Jesus Cristo é, sem dúvida, o homem mais famoso que já existiu. Sua imagem está em toda parte. Mas qual era, de fato, a aparência do homem-Deus de Nazaré?

Muitas vezes imaginamos uma “aparência” específica, com base em representações artísticas que vimos. Muitos desses retratos, porém, são influenciados pela cultura do artista. E, embora possamos pressupor certos traços visuais, tomando como base a época e a cultura em que Jesus viveu, há poucas evidências explícitas para essas suposições. De fato, a Bíblia nos diz muito pouco ou quase nada sobre a aparência de Jesus.

Além da observação feita por Isaías de que Jesus “não tinha nenhuma beleza ou majestade” (Isaías 53.2), as Escrituras nunca nos dizem qual era a estatura de Jesus, que tipo de cabelo ele tinha,que tipo de corpo, qual era a cor dos seus olhos, que tipo de roupa ele usava ou até mesmo qual era a cor de sua pele.

É um tanto inesperado que a Bíblia não comente sobre a aparência física de Jesus, já que, naquela época, a aparência física de uma pessoa geralmente correspondia a seus traços de caráter. Pode ser que os autores da Antiguidade fizessem observações sobre aspectos da aparência de seu personagem principal com o intuito de destacar ou antecipar algo sobre este.

Por exemplo, o Antigo Testamento nos diz que o rei Saul era “jovem de boa aparência, sem igual entre os israelitas; os mais altos batiam nos seus ombros” (1Samuel 9.2) e que o rei Davi era “ruivo, de belos olhos e boa aparência” (1Samuel 16.12). Cada uma dessas descrições sinalizava seu apelo heroico e real para o povo de Israel.

O único lugar em que a narrativa do Novo Testamento volta seu foco para a aparência de Jesus é na Transfiguração (veja os relatos paralelos em Mateus 17.1-8; Marcos 9.2-8; Lucas 9:28-36; 2Pedro 1.16-20). E embora haja muita coisa que poderíamos dizer sobre o significado último da Transfiguração, vamos analisá-la a partir de uma perspectiva mais filosófica — e especialmente no que diz respeito à sua ênfase singular no rosto e nas vestes de Jesus.

No relato de Mateus, o autor observa que o rosto de Jesus “brilhou” (17.2), enquanto Lucas diz que a aparência de seu rosto “se transformou” (9.29). Antes disso, apenas uns poucos textos mencionam o rosto de Jesus. Sabemos que Jesus volta a sua face para Jerusalém (Lucas 9.51-53), que ele prostrou-se “com o rosto em terra” no Getsêmani (Mateus 26.39) e que as pessoas cuspiram em seu rosto e o vendaram, enquanto ele estava sendo julgado (Mateus 26.67; Marcos 14.65). Há também textos que falam sobre Jesus não demonstrar “parcialidade”, o que é uma referência mais literal a ele revelar sua face para as pessoas (Mateus 22.16; Marcos 12.14; Lucas 20.21).

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Embora os textos sobre a Transfiguração não descrevam a aparência do rosto de Jesus, a ênfase que dão a isso é importante. Tanto na Antiguidade quanto hoje, nosso rosto é uma das partes do nosso corpo de teor mais relacional — ver o rosto de alguém geralmente envolve um encontro pessoal. Também é visto como um aspecto íntimo de Deus, quando se trata de suas singulares aparições a seres humanos nas Escrituras.

O Antigo Testamento descreve momentos em que Deus interage com certas pessoas “face a face”. A primeira vez que vemos essa expressão é depois que Jacó luta com Deus, quando o narrador diz que Jacó deu ao lugar o nome de Peniel, a palavra hebraica para a “face de Deus”. “Vi a Deus face a face e, todavia, minha vida foi poupada” (Gênesis 32.30), diz Jacó. Deus também revela sua face e fala com Moisés “face a face, como quem fala com seu amigo” (Êxodo 33.11) — o que foi uma honra rara e significativa.

A expressão “face a face” não deve ser entendida literalmente, uma vez que o pedido de Moisés para ver a face de Deus foi negado (Êxodo 33.18-20); mas é uma expressão idiomática para o encontro com Deus que comunica uma proximidade relacional. De maneira semelhante, a ênfase da Transfiguração na face de Jesus implica que se trata de um encontro divino. E, embora não saibamos exatamente como era o rosto de Jesus, acabamos aprendendo que isso não é a coisa mais importante a saber sobre Jesus.

Outra característica única dos relatos da Transfiguração é a menção às vestes de Jesus. Mateus afirma que elas “se tornaram brancas como a luz” (17.2) e Marcos afirma que elas se tornaram “brancas, de um branco resplandecente, como nenhum lavandeiro no mundo seria capaz de branqueá-las” (Marcos 9.3). Da mesma forma, Lucas diz que suas roupas ficaram “alvas e resplandecentes como o brilho de um relâmpago” (Lucas 9.29).

