam de nós. Estar com Cristo é estar livre de nossos desejos egoístas.

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Portanto, devemos nos perguntar: o que significa negarmos a nós mesmos? Significa virarmos as costas para o pecado. Todo pecado consiste no ato de escolhermos nosso próprio caminho, contrariando a vontade de Deus para nós. É uma afirmação perversa do eu, que coloca nossos desejos à frente dos desejos do próximo e até mesmo de Deus.

A obediência é uma cruz que carregamos; é uma forma de sofrimento, embora seja um sofrimento que traz cura, paz e restauração. Gostamos de imaginar que a obediência a Deus é algo indolor, exceto, talvez, no caso de perseguição. Mas, mesmo quando o mundo não está nos punindo por nossa fé, o simples ato de escolhermos não pecar envolve sofrimento. No caso de pecados persistentes e profundamente arraigados, o arrependimento exige romper com maus hábitos, quebrar rituais familiares, abrir mão da desobediência. E isso tudo pode ser doloroso.

Por exemplo (algo que não reconhecemos o suficiente), escolher ser fiel no casamento exige que neguemos a nós mesmos o prazer da intimidade com outras pessoas. Para algumas pessoas, isso é fácil, mas pode ser uma negação profunda para outras. Afinal de contas, o mundo está repleto de pessoas bonitas, interessantes e adoráveis. Dizer “sim” [para o casamento] é dizer “não” [para algumas coisas]. Em nome dessa realização, eu nego a mim mesmo a opção de estar com outra pessoa.

Neste período da Quaresma, lembramos que essa forma de autonegação é um modelo para a vida cristã. Enquanto o mundo nos faz lembrar quão deliciosos são os seus prazeres — o quanto nós os “merecemos” e por que honrar nossos desejos é amar a nós mesmos —, nós, em vez disso, nos comprometemos com Cristo. Avareza, orgulho, inveja, luxúria, glutonaria — todos eles são pecados que somos mais do que capazes de abraçar como verdadeiros prazeres, mas que seguir a Cristo exige que neguemos. São prazeres que nos prejudicam, mas que, inicialmente, são agradáveis, assim como o pão que se come escondido (Provérbios 9.17).

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O caminho cristão não é para os fracos de coração. Ele exige uma grande dose de coragem, humildade e autossacrifício. Mas temos um Salvador fiel, que é o modelo desse sacrifício para nós, que conhece o custo da negação e a beleza da fidelidade. E a fidelidade é bela. O mesmo Cristo que sofreu na cruz foi glorificado em seu corpo. E, da mesma forma, quando negamos a nós mesmos, somos glorificados para Deus. Recebemos uma paz que vem somente de negarmos nossos desejos pecaminosos e de nos deleitarmos em Deus.

O Dr. Alan é professor associado de inglês na Universidade Batista de Oklahoma, consultor da organização Christ and Pop Culture e autor de três livros.

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