Este artigo foi adaptado da newsletter de Russell Moore.

Há mais ou menos um ano, meu amigo David French e eu estávamos falando para um grupo de jovens funcionários do Congresso, no Capitólio, quando um jovem, que é republicano e cristão evangélico, nos perguntou por que criticaríamos o que está acontecendo agora na direita.

“Com toda a hostilidade que vem do secularismo e da ideologia progressista contra os cristãos”, perguntou ele, “por que não bater na esquerda, em vez de na direita?"

Com bastante frequência, ouvimos esse tipo de reclamação da boca de cristãos que se professam evangélicos — geralmente em resposta a algum livro que gera discussões, como o de Kristin Kobes Du Mez, Jesus and John Wayne [publicado no Brasil sob o título Jesus e John Wayne], ou a nova obra de Tim Alberta, The Kingdom, the Power, and the Glory [O Reino, o Poder e a Glória]. Essas objeções costumam ser formuladas em termos que falam da manutenção da “unidade da igreja”, geralmente retratando como traidores os evangélicos que discordarem do nacionalismo cristão ou da política identitária branca, acompanhado de um subtexto não dito [mas implícito]: “A primeira regra do Clube dos Nascidos de Novo é que não falamos sobre o Clube dos Nascidos de Novo”.

De quando em quando, essa crítica se estende até a série de escândalos provenientes do cristianismo evangelical americano, às vezes sob o argumento de que evangélicos “que atacam o nosso próprio lado” no que diz respeito a essas questões só farão com que os incrédulos nos odeiem mais e os cristãos confiem menos em seus líderes.

Esse argumento é semelhante à política “Sem inimigos de esquerda”, adotada por alguns setores progressistas americanos, em meados do século passado, em relação à União Soviética e ao totalitarismo comunista. Alguém podia até sussurrar que Josef Stalin era horrível, mas dizer isso publicamente só serviria para fortalecer os anticomunistas autoritários. Podia-se até reconhecer que figuras como Alger Hiss certamente pareciam ser ativos da KGB, mas jamais se podia dizer isso em palavras. Afinal, com o macartismo em alta e repleto de falsas acusações sobre infiltrados comunistas, por que reconhecer que alguns desses infiltrados poderiam de fato existir?

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A estratégia até que faz sentido em termos darwinianos, pois, se um grupo — seja ele um sindicato, um partido político ou uma igreja — for uma unidade tribal que evoluiu para se reunir em torno da fogueira por medo dos tigres dentes de sabre no escuro, não importa o que aconteça. E, no entanto, mesmo que se aceite essa premissa, a estratégia não se sustenta. Isso é especialmente verdadeiro em um contexto de compromisso declarado com a ortodoxia cristã.

Em primeiro lugar, os pontos da discussão refutam a si mesmos. Se os cristãos que criticam outros cristãos — especialmente para ouvidos incrédulos — estão errados, por atacarem a unidade da igreja e, em vez disso, deveriam falar principalmente de “todas as coisas boas que fazemos”, então, por que não é errado cristãos criticarem os cristãos que criticam outros cristãos? Na raiz desse argumento está o próprio tipo de relativismo moral desconstrucionista que fomos ensinados a rejeitar.

Porém, o mais importante é que o argumento “bata só na esquerda” é, na melhor das hipóteses, uma revelação de falta de familiaridade com o texto real da Bíblia e, na pior delas, uma negação da autoridade bíblica. Além disso, esse argumento revela uma concordância com os inimigos da igreja cristã — no sentido de que a igreja é apenas mais uma tribo partidária.

Afinal, o que é pior nas Escrituras: os ídolos pagãos das nações ao redor de Israel ou os bezerros de ouro que o próprio Jeroboão colocou em Betel e Dã? Por toda a Bíblia, Deus denuncia e ridiculariza os falsos deuses das nações — mas, quase sempre, como um aviso ao seu próprio povo para que não fizesse o mesmo.

Os bezerros de ouro de Jeroboão, como o bezerro de ouro de Arão, antes dele, não são apenas errados; são também blasfemos. Jeroboão, o rei de Israel, usou o nome de Deus para cumprir uma agenda política — para impedir que as pessoas viajassem a Judá para adorar — como se ele estivesse falando com a autoridade de Deus (1Reis 12.25-33). O Espírito Santo, falando nas Escrituras, denuncia esse fato nos termos mais severos possíveis: “E isso se tornou um pecado para a casa de Jeroboão, de modo que a cortaram e a destruíram da face da terra” (1Reis 13.34, ESV).

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A ação de Jeroboão é perfeitamente racional em termos estritamente políticos. Afinal de contas, todas as nações do mundo estavam unidas em torno de seus deuses, de sua adoração. É por isso que os tratados, as alianças e os casamentos quase sempre incluíam a importação dos deuses de outra pessoa.

Tudo isso já é ruim o bastante, mas se torna muito pior porque Deus realmente existe, porque ele realmente falou. Jeroboão não estava apenas pecando como indivíduo, nem estava apenas levando uma comunidade a pecar. Ele estava levando o povo de Deus, o povo da aliança à idolatria, dizendo-lhes que aquilo era adoração a Deus.

