Histórias sobre fenômenos aéreos inexplicáveis (ou UAP, na sigla em inglês — que é como agora devemos chamar os OVNIs) costumavam ser reservadas para as partes mais extravagantes ou sensacionalistas da Internet ou para os tabloides que ocupam o último andar das prateleiras de revistas. Não é mais assim hoje, quando histórias que apontam para evidências de vida extraterrestre estão aparecendo em todos os principais meios de comunicação.

Destaca-se, como sempre, uma manchete que não vai desaparecer: que o governo dos EUA recuperou naves espaciais acidentadas com “produtos biológicos não humanos”. Há até um livro recém-lançado que detalha, como sugere a manchete de um artigo recente da Time, “A busca do governo por alienígenas e por que eles provavelmente existem”.

Talvez agora seja o momento ideal para os cristãos começarem a fazer algumas perguntas sérias como: “E se a primeira página do jornal de amanhã trouxer notícias de evidências de vida em outro planeta?” Esta pergunta me levou a alguns dos territórios teológicos mais fascinantes que já considerei — alguns dos quais exploro no meu livro recente, Astrobiology and Christian Doctrine: Exploring the Implications of Life in the Universe [Astrobiologia e doutrina cristã: explorando as implicações de vida no universo].

Também fui um entre as duas dúzias de teólogos que foram convidados a participar no projeto de pesquisa financiado pela NASA sobre as implicações sociais da astrobiologia, no Centro de Investigação Teológica de Princeton. E, na minha pesquisa, fiquei surpreso ao descobrir que os pensadores cristãos têm ponderado sobre a vida fora da Terra há muito tempo. Por quê? Uma das razões é que a cosmovisão cristã tem um conjunto único de pressupostos prévios que podem nos deixar mais dispostos (e não menos dispostos, como alguns poderiam supor) a acreditar na probabilidade de vida extraterrestre.

Vejamos, por exemplo, as reações a um UAP em particular, com o qual os principais cientistas parecem mais entusiasmados. O ‘Oumuamua (termo havaiano para “mensageiro de longe que chega primeiro”) entrou em nosso sistema solar e passou bem perto do Sol (e não tão longe da Terra) em 9 de setembro de 2017, viajando a quase 320.000 quilômetros por hora. Este foi o primeiro “objeto interestelar” já observado em nosso sistema solar ― isto é, um objeto que viajou entre estrelas, em contraste com um cometa, por exemplo, que é limitado pela influência gravitacional do nosso Sol.

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Isso é bastante notável, mas o ‘Oumuamua tinha algumas outras propriedades incomuns. Embora não possamos ter certeza sobre sua forma, parece ter sido a de um objeto estranhamente longo e fino, como um charuto alongado, ou talvez um disco (ou mesmo um pires, como já se viu em tantos filmes de ficção científica). Também percorreu uma trajetória incomum quando se aproximou do sol.

O que devemos fazer com tudo isso? Será que essas propriedades incomuns sugerem que não se tratava de um objeto antigo, mas sim de um artefato de outra civilização?

Para Avi Loeb, astrofísico de Harvard, o ‘Oumuamua é tão estranho, que vê-lo como um artefato alienígena faz mais sentido. Em contrapartida, o filósofo Christopher Cowie argumentou que, mesmo que exista outra forma de vida na galáxia, os artefatos extraterrestres seriam demasiado raros para serem uma explicação plausível para o ‘Oumuamua.

O que distingue Loeb de seus críticos não é se ‘Oumuamua é estranho — nisso eles concordam ― mas sim se isso conta como evidência de que existem outras civilizações. Os críticos de Loeb acham que tais civilizações são tão improváveis que faz mais sentido dizer que, embora seja estranho para um objeto natural, ele é, no entanto, natural. Em contraste, Loeb pensa que tais civilizações estão provavelmente difundidas, de modo que é mais provável que o ‘Oumuamua seja uma obra alienígena do que seja algum objeto natural bizarro.

