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Nos dias seguintes à morte de George Floyd, nas mãos da polícia de Minneapolis, ocorreu uma rápida substituição nos meus feeds de mídia social. Várias atualizações da vida de meus entes queridos apareceram. Entraram em minha linha do tempo novos compartilhamentos de relatos de estranhos, publicações sobre disparidades raciais no policiamento e sobre o racismo nos Estados Unidos de maneira mais ampla.

Inicialmente, fiquei emocionada ao ver isso. Escrevi sobre policiamento, incluindo sua dinâmica racial, durante quase uma década. Ao longo do tempo, sempre que o entusiasmo por mudar nosso sistema de justiça criminal diminuiu, perguntei por quê e me questionei se os americanos brancos jamais assumiriam um compromisso duradouro com a reforma. Talvez desta vez fosse diferente e esse compromisso tivesse ocorrido.

Mas, então, a conversa mudou. Informados por fontes como a Fragilidade Branca de Robin DiAngelo, que liderou as listas de best-sellers durante todo o verão, os posts desenvolveram um tique de vergonha. Um post popular, em particular, me impressionou. A própria imagem exige nuances e discrição ao lidar com o racismo. Depois, há a legenda. Os brancos “nunca podem ‘acertar’ nesta conversa”, diz o texto. “Os brancos são os opressores e se beneficiam da própria opressão — promover justiça racial ‘certa’ é, por definição de nossa brancura, impossível.”

Comecei a perceber esse tipo de discurso por toda parte. Cristãos brancos bem-intencionados, em busca de justiça racial, começaram a falar do racismo como um pecado irreparável, adotando a linguagem de nossa conversa nacional sobre raça. Eles falavam do racismo como uma mancha na alma dos brancos que não pode ser lavada. Embora raramente seja tão franco quanto essa legenda, grande parte do conteúdo que encontrei se reduziu a basicamente a: “Pessoas brancas como você e eu somos, inerentemente, inalteráveis e vergonhosas”.

Essa rejeição da redenção me perturbou. O racismo, é claro, é um erro horrível. Foi e continua sendo um grande mal em nosso país. Desvaloriza as pessoas criadas à imagem de Deus, pessoas pelas quais Cristo morreu. É insidioso e é usado para justificar toda uma série de outros pecados. Mas isso não nos torna irredimíveis e, quando falamos como se fôssemos, diminuímos a obra de Cristo.

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Se cremos que Deus nos livra do mal (Rm 7.24-25) e nos afasta de nossas transgressões como o oriente dista do ocidente (Sl 103.12), se acreditarmos que somos transformados em novas criações em Cristo (2Co 5.16-19), não falaremos sequer do racismo como uma mancha permanente em nós mesmos ou em outras pessoas. O racismo é mais poderoso que o sangue de Cristo? O racismo é o único erro que Jesus não derrotou? Se não é — e eu estou dizendo que não é porque nenhum mal é maior que Cristo (1Co 15.54-57) — então nosso confronto com o racismo deve refletir essa verdade.

Por que os cristãos agiriam de outra maneira? Suspeito que o culpado seja a crescente fixação de vergonha por nossa sociedade e nossa própria adoção de seu vocabulário e suas suposições.

Para entender a natureza e o poder da vergonha, considere três contrastes com a culpa. Primeiro, a culpa é sobre ação, enquanto a vergonha é sobre identidade. A culpa diz: “Você fez uma coisa ruim.” A vergonha diz: “Você é uma pessoa má.” Segundo, a culpa é geralmente individual e a vergonha é comunitária; a vergonha sujeita você ao julgamento e à exclusão da multidão. Terceiro, a culpa permite um caminho claro para a redenção por meio do arrependimento, mas nossa cultura individualista não tem meios de restauração para quem se envergonha, como o ex-editor da CT Andy Crouch habilmente explicou. Assim, a culpa pode nos motivar a uma transformação positiva, mas a vergonha ancora no desespero e se correlaciona com o vício, a violência e o suicídio.

Responder ao racismo com vergonha comete o erro teológico de reduzir o alcance da redenção. Mas isso não é tudo. Em uma ironia cruel, também conta uma história que desencoraja a verdadeira busca da justiça racial.

A história de vergonha diz que todos os americanos brancos se beneficiam de sistemas racistas e são, portanto, como diz a legenda, “opressores” que “por definição” não podem “acertar a justiça racial”. “Não precisamos subestimar a gravidade ou a sistemática natureza da injustiça racial em nosso país para reconhecer como esse enredo deixa os americanos brancos em um vínculo inextricável: como não podemos mudar nossa identidade, sempre seremos vergonhosos.

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Algumas pessoas, ouvindo essa história, simplesmente a rejeitam. Eles negarão a premissa da história de injustiça racial, como um meio de escapar de sua conclusão de vergonha inevitável. Outros reagirão embarcando em uma penitência permanente de auto-educação e defesa antirracista. Isso parece bom no Instagram, mas — muito parecido com a cultura de bem-estar de autoajuda com que se assemelha estranhamente — não é motivado pelo amor e pela fome de justiça por nossos vizinhos e familiares em Cristo. É autofocado, performativo (Mt 6.5) e terapêutico, melhor para não se sentir uma pessoa má do que realmente promover a justiça. A maioria, porém, exausta pela vergonha, não fará nada. Isso é “psicologia básica”, argumenta o autor Fredrik deBoer: “As pessoas precisam sentir que seus esforços têm alguma possibilidade significativa de criar mudanças positivas”. Por que buscar mudanças se é impossível?

“Mas para Deus tudo é possível”, disse Jesus (Mt 19.26). Em vez de vergonha, podemos repudiar o racismo com a convicção de Paulo em 1Coríntios 6 (parafraseada): “Você não sabe que os transgressores não herdarão o reino de Deus? Não se iluda! Os racistas não herdarão o reino de Deus.” E, então, aos nossos companheiros cristãos e a nós mesmos, acrescentamos: “E é isso que alguns de vocês costumavam ser. Mas você foi lavado, santificado e justificado em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus.” Em Cristo, já somos redimidos. Ainda resta mostrar nossa redenção como algo real, como Paulo acrescenta, não agindo como antes, mas glorificando a Deus e, no Espírito, agindo como as novas criações que nos tornamos e que amam a justiça.

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Bonnie Kristian é colunista da Christianity Today, editora colaboradora da The Week, bolsista da Defense Priorities e autora de A Flexible Faith: Rethinking What It Means to Follow Jesus Today (Hachette).

Traduzido por Maurício Zágari

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