Este artigo foi adaptado da newsletter de Russell Moore. Para recebê-la, inscreva-se aqui.

Há algumas semanas, eu estava conversando com um grupo de homens — entre eles havia ateus; cristãos; judeus; conservadores; progressistas; e alguns de centro. Eram de origens geográficas, culturais e profissionais completamente diferentes.

Todos eles queriam falar sobre uma coisa: o número de jovens que conhecem que parecem estar perdidos, sem propósito. Para alguns desse grupo, o problema era urgente porque se tratava de seus próprios filhos. Para a maior parte deles, tratava-se de seus sobrinhos, afilhados ou dos filhos de seus amigos e vizinhos.

Na maioria dos casos, eles não estavam falando sobre o tipo de coisa com que as pessoas costumavam se preocupar em relação a meninos e rapazes. Não estavam preocupados com violência de gangues, dependência de drogas, corridas de carro ou brigas de rua. Nem mesmo estavam falando sobre promiscuidade sexual ou consumo excessivo de álcool. Eles estavam falando de algo bem diferente: de uma espécie de desesperança, uma falta de ambição até mesmo de sair de casa, em alguns casos, quanto mais de sair pelo mundo e formar suas próprias famílias.

Uma maneira de identificar esse problema é seguir o velho e já conhecido caminho de culpar a próxima geração por ser preguiçosa e mimada. Você sabe que está ficando velho não quando nascem seus primeiros cabelos brancos ou quando seus músculos doem só de pegar uma meia no chão, mas quando vê memes do Instagram sobre a sua geração, mostrando postes de luz ao anoitecer, acompanhado dos dizeres “Ei, geração Z, este era o aplicativo que nos dizia que já era hora de voltar para casa”.

Em geral, esse tipo de mentalidade “Vocês, jovens, saiam já do meu gramado” (ou “Vão brincar lá fora, em vez de ficarem dentro de casa jogando”) é insípida — uma certa nostalgia enganosa mesclada com o narcisismo geracional do tipo “Somos melhores do que vocês”.

Além disso, aqueles que realmente convivem com homens e mulheres jovens sabem que esses estereótipos simplesmente não são verdadeiros. Eu confiaria mais em meus filhos (que estão no primeiro e no último anos do ensino médio) do que confiaria em mim mesmo ou em qualquer um dos meus colegas de classe, quando tínhamos essa mesma idade. E as pessoas que conheço que lideram ministérios voltados para estudantes costumam dizer a mesma coisa sobre os rapazes e as moças que conhecem.

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No entanto, não é preciso acreditar em tudo isso para se ver que há realmente algo de errado e que isso, de certa forma, está afetando meninos e meninas, bem como rapazes e moças de maneira diferente. Também é importante percebermos que há algo de errado para esses jovens, e não com eles.

Bate-papos sobre homens jovens que não conseguem voar com as próprias asas, como esse que tive com meus amigos, são por si só raros a ponto de se tornarem obsoletos, pois implicam deixar de lado, por um momento, as coisas que “devem” ser ditas para não ultrapassar os limites da própria tribo.

Para os que são de esquerda, isso significa dizer algo que talvez os levasse a serem denunciados ao departamento de RH em certos locais de trabalho: dizer que realmente existe um gênero binário masculino/feminino e que as diferenças entre homens e mulheres são mais (embora não menos) do que meros construtos culturais. Para os que são de direita, isso significa reconhecer que criar meninos com “valores tradicionais” e protegê-los de ideias liberais são atitudes que não estão resolvendo o problema — e que uma das principais crises que o país enfrenta é a radicalização de muitos jovens por ideias do nacionalismo branco ou por ideias adjacentes ao nacionalismo branco no espaço on-line.

