Em uma noite úmida e quente, no verão passado, sentei-me na varanda dos fundos, no escuro, e fiquei olhando para um vaso com um cacto todo desengonçado. Esse Epiphyllum oxypetalum, popularmente conhecido como “Rainha da Noite”, foi um presente de um amigo jardineiro já idoso. Ele me garantiu que a planta daria flores noturnas espetaculares, ainda que durassem pouco. “E é muito fácil cuidar dessa planta”, garantiu ele. “Certa vez, meu cacto deu de sete a oito flores.”

E, no entanto, cinco anos depois, eu só tinha visto brotar uma única flor sem viço, que pendia entre os caules recortados como um balão vazio. Não foi por falta de tentativas. Eu regava o cacto regularmente, mas não com excessiva frequência. Ajustei a posição do vaso para que recebesse luz solar indireta. Adubei a terra e fiz a poda. Eu trouxe o vaso para dentro de casa logo antes que as temperaturas externas caíssem. Suas hastes cresceram rapidamente em todas as direções. Mas os botões de flor prometidos para o final do verão nunca apareceram.

Então, na última primavera, enquanto minha família se debatia entre sucessivas ondas de perdas traumáticas, coloquei a planta no canto da varanda da frente e me dediquei a cuidar de outras necessidades mais urgentes. E foi assim que, naquela noite de final de verão, para minha total surpresa, encontrei dois botões repolhudos, envoltos em sépalas rosadas e retorcidas, prontos para florescer.

A conhecida instrução de Salmos 46.10, “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus”, é um refrão bem popular. Aparece em adesivos colados nos para-choques dos carros, em placas escritas à mão e em conteúdo compartilhado nas mídias sociais. Nós invocamos esse versículo como um incentivo para diminuir nosso ritmo frenético e confiar em Deus para cuidar de nós. Mas a tradução da versão CSB oferece uma visão um pouco diferente: “Parem de lutar e saibam que eu sou Deus”.

O Salmo 46 começa descrevendo um contexto de agitação cataclísmica. Ao declarar que Deus é nosso refúgio, nossa fortaleza e nosso auxílio, o salmista se apega a essa verdade “embora a terra trema e os montes afundem no coração do mar, embora estrondem as suas águas turbulentas e os montes sejam sacudidos pela sua fúria” (v. 2-3). O texto apresenta imagens de destruição e de conflitos violentos que abalam o mundo, tanto de desastres naturais quanto de caos político.

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Na terceira e última seção do salmo, o salmista descreve a intervenção de Deus por meio de imagens de guerra: “Ele dá fim às guerras até os confins da terra; quebra o arco e despedaça a lança; destrói os escudos com fogo” (v. 9). Levando em conta todo o salmo, parece que o versículo 10 não está nos dizendo para simplesmente fazer uma pausa na agitação da vida. Em vez disso, é uma ordem, que contraria o nosso instinto, para pararmos de lutar desesperadamente por nossa própria segurança e sobrevivência

No ano passado, o mundo da minha família parecia, de fato, estar afundando nas profundezas do mar. Tudo em nossas vidas foi abalado pela morte repentina de dois jovens amigos e pelas consequências desses traumas. Todos os dias eu lutava desesperadamente para encontrar segurança e proteger meus filhos da escuridão que ameaçava puxá-los para baixo. Eu tremia e me enfurecia, e sentia a profunda necessidade de um refúgio.

Com tanta coisa em jogo, como eu poderia seguir a ordem do salmista e parar de lutar? E, no entanto, Salmos 46.10 insiste que o meio de uma batalha é justamente o momento de se parar de lutar. A ordem é acompanhada de um chamado à contemplação: “sabei que eu sou Deus”.

Deus não promete manter tragédias e turbulências longe de nós — nem precisaríamos de uma fortaleza, se fosse esse o caso. Em vez disso, ele promete ser a torre forte que nos mantém seguros em meio a batalhas ardentes e a águas revoltas. Seguros nesse conhecimento, não precisamos mais desferir socos no ar, nem arranhar, nem lutar por conta própria.

A Quaresma não nega a realidade que nos aperta o coração, que nos exaure até os ossos e nos dá um aperto no peito. O que ela nos pede é que paremos de lutar — não porque estamos desistindo, mas porque estamos escolhendo dar testemunho da promessa de Deus a seus filhos.

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Naquela noite abafada de verão, sentei-me em silêncio e fiquei observando as sépalas rosadas do meu cacto se arquearem para cima e para trás, depois se estenderem como raios de sol ao redor das pétalas macias que desabrochavam. No escuro da noite, as flores pálidas brilhavam como estrelas, guiando-me de volta ao Deus que diz: “Parem de lutar”.

A Dra. Elissa é autora e professora associada de Arte e História da Arte no Covenant College, em Lookout Mountain, na Geórgia.

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