O escândalo da mente evangélica é rosa.

Ou, sendo menos dramática, há outro escândalo da mente evangélica que ainda não recebeu a atenção que requer ― além daquele amplamente reconhecido, que foi introduzido pelo livro histórico de Mark Noll e que tem sido, com toda justiça, tema de conversas durante os 30 anos desde então. Eu me refiro ao escândalo da vida intelectual das mulheres cristãs, algo que está apenas se tornando mais intenso, mesmo quando colocado ao lado de marcos históricos como a eleição da primeira mulher para o cargo de presidente da Sociedade Teológica Evangélica dos EUA (em inglês, ETS).

Afinal de contas, falar sobre as mulheres na ETS, embora seja algo importante, é assunto que diz respeito a muito poucas mulheres — ou seja, diz respeito àquelas que estão no meio acadêmico e que, portanto, participam deste tipo de contexto. Mas e quanto à grande maioria das mulheres cristãs, aquelas cuja vocação principal situa-se fora dessa torre de marfim?

Seria fácil transformar nossa conversa em um lamento pelas portas fechadas para acadêmicas talentosas, que teriam sido excelentes acadêmicas, se esse caminho estivesse aberto para elas. Podemos considerar Dorothy Sayers um exemplo particularmente famoso. Ela resolveu seu próprio escândalo da mente evangélica com uma brilhante carreira intelectual fora da academia. Ela também se viu em uma situação lamentável, na qual se sentiu forçada a escolher a carreira, em vez da maternidade.

Ainda assim, a história dela nos lembra que, em qualquer momento que seja da história mundial, apenas a mais minúscula fração de mulheres cristãs pôde ser acadêmica. As mulheres comuns tiveram que descobrir uma maneira diferente de amar a Deus com toda a sua mente.

Até hoje, há algo que não vi ser suficientemente reconhecido como uma importante realidade: as mulheres, casadas ou não, mães ou não, enfrentam um escândalo intelectual diferente daquele dos homens. Sim, Deus ordena que todos nós o amemos de todo o nosso entendimento, bem como de todo o nosso coração, de toda a nossa alma e de toda a nossa força (Lucas 10.27). Mas isto pode significar para as mulheres algo diferente do que significa para os homens.

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As razões para essa diferença são particularmente óbvias e visíveis no caso das mães, que podem passar aproximadamente 1.800 horas amamentando um bebê, em seu primeiro ano de vida — uma programação que tem impactos enormes sobre as atividades intelectuais das mulheres, assim como sobre outras atividades também. Mas as mães que amamentam não são as únicas mulheres cuja vida intelectual cristã será quase que certamente diferente da dos homens, mesmo que em circunstâncias semelhantes. No entanto, as discussões sobre o “escândalo da mente evangélica” têm sido voltadas decididamente para o universo masculino, tal como as soluções sugeridas.

O trabalho intelectual tem tradicionalmente dependido de um amplo pessoal de apoio, que historicamente tem sido bastante influenciado pelo gênero. Quem sempre fez o trabalho intelectual foram os homens, enquanto quem sempre prestou o apoio necessário — com o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos, mas também secretariando e dando assistência à pesquisa — foram as mulheres. O teólogo Karl Barth, que tinha esposa e uma secretária que morava na mesma casa (e que, provavelmente, foi sua amante), é um exemplo extremo deste fenômeno em ação. Ele é, no entanto, um lembrete dos custos para o ser humano de uma produção intelectual impressionante.

Isto levanta a seguinte questão: Como podem as mulheres evangélicas de hoje, isto é, aquelas que não são acadêmicas pertencentes à ETS, perseguir uma vida intelectual frutífera e satisfatória que nos leve a conhecer Deus mais profundamente? Tenho três breves recomendações a fazer, cada uma delas voltada para um público-alvo diferente e que se movem em uma ordem de círculos concêntricos, que vão do nível pessoal para a igreja local e, então, para a cultura evangélica em geral.

Primeiro, para mulheres como eu, que anseiam por uma comunidade intelectual, mas não fazem parte da academia tradicional, talvez o conselho mais importante que eu possa dar seja este: Encontre uma rede de mulheres cristãs com ideias semelhantes, cujo cultivo da vida intelectual terá semelhanças com as suas práticas pessoais.

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Há uma boa razão por que os Inklings, aquele famoso grupo de escritores que incluía C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien, continuam a fascinar tantos de nós: esse grupo permitiu que gigantes da literatura influenciassem a escrita uns dos outros, lessem obras em andamento uns para os outros e, em geral, torcessem uns pelos outros. (Bem, esta última parte foi verdade na maior parte do tempo pelo menos — exceto quando Tolkien odiou os livros de Nárnia de Lewis.)

Claro, os Inklings eram um grupo de acadêmicos do sexo masculino que se reuniam em um pub local. (Sayers, notoriamente, não foi incluída no grupo, embora ela fosse contemporânea deles, além de escritora e amiga de Lewis.) Mas o sucesso dos membros desse grupo mostra até que ponto aqueles de nós que perseguem empreendimentos intelectuais criativos precisam de uma comunidade para florescer. Para a maioria das mulheres, especialmente para as mães, essa comunidade provavelmente não se parecerá com as reuniões promovidas pelos Inklings. Não consigo sequer marcar um encontro em uma cafeteria com ninguém por mais de 20 minutos. (Já escrever no Burger King, no entanto, é uma história diferente ― que eu altamente recomendo.)

No meu caso, não encontrei essa rede intelectual de forma local, mas ela me encontrou de forma orgânica, tanto quanto eu a encontrei, através do que, na época, chamava-se Twitter. Foi lá que me conectei com várias outras mães cristãs, que são adeptas da educação em casa, e que também são leitoras e escritoras nas horas vagas de seus dias.