É evidente que há muitos fatores em ação aqui — alguns que não conhecemos inteiramente e que não conheceremos pelos próximos anos. Mas algumas coisas já sabemos. O próximo livro de Jonathan Haidt — The anxious generation: how the great rewiring of childhood is causing an epidemic of mental illness [A geração ansiosa: como a grande reconfiguração da infância está causando uma epidemia de doenças mentais] — apresenta o que considero o melhor e mais convincente argumento que já vi sobre as formas como a tecnologia “reconfigurou as conexões” de uma geração inteira, além de demonstrar como as doenças resultantes de tudo isso tendem a afetar meninos e meninas de forma diferente.

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Parte do problema, mesmo para alguns cristãos, é a relutância em reconhecer o que quase todos nós sabemos: não é preciso entrar na questão dos estereótipos de gênero para ver que homens e mulheres, embora sejam iguais nos aspectos mais importantes da criação e da Queda, também são diferentes em alguns aspectos relevantes. Na maior parte do tempo, as Escrituras se dirigem a todos nós, homens e mulheres, como pessoas, mas também dirigem palavras específicas a homens e a mulheres sobre questões que geralmente representam uma vulnerabilidade maior para um grupo ou para o outro.

Quando o apóstolo Paulo instruiu Timóteo no sentido de que os homens deveriam orar “sem ira e sem dicussões” (1Timóteo 2.8), ele não estava sugerindo que as mulheres estivessem livres de se envolver em brigas durante os pedidos de oração. Em vez disso, ele estava se dirigindo ao ponto em que se encontrava a principal tentação de causar brigas. Da mesma forma, quando Paulo e Pedro orientaram as mulheres, em especial, a evitarem roupas caras e demonstrações de riqueza, de modo a encontrarem sua identidade e valor não na comparação externa com os outros, mas na piedade (1Timóteo 2.9; 1Pedro 3.3-4), ele não estava sugerindo que os homens poderiam se vestir como pavões. Novamente, de modo geral, os pontos de vulnerabilidade eram diferentes para cada um dos dois grupos.

Para abordar as razões pelas quais tantos homens jovens estão sem rumo, precisamos abordar as crises que ambos os sexos enfrentam, tanto naquilo em que são semelhantes quanto no que tendem a ser diferentes.

Isso significa reconhecer, em primeiro lugar, onde os problemas de fato estão, em vez de concentrar toda a nossa atenção nos pontos onde eles costumavam estar. O principal problema para os rapazes atualmente não costuma ser uma devassidão do tipo que encontramos na obra Senhor das Moscas [romance britânico que trata das possibilidades da maldade humana e as várias faces que o ser humano pode assumir], mas sim uma espécie de morbidez letal que vem de uma imaginação que não consegue visualizar outro caminho. Sim — como em todas as épocas, desde o Éden — há pecados mais evidentes, como imoralidade e violência, mas mesmo estes tendem a ser predominantemente digitais hoje em dia, em vez de pessoais. Isso não torna a situação mais fácil, e sim bem mais difícil de identificar.

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Em seu romance The Moviegoer, Walker Percy identificou algo a que ele chamou “mal-estar” — uma espécie de desespero que não encontra lugar para si mesmo no mundo. Não notamos isso, segundo escreveu ele, porque estamos acostumados a ver o pecado na prática externa de atos imorais. O problema agora, segundo ele, é que, quando se trata de pecado evidente, “a verdade é que, hoje em dia, alguém dificilmente está disposto a praticá-lo”. Sempre tentamos anestesiar qualquer problema que enfrentamos — e, muitas vezes, os dois lados do problema, geralmente de maneiras que o tornam pior.

Outro dia, recebi o historiador britânico Tom Holland em meu podcast para discutir seu livro sobre o Império Romano, Pax. Fiz a ele uma pergunta que tenho certeza que quase todo mundo tem feito ultimamente: Por que viralizou tanto o meme/a notícia de alguns meses atrás sobre quantas vezes por dia um homem comum pensa sobre o Império Romano? Ele respondeu com estas palavras: “Tiranossauro rex”.

Holland explicou que os garotos (e algumas garotas também) tendem a ficar hipnotizados pelo T. rex, o grande predador da Antiguidade. Holland diz que isso ocorre por dois motivos: poder e extinção. O dinossauro é assustador, temível e dominante sobre qualquer inimigo em potencial — e o dinossauro também não existe mais. Ele é assustador, mas na realidade não pode mais machucar você.