O astrofísico Charles H. Lineweaver examinou o ‘Oumuamua usando o teorema de Bayes: o que constitui uma explicação plausível para as evidências depende de nossos pressupostos prévios. Ou seja, se é ou não crível acreditar que se tratava de uma nave espacial alienígena depende do que mais tomamos como certo — como, por exemplo, qual é a probabilidade com que consideramos a existência de civilizações extraterrestres.

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O pai da lógica bayesiana é Thomas Bayes, um ministro presbiteriano inglês dos anos 1700, cujo trabalho inovador foi provavelmente provocado pelo ataque aos milagres desferido pelo filósofo David Hume (na obra Investigação sobre o entendimento humano). Hume argumentou que não deveríamos aceitar histórias sobre milagres, uma vez que ― na opinião dele ― sempre haverá uma explicação mais provável e não miraculosa para qualquer acontecimento extraordinário. Nossa interpretação depende de nossos pressupostos, e os dele não iam muito longe na direção de Deus.

E, embora não saibamos ao certo se Bayes foi, de fato, motivado pelo livro de Hume, seu amigo Richard Price fez esta ligação. Price era doutor em divindade e trouxe à atenção do público o trabalho de Bayes sobre estatísticas, após sua morte. Seu tratado contra a abordagem cética de Hume aos milagres (Sobre a importância do cristianismo, a natureza da evidência histórica e os milagres) foi publicado alguns anos depois. Bayes percebeu que interpretamos os acontecimentos como prováveis ou improváveis dependendo dos nossos pressupostos, e Price aplicou essa lógica aos milagres — na primeira aplicação do pensamento “bayesiano”, até onde sabemos.

Como agnóstico convicto, Hume era cético em relação a Deus. Portanto, ele considerava menos provável uma explicação milagrosa para um acontecimento inesperado do que uma explicação natural, mesmo que não soubesse que explicação poderia ser essa. Mas um cristão, como Bayes ou Price, olha para a mesma história de uma perspectiva diferente. Se você acredita em Deus e em Jesus como Deus encarnado, não parece nada absurdo supor que Cristo pudesse transformar água em vinho ou acalmar uma tempestade.

Ou, no caso em questão, é mais provável que acreditemos na possibilidade de vida fora da Terra.

Passando do século 18 para o século 20, existe um pressuposto comum (embora errado) de que as religiões não têm imaginação, se comparadas à ciência, e que precisam de descobertas científicas para provocá-las a pensar sobre a vida fora da Terra. Carl Sagan, um renomado astrônomo, fez essa mesma acusação, quando perguntou:

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Como é possível que quase nenhuma grande religião olhou para a ciência e concluiu: “Isto é melhor do que pensávamos! O Universo é muito maior do que disseram nossos profetas, mais grandioso, mais sutil, mais refinado. Deus deve ser ainda maior do que sonhamos”? Em vez disso, elas dizem: “Não, não, não! Meu deus é um deus diminuto e quero que ele continue assim.” Uma religião, seja ela antiga ou nova, que enfatizasse a magnificência do Universo tal como é revelada pela ciência moderna, poderia ser capaz de extrair reservas de reverência e de admiração que dificilmente são exploradas pelas fés convencionais.

No entanto, os teólogos cristãos têm pensado continuamente na questão de vida fora da Terra desde meados do século 15 (e os teólogos judeus e os islâmicos há ainda mais tempo). Se há algo frustrante na forma como as fontes cristãs abordam este tópico, é o fato de que não tendem a se estender muito ― o autor menciona a probabilidade com alegria, e depois segue em frente. A impressão que se tem é que esses pensadores não estavam preocupados o suficiente para escrever muito sobre o assunto.

No século 15, temos um frade franciscano, Guillaume de Vaurouillon, e Nicolau de Cusa, talvez o maior teólogo da sua época. No século 17, temos o dominicano Tommaso Campanella (escrevendo em defesa de Galileu). Poderíamos acrescentar o teólogo puritano inglês Richard Baxter e o anglicano John Ray, que escreveu sobre a possibilidade de outros sistemas solares com planetas que eram “com toda a probabilidade, equipados com uma variedade tão grande de criaturas corpóreas, animadas e inanimadas, quanto a Terra, e todos eles tão diferentes do [sistema] terrestre e uns dos outros em termos de natureza quanto o são em termos de lugar”.

