Quando eu estava no seminário, meu marido e eu nos reunimos com um pastor da nossa confiança. Contamos a ele como estávamos gostando das matérias de teologia sistemática e estudos bíblicos. A conversa, então, se voltou para nossas vidas pessoais. Meu marido mencionou que estava lutando para passar tempo em oração e que ele e eu estávamos brigando feito cão e gato.

Nosso pastor respondeu com a maior naturalidade: “Sabe, vocês não podem ter ortodoxia sem ortopraxia”.

Eu e meu marido estávamos familiarizados com essa ideia, mas, mesmo assim, ela nos atingiu como um raio. Tínhamos entrado no seminário para mergulhar nas Escrituras e na boa doutrina, mas precisávamos ser lembrados de que ortodoxia (crença correta) e ortopraxia (ação correta) estão tão essencialmente interligadas que, se negligenciarmos uma, perderemos a outra.

Os cristãos defendem essa unidade de crença e ação. Mas, muitas vezes, negligenciam outra parte fundamental da fidelidade: a ortopatia.

Essa palavra significa o cultivo de paixões ou sentimentos corretos. Designa a realidade de que nós, como cristãos, não apenas professamos a verdade de Jesus e praticamos as coisas que ele nos diz para praticar, mas também nos esforçamos para fazer tudo isso segundo o caráter de Cristo.

A ortopatia envolve uma vida interior redimida e transformada. Isso inclui nossos sentimentos e emoções. Porém, mais fundamentalmente, envolve nossa estrutura motivacional, nossos anseios e nossos desejos — aquilo que mais profundamente nos move. O objetivo mais amplo da ortopatia é que nossa disposição total seja transformada, de modo que se torne mais parecida com a de Jesus.

Essa ideia não é nova. Isaque, o Sírio [bispo e teólogo também conhecido como Isaque de Nínive], disse que virtude não é simplesmente fazer a coisa certa, mas fazê-la com “um coração que é sábio quanto àquilo que espera e cujas ações são acompanhadas pela intenção correta”. Agostinho dizia a seu rebanho que qualquer estudo das Escrituras e da doutrina deve ter o propósito de edificar a caridade, o amor e a graça.

Todos nós já vimos as horríveis consequências quando alguém apaixonado pela ortodoxia não incorpora a disposição interior de Jesus. Elas acabam destruindo as pessoas.

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Todos nós somos aparentemente capazes de falar a verdade com um espírito de menosprezo, impaciência, arrogância ou medo. “Defender a verdade” sem humildade ou sem bondade adultera o evangelho que proclamamos. Não se pode ter ortodoxia sem ortopatia.

Da mesma forma, não se pode ter ortopraxia sem ortopatia. Se as pessoas buscam agir de forma biblicamente motivada, por exemplo, cuidando dos pobres ou defendendo a justiça, mas o fazem sem a mesma postura de Jesus, então, a ortopraxia se perde em meio à arrogância, ao legalismo e a uma postura política hipócrita.

A visão última da ortopatia cristã é o fruto do Espírito. Em Gálatas 5, quando Paulo contrasta esse fruto com as “obras da carne”, ele inclui estados internos do coração: impureza, ódio, discórdia, ciúmes, ira, dissensões e inveja.

Alguém pode se dedicar a agir assim, mesmo quando professa ideias corretas sobre cristologia, eclesiologia ou sexualidade humana, e até mesmo quando é voluntário em obras de caridade ou lidera o louvor. Essa possibilidade deveria fazer todos nós ao menos tremermos. É muito mais fácil professar um ponto de vista, recitar um credo ou dedicar tempo a uma causa nobre do que nos livrarmos de ressentimentos, orgulho ou antipatia.

Nessas passagens, Paulo sugere que nossa profundeza interior, e não somente nossas crenças e ações, devem ser curadas e transformadas por Jesus.

Como, então, cultivamos a ortopatia? Não é uma questão de vontade, como se pudéssemos simplesmente redobrar nossos esforços para “agir melhor”. Ela não brota automaticamente da ortodoxia, de modo que não podemos entendê-la por meio de uma doutrina melhor. Ela também não decorre inevitavelmente da ortopraxia, de modo que não podemos nos ocupar com deveres cristãos que sejam suficientes para alcançá-la.

Em vez disso, a formação e a cura de nossa vida interior vêm através de anos de arrependimento e profunda união e comunhão com Deus.

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Assumir o caráter de Jesus não é algo que possamos controlar, administrar ou produzir com facilidade, por conta própria. Precisamos da transformação de Deus. Precisamos da cura profunda de Cristo. E precisamos da direção misteriosa do Espírito Santo, para nos ajudar a incorporar em sua totalidade a integridade cristã: a ortodoxia, a ortopraxia e a ortopatia.

Tish Harrison Warren é uma sacerdotisa da Igreja Anglicana da América do Norte e autora de Liturgy of the Ordinary e Prayer in the Night.

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