É por isso que o apóstolo Paulo escreveu que as hipocrisias de seu próprio povo eram ainda piores do que os mais baixos atos de rebeldia dos pagãos. Sobre aqueles que deveriam instruir as nações e ser “luz para os que estão nas trevas”, mas que estavam cometendo os mesmos pecados que denunciavam, Paulo escreveu: “O nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vocês” (Romanos 2.19, 24).

Teologicamente falando, Jesus tinha muito mais em comum com os escribas e os fariseus do que com os cobradores de impostos ou mesmo com os saduceus. Suas denúncias mais severas, no entanto, são dirigidas aos fariseus. Por quê? Precisamente porque esses líderes religiosos “sentam na cadeira de Moisés” (Mateus 23.2). Como o irmão de Jesus escreveria mais tarde, aqueles que reivindicam a autoridade da igreja para ensinar “serão julgados com maior rigor” (Tiago 3.1).

No grande esquema da política mundial, o que importa mais: um império inteiro entregue à imoralidade sexual e cultural, bem como à adoração de todo um panteão de falsos deuses — ou um pequeno grupo de cristãos reunidos em uma cidade portuária que ignoram o mau comportamento de seus próprios membros? O que mais importa é esta última opção, segundo escreveu o apóstolo Paulo.

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Na verdade, ele escreveu que não estava dizendo para que as pessoas se desassociassem dos incrédulos — nem mesmo dos mais fornicadores, fraudadores e idólatras. “Pois o que tenho a ver com o julgamento dos de fora? Não são os que estão dentro da igreja que vocês devem julgar? Deus julga os de fora” (1Coríntios 5.12-13, ESV).

Com todas as perseguições que a igreja enfrentava, por que Paulo não “bateu só nos pagãos”? Não foi por ele levar a igreja menos a sério do que levava o mundo, mas sim porque a levava mais a sério do que o mundo. Segundo Jesus lhe dissera, a igreja é o corpo do próprio Cristo.

Quando uma geração está mais encantada com coisas como a Values Voter Summit [algo como Cúpula de Eleitores de Valor, uma conferência anual para ativistas conservadores norte-americanos] do que com a Escola Bíblica de Férias, os argumentos a favor dos profetas que denunciavam o “inimigo” e reafirmavam o povo de Deus parecem plausíveis.

Dizer a Israel “que os utensílios da casa do Senhor serão em breve trazidos de volta da Babilônia” (Jeremias 27.16, ESV) pode soar como uma forma de edificar a unidade do povo. Afinal, não é assim que se mantém a confiança, concentrando-se nas “coisas boas” e nos dizendo que tudo está prestes a melhorar? Jeremias, porém, disse que isso era uma mentira. E quando o fez, disseram que ele estava traindo seu próprio povo — que ele estava do lado dos babilônios (v. 16-22).

Hananias teria parecido um “evangélico” mais leal do que Jeremias. Ele bateu em Nabucodonosor e animou os que eram do “nosso lado”. E Deus disse, por intermédio de Jeremias: “Escute, Hananias! O Senhor não o enviou, mas assim mesmo você persuadiu esta nação a confiar em mentiras” (Jeremias 28.15). Jeremias disse que a “unidade” pregada por Hananias era, na verdade, “rebelião contra o Senhor” (v. 16).

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Mesmo em um nível infinitamente menos sério do que o da política, para aqueles de nós que realmente se importam com o conservadorismo, o fato de equipará-lo [o conservadorismo] à demagogia autoritária ou à predação sexual é, na verdade, a maior vitória possível para a esquerda. Isso deixa o país com um conservadorismo sem princípios e permite que uma geração inteira equipare o conservadorismo ao nacionalismo branco, ao antiliberalismo inconstitucional ou a mais básica misoginia. Isso torna o progressismo, na mente de muitas pessoas, a única alternativa que se percebe contra a insanidade ou a crueldade.

Tudo isso talvez nem tenha tanta importância — a menos que os princípios conservadores sejam realmente verdadeiros. E mais até do que isso, é de importância crucial essa credibilidade teológica e moral que brota de dentro do cristianismo evangelical — de uma igreja que afirma ser (imperfeitamente) a “luz do mundo”, que traz uma palavra de “assim diz o Senhor” (em uma era de desconstrução da autoridade) e um chamado ao arrependimento e à fé (em uma era de moralidade relativizada). O cristianismo evangelical só pode oferecer ao mundo aquilo de que ele não abriu mão a respeito de si mesmo.

Baal, Ártemis e Odin sempre serão melhores como mascotes tribais do que o Cristo crucificado. “Bata no outro lado” é um conselho que sempre soa melhor aos ouvidos dos especialistas e entendidos do que “Arrependa-se, pois o reino dos céus está próximo” jamais soará. “Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” sempre soará mais como uma notícia ruim do que como uma notícia boa para um grupo que deseja vencer. Tudo isso é evidente por si mesmo — a menos que o céu, o inferno, o evangelho e Deus realmente existam.

O evangelho não vem acompanhado de uma ordem de mordaça. Passamos a acreditar que ele vem [acompanhado dessa ordem] quando desistimos das palavras “Você precisa nascer de novo”.

Russell Moore é o editor-chefe da Christianity Today e lidera o Projeto de Teologia Pública.

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