As mulheres solteiras estão passando por uma situação difícil ultimamente. O número crescente desse grupo é atribuído à ascensão da política “woke”[nome dado aos grupos mais progressistas em temas como justiça racial e social], ao egoísmo dos millenials e até à cultura incel [grupos virtuais de celibatários involuntários que desprezam mulheres]. Em alguns círculos cristãos, as mulheres solteiras são lembradas (no caso de terem se esquecido) da necessidade de se casarem e terem filhos, mesmo havendo um desequilíbrio de gênero entre os cristãos solteiros, e mesmo sendo desencorajadas a namorar pessoas que não professam a mesma fé.

É um jugo numérico que gera ansiedade para todos os lados.

Enquanto isso, as mulheres cristãs solteiras que conheço estão tentando tirar o melhor proveito de uma realidade complexa. Elas procuram servir a Deus com seu trabalho cotidiano, investem em amizades, na igreja, e também em oportunidades criativas e educacionais, à medida que surgem. Muitas delas também tentam conhecer homens cristãos, testar aplicativos de namoro e orar a respeito do assunto.

Suas vidas são, ao mesmo tempo, ricas e imperfeitas. Elas passam por ciclos de esperança e de frustração. Para a maioria dos solteiros que conheço, seu status não se deve à falta de tentativas ou à falta de honrar o casamento em si. Como observa o sociólogo Lyman Stone, em um artigo recente da CT, quando você questiona os cristãos solteiros hoje sobre o assunto, a maioria deles diz que quer se casar. Até a garota do shakshuka no Tik Tok disse isso.

Você não precisa ser calvinista para afirmar que Deus está presente para todas as pessoas que lutam com desejos não satisfeitos e dores silenciosas, e que Deus está realizando seus planos em todos os tempos, sejam eles de estabilidade ou de convulsão social, de declínio ou de mudanças sem precedentes. Para além disso, essas pessoas que se preocupam com o futuro da cristandade — ou talvez com a civilização ocidental e suas taxas de natalidade em declínio — são chamadas a se lembrar da principal forma como a igreja será preservada ao longo dos séculos.

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Em síntese: a questão é o batismo, e não apenas ter bebês. Afinal, Jesus ensinou que nascer não basta. Todos somos chamados a nascer de novo.

A história continua sendo instrutiva nesse sentido. No início, a igreja cresceu em número porque pessoas continuavam a dar testemunho verbal do Cristo ressuscitado, e outras acreditaram e confiaram nele. A igreja cresceu através da proclamação do evangelho acesa pelas chamas do Pentecostes (Atos 1.8), e não por alguma explosão de nascimentos entre os primeiros seguidores de Jesus.

As mulheres na igreja primitiva eram exaltadas pelo seu testemunho de fé, não por seu ventre. Quando comparado com as culturas romana e judaica, o cristianismo convidava mulheres solteiras — jovens e idosas — a desempenharem um papel crucial. Elas lideravam igrejas domésticas, financiavam viagens missionárias e estudavam grego e hebraico. A presença delas não era um problema a ser resolvido, mas um tesouro a ser explorado para a expansão evangelística.

As mulheres solteiras continuaram a desempenhar papéis fundamentais, mesmo depois de os reformadores protestantes terem devidamente colocado o casamento e a família em pé de igualdade com o celibato monástico.

Se a igreja medieval, com suas virgens mártires e suas visões místicas, for algo muito excêntrico para você, então, olhe para as mulheres solteiras que lideraram as missões globais — entre elas, Harriet Baker, Lottie Moon e Amy Carmichael — ou para aquelas como Nannie Helen Burroughs e Mahalia Jackson, que lideraram a igreja negra e o movimento pelos direitos civis. Florence Nightingale, Sojourner Truth, Corrie ten Boom e Sophie Scholl também sacrificaram muito pelo evangelho e, sem dúvida, mudaram o mundo.

Estas mulheres não servem apenas como modelos para os cristãos solteiros de hoje, como um constraste com uma história de realização materialista, na qual o eu sempre vem primeiro. Elas também lembram a todos nós, casados e solteiros, sobre onde devemos colocar a nossa esperança.