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Nossas roupas são feitas para se ajustarem e colarem ao nosso corpo e, portanto, são, de certa forma, uma extensão de nossa presença pessoal. Nossas roupas também nos revelam e nos escondem — elas revelam algo sobre a nossa figura, mas também escondem outros aspectos. E, em última análise, as roupas são coisas criadas e, portanto, representativas da criação. A humanidade a princípio tentou se vestir com folhas de figueira (Gênesis 3.7), mas Deus, que era seu verdadeiro alfaiate, fez-lhes “roupas de pele” (Gênesis 3.21).

Os escritores dos Evangelhos não nos contam nenhum detalhe específico sobre as roupas transfiguradas de Jesus, a não ser o fato de que elas brilhavam. Mas esse único detalhe diz muito — sobre Jesus e, em última análise, sobre nós. O fato de que Jesus estava usando roupas em seu encontro com o Pai e que elas, assim como o seu rosto, brilhavam, é uma declaração poderosa: Tudo o que se une a Cristo, até mesmo suas roupas tão comuns, é transformado por ele. Quem quer e o que quer que Jesus toque acabará brilhando com luz resplandecente. Aqueles de nós que estão unidos a Cristo um dia serão glorificados como ele foi (1Coríntios 15.40-44).

As roupas de Jesus o cobrem e o revelam. Elas brilham tão intensamente que não podemos vê-las em detalhes; mas elas também nos dão uma prévia — não apenas da glória dele, mas também da nossa glória futura e da glória do reino vindouro. O livro de Apocalipse nos diz que aqueles que perseverarem até o fim também estarão vestidos de branco (Apocalipse 3.5). Deus convida seu povo a receber dele vestes brancas, e os que estão no céu são descritos como alguém que está vestido de branco (4.4; 7.9-14).

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Em outras palavras, nos relatos da Transfiguração, a ênfase nas roupas funciona como uma prévia da transformação final do povo de Deus e de seu lar. E embora não saibamos nenhum outro detalhe tangível sobre o tipo de roupa que Jesus usava, os autores dos Evangelhos pareciam estar escrevendo com uma realidade mais importante em mente.

A Transfiguração é a única passagem nas Escrituras que inclui uma descrição física de Jesus — e, mesmo assim, sua aparência é, em grande parte, obscurecida por um brilho ofuscante. No entanto, o resplendor dessa cena é intencional. Do início ao fim, as Escrituras afirmam que os seres humanos não podem ver a Deus. Assim como Deus disse a Moisés que nenhum homem pode ver a sua face e viver (Êxodo 33.20), somos informados de que “ninguém jamais viu a Deus” (1João 4.12) e que Deus é “invisível” (1Timóteo 1.17; Hebreus 11.27).

Paulo esclarece ainda que Deus “habita em luz inacessível, a quem ninguém viu nem pode ver” (1Timóteo 6.16). E assim, a luz descrita nos relatos da Transfiguração tem duas funções ao mesmo tempo — é ofuscante e reveladora. É ofuscante, porque ninguém pode ver a Deus e viver. No entanto, ao mesmo tempo, ela revela que Jesus é o mediador entre Deus e a humanidade, e que é somente nele e por meio dele que podemos ver a verdadeira glória de Deus (João 1.14, 18).

Talvez seja por isso que não temos uma descrição mais detalhada da aparência física de Jesus. Para outras figuras do mundo antigo, essa descrição era apropriada. Mas, no caso de Jesus, que é “a imagem do Deus invisível” (Colossenses 1.15), é mais adequado que os autores bíblicos o retratem em uma luz resplandecente. No entanto, também é apropriado que eles destaquem seu rosto e suas roupas como os principais pontos focais de luz, pois Jesus também é totalmente homem.

Em última análise, os relatos da Transfiguração simplesmente nos oferecem outra maneira de afirmar o que sempre dissemos sobre Jesus: que ele é verdadeiramente Deus e é verdadeiramente homem, possuindo duas naturezas em uma só pessoa. Isso nos lembra que devemos respeitar tanto a transcendência quanto a imanência de Jesus. Ele está perto de nós e longe de nós — ele é semelhante a nós e diferente de nós. E, um dia, aqueles que nele confiam se tornarão exatamente como ele, pois, finalmente, o veremos como ele realmente é (1João 3.2).

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Patrick Schreiner leciona Novo Testamento no Midwestern Baptist Theological Seminary, em Kansas City, Missouri. Ele é autor de vários livros, entre eles The Transfiguration of Christ [A Transfiguração de Cristo].

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