O debate cessacionista está de volta, embora, de certa forma, nunca tenha de fato desaparecido.

O pastor John MacArthur e a Grace Community Church realizaram recentemente a Conferência Cessacionista, programada para coincidir com o lançamento do filme Cessacionista — trazendo um tópico antigo de volta à vanguarda das conversas sobre tendências, em especial entre os crentes reformados. Essas discussões se concentram em uma questão básica: “Os dons de milagres são para hoje?” Os cessacionistas responderiam que não.

Para mim, porém, aqui há questões ainda mais fundamentais que estão em jogo — como, por exemplo, por que há um interesse renovado nesse assunto nos dias de hoje, e por que tanto esforço está sendo despendido para argumentar contra a continuidade dos sinais e maravilhas sobrenaturais.

A resposta pode ser tão óbvia quanto simples. O movimento carismático pentecostal continua a crescer rapidamente em todo o mundo e, aos olhos de líderes cessacionistas como MacArthur, isso é motivo de alarme, não de comemoração. Na opinião deles, esse movimento global é marcado por desvios doutrinários e práticas que são aberrações tão extremas que alguns chegam a acreditar que a “grande maioria” dos pentecostais e carismáticos não seja cristã de fato.

Dale Coulter, professor de teologia histórica no Seminário Teológico Pentecostal, argumenta que a “pentecostalização do cristianismo americano” está atingindo a maioridade. Mas, na opinião desses líderes cessacionistas, essa não é uma tendência positiva — perigosas ervas daninhas doutrinárias estão crescendo muito rápido em nosso quintal, e é necessário ter diligência teológica.

Depois de dialogar pessoalmente com alguns desses líderes por horas, não duvido da sinceridade de sua fé cristã nem de suas preocupações pastorais sobre os abusos espirituais percebidos. Como líder pentecostal carismático, tenho abordado problemas em nosso movimento há mais de três décadas. Na verdade, eu disse ao The New York Times, há dois anos, que as profecias fracassadas sobre a reeleição de Trump, em 2020, representavam a “maior fraude” que eu já vi em meus cinquenta anos de caminhada com o Senhor.

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Portanto, não tenho a menor intenção de minimizar o erro nem de negar o fato de que, com a expansão exponencial em todo o mundo do movimento carismático pentecostal — que cresceu de 58 milhões, em 1970, para 656 milhões, em 2021 — tem havido muito fogo estranho e até mesmo falso.

Mas se concentrar nas aberrações é perder a realidade maior: nos últimos 50 anos, centenas de milhares de pessoas chegaram à fé verdadeira e duradoura em Jesus por meio do miraculoso ministério do Espírito Santo em nossos dias.

Como um rabino muito sensato comentou certa vez, não devemos pegar o melhor de nossa religião e comparar com o pior da religião de outra pessoa. Como eu disse em outro lugar, “A existência de carismáticos excêntricos não refuta o continuísmo mais do que a existência de calvinistas espiritualmente mortos refutaria a doutrina reformada”.

O historiador Conrad Cherry observou que, durante o Primeiro Grande Despertamento, críticos como Charles Chauncy geralmente se concentravam no joio, enquanto líderes do avivamento como Jonathan Edwards se concentravam no trigo. É triste reconhecer que isso acontece com frequência entre aqueles que criticam o atual movimento pentecostal carismático mundial.

Tendo eu passado décadas de minha vida trabalhando com esse movimento no mundo inteiro e tendo ministrado no exterior em mais de 160 viagens, posso dar meu testemunho pessoal que há muito mais trigo que glorifica a Jesus e se baseia na Palavra do que se poderia contar. Além disso, essa colheita cresceu e permaneceu forte diante de grande sofrimento e perseguição.

Mas a melhor resposta para o cessacionismo encontra-se na própria Bíblia.

Embora eu respeite meus amigos cessacionistas, discordo que exista base bíblica para a posição deles de que os dons de milagre foram associados exclusivamente aos apóstolos e existiram apenas para o estabelecimento do evangelho. De fato, eu pessoalmente acredito que essa posição se torna indefensável pelo testemunho explícito da Palavra de Deus.

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Em meu livro Authentic Fire [Fogo Autêntico], que escrevi em resposta ao livro e à conferência Strange Fire [Fogo Estranho] de MacArthur, explico que é justamente por eu ser adepto da sola Scriptura que sou carismático.