Esta comunidade informal nos permitiu celebrar cada conquista com pleno conhecimento do quanto custa concluir um ensaio ou um livro tendo pouca ou nenhuma ajuda no cuidado com os filhos. Acabamos por descobrir que há algo particularmente encorajador em saber que você não está sozinha em suas metas intelectuais.

Se você for poeta ou escritora, encontre outras mulheres cristãs que escrevam sobre temas semelhantes. Se for uma artista, encontre outras artistas cristãs. Se for uma musicista, encontre outras mulheres cristãs que também sejam. Podemos lamentar a natureza desconectada das nossas vidas nesta era digital, mas uma fruta, mesmo em conserva, é melhor do que nada.

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No entanto, as mulheres não devem ser as únicas responsáveis pelo cultivo dessas redes e estruturas necessárias para se perseguir uma vida intelectual teologicamente robusta. Por isso, meu segundo conselho aqui é uma exortação dirigida aos pastores: incentivem o florescimento da vida intelectual das mulheres em sua igreja.

Isso pode significar garantir que haja estudos bíblicos ou estudos de outros livros para mulheres, durante horários regulares de aula. Agende esses horários tendo em mente seu público-alvo específico: existe um horário em que as mães que fazem educação em casa possam comparecer? E as mulheres que trabalham das nove às cinco da tarde — ou que têm horas de trabalho menos previsíveis ou que trabalham na área médica? E as mães solteiras? Priorize oferecer alguém para tomar conta das crianças.

Estas aulas também podem ser menos focadas no estudo e abertas para mulheres de fora da igreja. Em seu livro de memórias, All My Knotted-Up Life, a famosa professora de estudos bíblicos, Beth Moore, descreve como usou suas aulas de aeróbica na igreja como um ministério, no início dos anos 1980. Podemos nos alegrar com o fato de a moda das aulas de aeróbica estar seguramente morta e enterrada, com toda a sua ignomínia em lycra, mas não devemos ignorar este ponto importante: Moore, em última análise, via todas as aulas que ela ministrava como uma forma de ensinar sobre Jesus, promovendo a vida intelectual das mulheres lado a lado com a saúde do corpo.

Uma advertência deve ser observada: existe o perigo de tais reuniões se tornarem principalmente encontros sociais. Há uns 6 anos, quando meu segundo filho era ainda bebê, eu quis me juntar a um grupo local de Mães de crianças em idade pré-escolar (em inglês, MOPS). Desisti, ao saber que uma parte significativa do tempo de cada reunião seria dedicada a artesanato. Odeio artesanato com todas as fibras do meu ser sem talento, e fiquei desapontada porque esse tempo reservado a cada semana, que poderia ter sido dedicado a algo intelectual, estava sendo gasto em algo que decididamente nada a tinha a ver com o intelecto.

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Em retrospecto, eu deveria ter tido uma atitude melhor, pois, evidentemente, a socialização tem seu lugar. Ainda assim, ouvi muitas queixas de outras mulheres ao longo dos anos sobre a dieta intelectualmente anêmica que frequentemente é oferecida em grupos de mulheres — até mesmo em estudos bíblicos para mulheres. Suspeito que as mulheres cristãs desejam participar de estudos e de discussões muito mais rigorosos intelectualmente do que sugerem os estereótipos presentes nas igrejas.

Esta observação se conecta ao meu terceiro e último ponto, que é uma exortação em prol de uma mudança de cultura mais séria: os evangélicos, assim como o restante dos americanos nos dias de hoje, devem reconhecer que a maternidade em si é uma atividade intelectualmente rigorosa que se beneficia — e que, na verdade, requer — uma vida intelectual robusta.

Talvez a cultura evangélica esteja sofrendo com o peso residual do conselho dado pelo desonrado ministro Bill Gothard de que faculdade para as mulheres é um desperdício; ou, talvez, assim como os americanos em geral, estejamos sob a influência da atual profissionalização de todos os aspectos da vida, aqui incluindo a educação de filhos. Seja qual for a causa, parece que hoje em dia muitos americanos consideram que atividades tradicionais das mulheres, como a maternidade e o trabalho doméstico, são algo intelectualmente sem valor.

Num recente painel de discussão sobre maternidade e atividade criativa, a escritora e editora católica Haley Stewart lembrou de ter ouvido — nada menos do que pela boca de uma mulher acadêmica — que a maternidade não passava de uma escravidão intelectual, e que “um cachorro poderia cuidar” do bebê de um ano e meio de Stewart.

Como uma mãe que se dedica a educação em casa e que tem um doutorado, eu discordo. E não estou sozinha entre as mães que têm grau avançado de instrução e que veem a maternidade e, em alguns casos, a educação em casa como atividades maravilhosamente intelectuais. Não apenas ensinamos aos nossos filhos o que sabemos, mas também cultivamos diariamente a curiosidade [intelectual] aprendendo juntos.

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Também não estou sozinha entre as mulheres cristãs — sejam mães ou não, sejam elas pessoas que trabalham ou não nessas atividades tradicionalmente femininas — que anseiam por mais discussões intelectuais e por mais instrução teológica do que a que temos prontamente disponível. Em última análise, somos todas teólogas, e hoje ainda somos chamadas a fazer o mesmo que as mulheres no sepulcro, em Marcos 16: Ide e proclamai o Messias ressuscitado a todos os que têm ouvidos para ouvir.

Nadya Williams é autora de Cultural Christians in the Early Church. Seu próximo livro, Priceless, será publicado pela IVP Academic. Ela é editora de resenhas de livros da Current , onde também edita o blog The Arena.

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