Charles Spurgeon, pregador do século 19, referiu-se a toda a criação como uma “grande orquestra” cujos “habitantes dos diversos mundos, que sejam talvez em multitude incontável, tomam seus lugares numa única canção harmoniosa”. Ele acreditava que “pode haver dezenas de milhares de raças de criaturas, todas sujeitas a ele e governadas pela mesma lei de direito e justiça imutáveis”.

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No século 20, C. S. Lewis era fascinado pelo espaço sideral, tendo escrito um ensaio (“Religião e Foguetes”) e três romances (Trilogia Cósmica) sobre o tema. Lewis não acreditava que a descoberta de vida noutros planetas desafiasse o cristianismo, embora certamente viesse a gerar algumas questões teológicas intrigantes para considerarmos.

Um escritor proeminente, John Wilkins (bispo de Chester e fundador da Royal Society, a organização científica mais prestigiada da Inglaterra), pensava que ele tinha evidências de vida na Lua, mas a maioria dos teólogos especulava sem evidências. Dito isto, é impressionante como muitos teólogos acreditavam com forte convicção que existe vida fora da Terra com bases teológicas — e que encaravam isto como uma certeza, e não apenas como uma possibilidade.

Como disse antes, o que achamos plausível depende de nossos pressupostos prévios. Muitos teólogos cristãos têm operado com o pressuposto de que Deus só criaria lugares habitáveis para que pudessem ser habitados. E assim, longe de rejeitar a ideia de que o universo possa conter outras formas de vida, encontramos teólogos argumentando que a vida fora da Terra é difundida. Na verdade, eles assumiram que haverá vida em praticamente todos os lugares onde seja possível sobreviver.

Se o seu pressuposto é que a vida é o que importa, especialmente para Deus ― e que, portanto, a habitabilidade existe em prol da habitação — você achará implausível que lugares habitáveis permaneçam vazios. Historicamente, então, os teólogos cristãos com frequência provavelmente superestimaram a quantidade de vida que pode existir no universo. Isso decorreu de forma plausível do pressuposto de que Deus povoa os lugares e que os lugares são valiosos se hospedarem seres vivos.

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Estou muito aberto ao universo cheio de vida, mas eu diria que alguns dos pressupostos mencionados no parágrafo anterior são falhos. Há esplendor em todos os tipos de lugares diferentes do universo, sendo que todos dão testemunho da glória de Deus à sua maneira, sejam eles habitados ou não.

Jean Guitton, teólogo católico romano francês do século 20, escreveu que um vasto universo, desabitado e além da Terra, era implausível porque isso essencialmente tornaria “o pedestal demasiado grande para a escultura”. Em outras palavras, o universo seria como uma moldura tão grande que dominaria a pintura em seu centro.

Acho que isso está errado duas vezes. Primeiro, mesmo que o universo tivesse vida apenas na Terra, um universo inimaginavelmente grande não seria um cenário, uma estrutura ou um pedestal demasiado esplêndido para a glória da vida na Terra ― especialmente para a vida humana, com a sua autoconsciência e a sua relação com Deus.

Mas, em segundo lugar, será mesmo útil pensar no restante do universo apenas como um palco para a vida? O universo tem glória e dignidade próprias, que não devem ser julgadas meramente em relação a nós. Afinal, não somos as únicas criaturas com vocação para louvar a Deus; os céus também são [vocacionados para isso] (Salmo 148.3-6). Os próprios céus são alienígenas e inescrutáveis — tanto assim que Deus os traz à tona, quando coloca Jó em seu devido lugar por questionar sua soberania (Jó 38.31-33).

Quando se tratar do lugar e da prevalência da vida no universo, deixarei que a ciência me informe, à medida que os dados surgirem. Não ficarei perturbado se encontrarmos muita vida ou nenhuma.

