A teologia cristã mantém consistentemente unidas certas verdades que parecem querer se desmantelar: Jesus é totalmente Deus e totalmente homem. As pessoas são pecadoras e criadas à imagem de Deus. A igreja é local e universal.

No entanto, apesar do que afirmamos, na prática, nós, cristãos, muitas vezes não conseguimos andar e mascar chiclete ao mesmo tempo. Em vez de mantermos duas verdades em tensão, tendemos a pender para um lado ou para outro, e assim as distorcemos nesse processo. Tratamos Jesus como um ser invulnerável e transcendente ou como um mero profeta. Falamos dos seres humanos como se estivessem tão degradados que não fossem capazes de nada além de pecar ou como se estivesse quase tudo bem com eles, tirando algumas arestas. Pensamos na igreja como se não passasse de uma seita pessoal ou minimizamos a congregação local.

Os teólogos evangélicos têm feito um grande trabalho nas áreas da cristologia, antropologia e eclesiologia, respectivamente, a fim de recuperar essas três tensões verdadeiras. Contudo, há uma quarta tensão ainda a ser recuperada: todos os pecados nos arruínam, mas nem todos os pecados nos arruínam igualmente.

Para começo de conversa, sejamos claros: o pecado, por menor que seja, é uma coisa séria. E só é expiado pela obra de Deus em Jesus Cristo. Mas dizer que Cristo é o único que expia todos os pecados é diferente de dizer que todos os pecados causam em nós o mesmo tipo de estrago.

Todos os pecados ferem o pecador e geram estragos ao nosso redor. No entanto, as Escrituras consistentemente retratam os pecados que cometemos como sendo diferentes, não apenas quanto ao efeito que têm sobre os outros, mas diante de Deus. No âmbito da Lei, por exemplo, são dados remédios sociais diferentes para pecados diferentes, assim como sacrifícios diferentes (Levítico 4; Êxodo 21). Nem todo sacrifício requer um boi ou uma cabra. Às vezes uma pomba já serve. Nos Profetas e em Provérbios, Deus faz distinção, e até mesmo prioriza certos pecados acima de outros, e explica as diferenças entre pecados intencionais e não intencionais (Provérbios 6.16-19; Ezequiel 45.20).

Jesus coloca a blasfêmia contra o Espírito Santo em uma categoria própria (Mateus 12.31) e diz que alguns pecados nos aproximam do fogo do inferno (Mateus 5.22). Paulo também diz que os pecados que cometemos contra o nosso próprio corpo causam tipos específicos de danos que outros pecados não causam (1Coríntios 6.17-19).

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Ter deixado de manter unidas essas duas verdades sobre o pecado nos levou à confusão moral. Por exemplo, há uma quantidade imensa de energia atualmente sendo dedicada à questão do sexismo nas igrejas norte-americanas e ao redor do mundo. Não devemos esconder o fato de que o pecado do sexismo causou danos reais dentro da igreja, mas a forma como nomeamos esse dano faz uma grande diferença.

À medida que a responsabilização por esses erros começou, muitas discussões têm posto no mesmo grupo pecados muito diferentes, colocando tudo junto, desde ministros sexualmente abusivos até preconceitos interpessoais. Todo pecado causa danos e exige reparação, mas o mero bom senso nos diz que esses pecados são significativamente diferentes. Estuprar uma mulher não é o mesmo que ter preconceitos sexistas em relação a colegas de trabalho.

Não creio que alguém cometeria o erro de igualar esses pecados. Contudo, uma vez que eles são agrupados sob um único rótulo — pecado — a confusão se instala, porque teologicamente, os evangélicos tratam esta grande gama de ações diferentes como se tivessem um único efeito: nos separar de Deus, e ponto final. Como já vimos, isto é verdade; mas, se tomado isoladamente, deixa de fora grande parte da história. A decorrência vem em nossa ética. Se a nossa teologia não nos permitir fazer uma distinção entre pecados diferentes com diferentes tipos e escalas de danos, teremos dificuldade em chegar a respostas adequadamente diferentes [para esses pecados].

Como chegamos a este ponto? Parte da dificuldade está na leitura exagerada de porções das Escrituras — em Romanos 3.23, por exemplo, afirmar que todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus não é dizer que todas as maneiras pelas quais falhamos são iguais. Dizer que “não há nenhum justo, nem um sequer” (Romanos 3.10) é diferente de dizer que toda injustiça é semelhante em gravidade ou efeito.

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Este ethos — de que todos os pecados são iguais em natureza — remonta não ao Novo Testamento, mas à Reforma e a épocas posteriores. Consideremos João Calvino, que argumenta, contra uma tradição mais antiga, que todos os pecados — grandes ou pequenos — são condenatórios. Ou o argumento de Jonathan Edwards de que todos os pecados cometidos por criaturas finitas são ofensas infinitas contra um Deus infinito.