Exceto quando pode.

Com demasiada frequência, hoje, quando nossos rapazes se perguntam o que significa ser homem, muitos de nós lhes apresentamos as virtudes romanas. Algumas delas, de certa forma aspiracional, têm pontos de intersecção com virtudes cristãs, mas o paradigma fundamental não é apenas equivocado, ele é explicitamente denunciado pelo próprio Jesus (Lucas 22.25-27). A maneira romana de buscar domínio e posições de liderança é o que Paulo contradiz no Livro que leva esse mesmo nome, Romanos, bem como em outros livros. E a Besta do Apocalipse de João é literalmente inspirada em Césár e, como o T. rex, também é um predador alfa (Apocalipse 13.4 diz: “Quem é como a besta? Quem pode guerrear contra ela?”).

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A cruz é um instrumento romano de tortura — uma contestação de poder que, ao que parecia, provaria que César sempre vence, portanto, tome cuidado. A cruz desfaz tudo isso — não por nos dar um César diferente para lutar contra o antigo, mas por nos dar algo que nunca pensamos que precisávamos, um Rei crucificado que voluntariamente entrega sua vida pelo mundo.

É exatamente disso que ainda precisamos hoje.

Quando penso em como internalizei —desde as minhas memórias mais antigas — o que é “sucesso” para um homem, vejo meu próprio pai, é claro, mas também vejo homens da minha igreja assumindo responsabilidades — levantando ofertas, orando pelos perdidos, empunhando suas motosserras para ajudar no socorro a desastres, após um furacão. Vejo um homem que permaneceu fiel à sua esposa, que durante anos sofreu de câncer; ou um homem que continuou amando seus filhos pródigos, mesmo depois que outros pensaram que eles o haviam envergonhado.

E o que é realmente crucial é que eles não deixaram nós, meninos, fora disso. Havia ritos de passagem, momentos em que sabíamos que havíamos feito algum tipo de transição de meninos a homens. Essa transição claramente não tinha a ver com proezas de força ou imoralidade sexual, mas sim com maneiras pelas quais se esperava que modelássemos o domínio próprio, e maneiras pelas quais se esperava que direcionássemos nossas vidas para servir ao restante do corpo.

Quando falta isso, como os rapazes podem saber a diferença entre infância, adolescência e vida adulta — como podem saber algo que não seja quanto dinheiro se tem para gastar com suas paixões? E mais até, como os rapazes podem saber como pertencer — não só como seres humanos ou como cristãos em geral, mas especificamente como homens que devem definir sua masculinidade não em termos de autossatisfação, mas em termos de pertencimento, responsabilidade, sacrifício e fidelidade?

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Quando ignoramos essa questão, ignoramos as formas como a próxima geração está sofrendo. E deixamos essa geração à mercê dos deuses mortos do passado, que só o que podem fazer é destruí-la.

Se um jovem não sabe como tomar a cruz de Cristo e segui-lo, ele normalmente tomará o martelo de Thor e seguirá esse deus. Se, por omissão, o modelo de masculinidade madura que lhe dermos for Barrabás, e não Jesus, se nosso modelo de masculinidade se parecer mais com os crucificadores do que com o Crucificado, não deveríamos nos surpreender se o resultado for uma busca por pseudocésares e pseudo-haréns. Não deveríamos nos surpreender, portanto, se o esqueleto de um Tiranossauro morto parecer mais poderoso do que “um Cordeiro de pé, que parecia estar morto” (Apocalipse 5.6, ESV).

Com isso, acabaremos com muitos mais dos que não querem seguir o caminho pagão, que resistem a ele, mas ficam presos, como alertou Percy, entre um crescente e terrível paganismo e uma cristandade morta e sem vida. E o resultado é o desespero.

Há coisa demais em jogo para isso.

Russell Moore é o editor-chefe da Christianity Today e lidera o Projeto de Teologia Pública da revista.

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