Dito isto, ficarei surpreso se a vida na Terra for a única existente. Afinal de contas, até ao final do século 20, não sabíamos se existiam planetas em torno de outras estrelas ― e descobrimos que eles estão por todo o lado. Encontrar evidências de vida extraterrestre pode ser uma façanha. No entanto, a nossa capacidade de detectar sinais de vida em torno de outros planetas deu um grande salto à frente com o lançamento do Telescópio Espacial James Webb, em 2021: ele detecta luz infravermelha, que é ideal para medir o equilíbrio de gases na atmosfera de outros planetas e, portanto, averiguar alguns dos sinais reveladores de vida.

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Os teólogos cristãos têm pensado muito sobre o que torna algo vivo e o que pode ser considerado como um ser vivo. Por exemplo, os seres angelicais são um exemplo de vida além da Terra que é mencionada na Bíblia e retratada no imaginário cristão — por mais diferentes que sejam de outras formas de vida biológica.

Faz diferença que na Bíblia não haja menção de vida extraterrestre no universo? Eu não diria isso, especialmente quando consideramos para que servem e para que não servem as Escrituras.

Na Bíblia, Deus fala conosco de uma maneira humana. Isso torna a nossa compreensão de Deus tão humana que outras criaturas não pensariam em Deus como nós? Muitos teólogos, como Calvino, falaram sobre a “acomodação” divina ― o fato de Deus falar às criaturas de uma forma que elas possam compreender. O conhecimento de Deus e a revelação vinda de Deus certamente seriam questões “acomodadas” de maneira diferente para diferentes criaturas, para que pudessem entendê-lo, mas seria o mesmo Deus que é revelado e conhecido.

Assim, temos a ideia de que os seres humanos são feitos à imagem de Deus. Esta premissa seria prejudicada, se houver outras criaturas que também possam conhecer e amar e se tornar amigas de Deus? Eu acho que não. Não seríamos criados de maneira menos maravilhosa nem menos amados por Deus só porque outras coisas também são amadas e maravilhosas — e, provavelmente, maravilhosas de uma maneira diferente da nossa. Penso que quanto mais, melhor.

Mas e o pecado e a salvação? Se houver outra vida senciente, a queda é inevitável? E quanto à Encarnação e à redenção? Poderiam a morte e a ressurreição de Cristo redimir todo o cosmos? Sem dúvida; mas Deus se limitaria a uma Encarnação? Essa talvez seja a questão mais contestada na área. Como Aaron Earls apontou para a CT, até mesmo C. S. Lewis pensava que ao menos valia a pena considerar a possibilidade de que Jesus poderia ter “encarnado em outros mundos além da Terra e, assim, salvado outras raças além da nossa”.

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Quanto a mim, acredito que uma Encarnação seja “suficiente”, mas quem disse que Deus deve fazer o que é minimamente necessário? Em Jesus, vemos Deus face a face como ser humano. Mas eu poderia ver beleza em outras criaturas também conhecerem Deus em sua própria carne e sangue.

No início do século 20, a poetisa inglesa Alice Meynell escreveu que só nós conhecemos a nossa história e que aquilo que Deus fez noutros lugares permanece noutros lugares:

Nenhum planeta sabe que isso
[que] Nosso planeta à margem do caminho, que carrega terra e ondas,
Amor e vida multiplicados, e dor e felicidade,
Traz, como tesouro principal, um sepulcro abandonado.

Nem que, em nosso diminuto dia,
Seus artifícios com os céus sejam adivinhados,
Sua peregrinação para percorrer a Via Láctea
Ou Suas dádivas sejam manifestas.

Mas ela terminou o poema, intitulado “Cristo no Universo”, com a ideia tentadora de que podemos esperar conhecer o resto da história do cosmos na vida do mundo vindouro:

Ó, esteja preparada, minha alma!
Para ler o inconcebível, para escanear
As inúmeras formas de Deus que essas estrelas desvendam
Quando, por nosso turno, lhes mostrarmos um Homem.

Em última análise, seja o que for que esteja além da Terra, disto podemos ter certeza: Deus será gracioso e fará algo glorioso.

Andrew Davison é o autor de Astrobiology and Christian Doctrine: Exploring the Implications of Life in the Universe [Astrobiologia e doutrina cristã: explorando as implicações da vida no universo]. Ele é grato a Cat Gillen, da Durham University, por discutir o 'Oumuamua do ponto de vista bayesiano.

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