Por muitos anos, ouvi meus colegas cessacionistas dizerem: “Vocês carismáticos confiam na experiência. Nós confiamos na Palavra”. Mas, para ser bem sincero, muitas vezes descobri que o oposto é verdadeiro.

Conheço muitos que se tornaram cessacionistas por causa de experiências ruins com carismáticos ou com igrejas pentecostais, ao passo que (como você lerá em breve) eu permaneci carismático por causa do testemunho da Palavra de Deus. Quando minha experiência confirma a Palavra, ótimo. Mas quando minha experiência (ou a falta dela) é contrária à Palavra, eu não rejeito a Palavra. Eu rejeito a experiência.

Essa é uma lição que aprendi da maneira mais difícil, ao longo da minha própria jornada de fé.

Eu me converti em 1971, aos 16 anos de idade, em uma pequena igreja pentecostal italiana, quando era um baterista de rock hippie, judeu, usuário de LSD e heroína. Mas, 10 anos depois, enquanto fazia meu doutorado em línguas e literaturas do Oriente Próximo, na Universidade de Nova York, minha perspectiva mudou muito.

Eu não queria mais ser pentecostal. Queria ser espiritualmente sofisticado, como os acadêmicos reformados cujas obras eu agora estava estudando. Falar em línguas, algo que costumava ser uma parte importante de minha vida espiritual, não era mais uma prática que eu queria cultivar.

Lembre-se de que isso foi antes de eu conhecer qualquer estudioso bíblico e teólogo proeminente que fosse pentecostal ou carismático. Eu me refiro aqui a pessoas como Gordon Fee, Craig Keener, Ben Witherington, Peter Davids, Jeffrey Niehaus, J. P. Moreland, Wayne Grudem, R. T. Kendall, Sam Storms e outros. Em minha mente, naquela época, ser pentecostal ou carismático significava ter mentalidade tacanha e ser teologicamente retrógrado.

Quanto à cura sobrenatural, eu tinha ouvido falar de histórias passadas e era assegurado quanto à certeza de histórias futuras, mas tinha visto muito pouco com meus próprios olhos. Quanto ao fato de pessoas “caírem prostadas no Espírito” (algo que eu costumava ver, quando orava por pessoas), eu agora ensinava contra isso, dizendo que não provava nada e que não se encontrava na Bíblia. Cheguei a comprar livros como Counterfeit Miracles [Milagres falsos], de B. B. Warfield, e The Modern Tongues Movement [O movimento atual de línguas], de Robert Gromacki, para me convencer de que os dons de milagres não eram para hoje. Eu desejava com todas as minhas forças ser um cessacionista.

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No final, não consegui me convencer. A Palavra era clara demais, e os argumentos cessacionistas eram fracos demais e facilmente refutados. Assim, concluí que os dons sobrenaturais de línguas, profecia e cura ainda são para hoje, mas que o que estávamos vendo no movimento carismático contemporâneo não era o que as Escrituras haviam prometido.

Então, em 1982, ao longo de um período de meses, Deus me levou ao arrependimento por ter deixado meu primeiro amor e me convenceu da minha arrogância teológica e intelectual — falando comigo por meio de alguns amigos meus que eram crentes carismáticos.

Dizer que isso abalou meu mundo seria minimizar o que vivi.

Ora, não estou dizendo que os cessacionistas não estejam caminhando em amor e devoção ao Senhor — estou simplesmente compartilhando minha experiência pessoal. Naquela época, eu estava servindo como presbítero em treinamento em uma congregação bastante não carismática, que era incrivelmente ativa em boas obras, mas carecia do poder do Espírito. No final daquele ano, minha vida mudou radicalmente — e o Senhor até me usou como um vaso para derramar seu Espírito em nossa igreja.

Por mais gloriosa e maravilhosa que tenha sido aquela época — pois eu estava mais uma vez testemunhando o agir dos dons do Espírito, e ainda mais do que já havia visto antes — agora eu tinha em minhas mãos um grande problema. Lá estava eu, com a teologia certa e a exegese precisa, mas não via ninguém ser curado, enquanto as pessoas com a teologia errada estavam vendo as curas acontecerem. Como eu poderia conciliar isso?