Embora tratamentos como estes tenham o efeito de nos ajudar a levar todos os pecados a sério, eles também têm o efeito não intencional de nivelar todos os pecados, de tal forma que se torna difícil dizer por que o dano acidental é diferente do dano intencional, ou por que ter graus de dano é importante. Quando simplesmente enquadramos todos os pecados como pecados condenatórios, ignoramos a forma que as Escrituras reconhecem que diferentes pecados afetam o nosso relacionamento com Deus de diferentes maneiras e, portanto, exigem diferentes tratamentos temporais. A expiação de Cristo é a forma singular pela qual a humanidade é trazida de volta ao relacionamento com Deus, mas restaurar a saúde de determinadas pessoas requer diferentes formas de reparação, de cura.

Considere aqui o exemplo de dois discípulos, Pedro e Tiago. Ambos os discípulos, segundo somos informados, estão presentes com Jesus no Jardim do Getsêmani, e ambos fogem (Mateus 26.56). Mas a fuga de Pedro dos romanos acrescenta um tipo ativo de negação (Mateus 26.69-75). Consequentemente, a tripla negação de Pedro é respondida pela tripla pergunta feita por Jesus sobre se Pedro o amava (João 21.15-17). Um tipo diferente e mais profundo de ferida exigiu um tipo diferente de cura.

A tradição mais antiga de refletir sobre esta questão, vista na obra de teólogos como Tomás de Aquino, difere de Calvino e de Edwards em pelo menos três aspectos importantes. Primeiro, trata de fazer uma distinção entre pecados que os cristãos cometem intencionalmente e pecados que cometemos involuntariamente. Todos os pecados são desvios da vontade de Deus, mas aqueles que cometemos deliberadamente não são iguais aos que cometemos por ignorância (Lucas 12.47-48).

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Segundo, embora todos sejamos inclinados a pecar, não somos todos inclinados a pecar da mesma maneira. Alguns lutam habitualmente contra a luxúria, outros contra a arrogância. Embora ambos os pecados nos levem à destruição, estaríamos errados se disséssemos que eles destroem as nossas vidas da mesma forma. A diferença aqui não está no efeito deles sobre os outros, mas na natureza dos próprios pecados, sendo o primeiro o desejo de prazer corporal e o segundo a exaltação do eu acima dos outros e de Deus. A luxúria pode muito bem deformar a nossa mente e os nossos desejos, degradando-nos como criaturas, mas alimentar a arrogância é, em última análise, virar de ponta-cabeça o universo moral, colocando-nos acima de Deus.

Terceiro, pecados diferentes exigem soluções diferentes. Voltando a um exemplo anterior, expor alguém a uma agressão sexual é diferente de expor alguém a pensamentos sexistas. Ambos envolvem poder, objetificação e sexo. Mas também são diferentes entre si: o primeiro é um ato de vontade praticado com violência; o outro é um hábito mental ou cultural. O primeiro exige uma intervenção legal; o outro exige reparações interpessoais e discipulado.

Essas diferenças não estão apenas no nível humano. Deus também faz distinção entre pecados diferentes, e o caminho a seguir requer o reconhecimento dessas diferenças. Isso significa ser capaz de dizer que alguns pecados nos prejudicam mais do que outros — os pecados que cometemos deliberadamente são diferentes daqueles cometidos por ignorância ou insensatez. Isso também significa compreender que todo pecado causa danos, mas pecados diferentes causam danos diferentes tanto ao pecador quanto à vítima. Este reconhecimento tornaria mais fácil enxergar quais são as diferentes respostas necessárias ao pecado.

Recuperar esta tensão — de que todos os pecados nos arruínam, mas nem todos os pecados nos arruínam de forma igual — não significa cair no erro oposto de querer classificar o pecado de um modo que nos privilegie, de dizer: graças a Deus, não somos como aquele cobrador de impostos (Lucas 18.9-14). Muito pelo contrário, significa compreender que Deus conhece cada um de nós pelo nome, conhece os nossos pecados específicos e conhece as virtudes específicas de que precisamos para nos recuperarmos desses pecados.

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Esta é a parte da santificação que vem depois do arrependimento: os lascivos precisam de castidade; os arrogantes, de humildade; os violentos, de paz; e os pouco caridosos precisam de amor. As Escrituras exortam-nos a buscar todos estes frutos da obra do Espírito, que são aperfeiçoados na pessoa de Jesus e dados, como boas dádivas de Deus, a pecadores determinados com feridas específicas.

Que todos somos feridos pelo pecado é inquestionável. Mas o futuro para os evangélicos deve envolver mais nuances em nossos diagnósticos, mais reconhecimento da natureza de cada pecado e de seus respectivos danos, e mais atenção ao lento caminho da virtude. Na ausência de um remédio que trate a nossa ferida de maneira específica, continuaremos a ser como a casa varrida e em ordem da parábola de Jesus, em Mateus 12.43-45: Nessa casa desocupada, não haverá novos moradores da virtude para manter longe os muitos demônios.

Myles Werntz é autor deFrom Isolation to Community: A Renewed Vision of Christian Life Together [Do isolamento à comunidade: uma visão renovada da vida cristã juntos]. Ele escreve em Christian Ethics in the Wild [Ética cristã na natureza] e leciona na Abilene Christian University.

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