A aceitação de Paulo quanto a um cristão optar por ficar solteiro não deve ser descartada como se fosse uma estranha fixação de um homem intenso que pensava que o fim estava próximo. Em vez disso, ela lembra cada geração de cristãos que vivemos sempre no fim dos tempos — e que o casamento é um estado abençoado, mas penúltimo. Como escreveu o teólogo Stanley Hauerwas há mais de 30 anos:

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O estado de solteiro é aquela prática intrínseca à igreja, para que, como povo, sejamos lembrados de que vivemos pela esperança, não pela biologia. Simplificando, o estado de solteiro lembra à igreja que crescemos não através da atribuição biológica, mas através do testemunho e da hospitalidade ao estranho – que muitas vezes acaba sendo o nosso filho biológico. Como cristãos, acreditamos que todo cristão de uma geração possa ser chamado ao estado de solteiro, mas Deus recriará a igreja. (ênfase da autora)

Em tempos de declínio da igreja, os cristãos podem ser tentados a esquecer esta verdade e a recorrer aos meios naturais de difusão da religião. Se o discurso sobre o estado dos solteiros na igreja servir de indicação, poderíamos perguntar: Será que o evangelismo ainda funciona?

A renovada indignação em relação às mulheres solteiras fala da ansiedade de uma era secular, na qual sociólogos e pastores se perguntam quanto tempo a igreja irá sobreviver, se as taxas de frequência à igreja e de formação de famílias cristãs forem indicadores razoáveis do futuro.

Nestes tempos de ansiedade, as mulheres cristãs solteiras se sentirão pressionadas a escolher um par, casando-se e tendo filhos para perpetuar a fé. Afinal, os bebês parecem ser uma aposta melhor do que o evangelismo (mesmo que os pais lhes digam que criar os filhos na fé não é uma aposta infalível, já que crianças são, de forma um tanto quanto inconveniente, pessoas com vontade própria).

Mas a mensagem implícita é que as mulheres solteiras de hoje deveriam minimizar ou ignorar as preocupações atuais, que não vão desaparecer. Essas preocupações incluem fatores como compatibilidade, níveis proporcionais de educação e de maturidade espiritual, e o desejo de encontrar segurança física e emocional no casamento.

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As mulheres são pressionadas a formar um casal com homens inadequados e/ou não-cristãos, o que só aumenta o risco de divórcio. (Curiosamente, ouço muitas histórias de cristãos que, devido a essa cultura da pureza e à fixação da igreja na questão da família, casaram-se jovens apenas para descobrir que não estavam preparados para as tempestades que viriam pela frente.)

Pior ainda, estas pressões reduzem o valor das mulheres a seus corpos e reduzem seus corpos a uma utilidade religiosa. Nem é preciso dizer que essa abordagem parece ser uma péssima maneira de manter as mulheres solteiras engajadas na igreja.

Os líderes da igreja têm razão em continuar a honrar o casamento e a família. Ambos são abençoados por Deus. Ambos são caminhos de vida que estimulam a santificação e cuidam dos vulneráveis entre nós. Mas isso não significa que devamos valorizar o casamento e a família estritamente como formas de gerar bebês cristãos.

Somos audaciosos o suficiente para acreditar que as pessoas vêm para a fé por ouvirem e crerem nas boas-novas. Sabemos que o cristianismo cresce por meios sobrenaturais. E estamos confiantes de que o evangelho que pregamos é “o poder de Deus que traz salvação a todo aquele que crê: primeiro ao judeu, depois ao gentio” (Romanos 1.16).

O que está em jogo nesta conversa é mais do que a mera inclusão de pessoas solteiras nas igrejas locais, por mais importante que isso seja. Dados preocupantes sobre a frequência à igreja e a formação de famílias dão a todos os cristãos, tanto solteiros quanto casados, a oportunidade de se lembrarem qual é a fonte da nossa esperança: a Palavra de Deus, que renova corações e mentes pelo poder do Espírito.

Filhos são mais do que meros dados estatísticos e mulheres solteiras são muito mais do que apenas o seu potencial de dar à luz. Devido à nossa esperança no senhorio de Deus sobre todas as épocas da história, inclusive sobre esta estranha época em que nos encontramos, podemos enxergar as mulheres solteiras não como problemas a serem resolvidos, mas como personagens cruciais na obra contínua de Deus no mundo — tal como a igreja as enxergava, desde o começo.

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Katelyn Beaty é diretora editorial da Brazos Press, uma divisão do Baker Publishing Group, e autora de Celebrities for Jesus: How Personas, Platforms, and Profits Are Hurting the Church.

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