Naquela época, eu estava nos estágios iniciais da pesquisa para minha tese de doutorado, “Abbreviated Verbal Idioms in the Hebrew Bible: A Comparative Semitic Approach” [Expressões idiomáticas verbais abreviadas na Bíblia Hebraica: Uma abordagem semítica comparativa], mas decidi mudar meu tópico para “‘I Am the Lord Your Healer’: A Philological Study of the Root RP’ in the Hebrew Bible and the Ancient Near East” [“‘Eu sou o Senhor que os cura’: Um estudo filológico do radical RP’ na Bíblia Hebraica e no Antigo Oriente Próximo).

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Eu tinha tantas perguntas que precisavam ser respondidas — exegéticas, linguísticas, práticas, teológicas e filosóficas — que queria me aprofundar no que a Palavra dizia sobre cura a partir do maior número de ângulos possível. Dez anos depois, a Zondervan publicou minha monografia, Israel's Divine Healer[O curador divino de Israel], como parte de sua série intitulada Studies in Old Testament Biblical Theology [Estudos na Teologia Bíblica do Antigo Testamento]. Nessa obra, expandi minha pesquisa de modo a incluir o Novo Testamento, o que apenas consolidou ainda mais minhas crenças sobre a cura ser para os dias de hoje.

Então, o que as Escrituras realmente dizem sobre cura milagrosa?

Em primeiro lugar, a Bíblia indica que os atos de cura milagrosa apontam para a bondade de Deus e são em geral uma extensão de sua compaixão (por exemplo, Mateus 14.14).

Como as Escrituras atestam, Jesus trouxe a plena revelação do Pai e inaugurou o reino de Deus — que incluía a cura dos enfermos e a libertação dos cativos (Lucas 4.18-21, João 14.8-11; 3). E, embora oremos para que o reino venha em sua plenitude com a volta de Jesus (Mateus 6.10), reconhecemos que, em sentido espiritual, o reino de Deus continua a crescer em todo o mundo.

Jesus ensinava claramente que quem cresse nele — uma fórmula universal no grego e no Evangelho de João (veja João 6.35; 7.38; 11.25; 12.44, 46, que se aplicam a todos os crentes) — faria as obras que ele fez e outras ainda maiores (João 14.12; o contexto imediato deixa claro que ele está falando de suas obras miraculosas).

Além disso, a Bíblia deixa claro que o derramamento do Espírito, que começou em Atos, veio acompanhado de línguas e promessas de profecia, sonhos e visões — e que seria para todas as pessoas e para toda esta era da igreja nestes “últimos dias” (Atos 2.14-21, 39).

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Paulo nos ordena diretamente a buscar com sinceridade os dons espirituais, especialmente a profecia, e a não proibir as línguas (1Coríntios 12.31; 14.1, 39). Ele também deixa claro que esses dons continuarão até o eschaton (1Coríntios 1.7; 13.8-10). Além disso, a cura milagrosa de enfermos, em resposta à oração de fé dos presbíteros locais, deve ser a norma em nossas igrejas (Tiago 5.13-16).

É claro que cada um desses conceitos poderia ser analisado com muito mais profundidade, mas é minha convicção pessoal que a Bíblia em si não dá base para a posição cessacionista. Ou seja, acredito que seja impossível apresentar um argumento exegeticamente robusto em favor do cessacionismo usando apenas a Bíblia. E para crentes adeptos da sola Scriptura, isso deve importar.

Grande parte do testemunho da história da igreja também atesta a continuidade dos sinais e maravilhas sobrenaturais.

ampla evidência da continuação de milagres após a morte dos apóstolos. Há também inúmeras histórias de céticos cristãos que mudaram de opinião sobre os milagres — entre os quais está o pai da igreja primitiva, Agostinho, que disse: “O que esses milagres atestam senão a fé que proclama que Cristo ressuscitou em carne e ascendeu ao céu em carne?”

Há também um número imenso de testemunhos da operação de milagres do Espírito em tempos atuais, ao longo dos séculos, e alguns foram cuidadosamente documentados em décadas recentes.

Dito isso, em última análise, eu aceito de bom grado qualquer debate no corpo de Cristo sobre como o Espírito Santo atua nos dias de hoje. Vamos todos por na mesa nossos melhores argumentos, com respeito e graça, para a glória de Deus e para o bem de seu povo.

Michael Brown é o apresentador do podcast Line of Fire [Linha de Fogo] e autor de mais de 45 livros, entre eles Revival or We Die [Avivemos ou morreremos] e Why So Many Christians Have Left the Faith [Por que tantos cristãos abandonaram a fé].

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