“Você tem a impressão de que todos na sua igreja estão ficando mais liberais?”

Alguém fez essa pergunta em um recente encontro de pastores evangélicos de que participei, na região de Nashville. A pessoa que levantou a questão descobriu recentemente que a maioria das jovens da sua congregação não concordava com as convicções complementaristas da igreja.

Apenas minutos antes, eu havia conversado com alguns pastores sobre um jovem rapaz que tinha o péssimo hábito de frequentar os cultos de uma igreja por várias semanas, e decidir que algo do que fora dito ou feito expunha a igreja como “liberal”; em seguida, passava a frequentar os cultos da próxima congregação. (A minha congregação foi uma das que ele visitou e julgou).

“Acho que muitas das mulheres em nossas igrejas estão se tornando mais liberais”, eu disse. “Mas também acho que os homens estão ficando mais conservadores.”

Uma série de dados empíricos fornece evidências desta tendência crescente. Generations [Gerações], o novo livro de Jean Twenge, professora de psicologia da Universidade Estadual de San Diego, demonstra que entre os alunos do último ano do ensino médio, 30% das mulheres jovens se identificam como conservadoras — uma queda de mais de 10% na última década.

Entretanto, o número de homens jovens que se identificam como conservadores mais do que dobrou: bateu um recorde histórico de 65%.

Lyman Stone e Brad Wilcox observam, no The Atlantic, que a porcentagem de jovens mulheres solteiras que se identificam como liberais é quase o dobro da porcentagem de homens jovens e solteiros, e que a porcentagem de homens jovens e solteiros que se identificam como conservadores é o dobro da porcentagem de jovens mulheres solteiras.

Podemos esperar encontrar as mesmas tendências na igreja. Já em 2014, o “Estudo do cenário religioso”, conduzido pelo Pew Research Group, revelou que, embora os cristãos fossem esmagadoramente conservadores do ponto de vista da política, havia uma diferença percentual de 18 pontos entre as mulheres cristãs liberais e os homens cristãos liberais. Poderíamos presumir com toda razoabilidade que essa disparidade aumentou na última década, tal como aconteceu entre a população em geral.

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Ao observar os cristãos debaterem essa fissura crescente, muitas vezes ouço duas reações instintivas. Alguns veem um problema de discipulado entre as mulheres.

“O problema”, segundo eles, “é que as nossas mulheres estão sendo cooptadas por podcasters e influenciadores progressistas nas redes sociais. Elas estão se tornando presas dessa tendência liberal. Precisam ser discipuladas para adotarem uma posição mais conservadora.”

Outros enxergam um problema de discipulado entre os homens: “Todos esses jovens estão sendo discipulados mais por Jordan Peterson do que por Jesus. Eles precisam ouvir os marginalizados e adotar uma posição política mais progressista.”

Ambas as respostas são míopes. Nenhuma delas vai além da superfície. E cada uma delas alienará um sexo ou o outro. Em vez de nos precipitarmos com reações rápidas, precisamos abrir espaço para reflexão. O que é que os homens e as mulheres procuram (e aparentemente encontram) em seus partidos políticos? O que os leva a se identificarem tão profundamente com um movimento que é de fora da igreja, a ponto de ameaçar sua identificação com outros que são de dentro dela?

A resposta, penso eu, pode ser mais simples do que esperamos.

Nos últimos anos, a mensagem da esquerda para as mulheres na América tem sido alta e clara: “Nós queremos vocês. Vocês pertencem a este lugar. Vocês têm um lar aqui. Vocês são bem-vindas. Vocês não são parte do problema”. Mas o mesmo movimento tem dito frequentemente aos homens — especialmente aos homens brancos, heterossexuais e cristãos: “Vocês são o problema.Os homens são opressores. São abusadores. Não são confiáveis”.

Em contrapartida, os conservadores na América têm jogado com o sentimento de vitimização dos homens, dizendo-lhes: “Ainda precisamos de vocês. Vocês ainda têm um papel a desempenhar. Nós queremos vocês. Vocês são bem-vindos aqui. Os homens não são parte do problema”. Esse mesmo movimento, porém, elegeu como seu porta-estandarte um presidente do sexo masculino que se vangloriava descaradamente de ter agredido sexualmente mulheres. “Vocês são o problema” , o conservadorismo sempre disse às mulheres. “Vocês não são confiáveis”.

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Como pastor, minha principal preocupação é a igreja local. Como eu e outros poderemos liderar com sabedoria, na medida em que nossas congregações vivem esta divisão entre homens e mulheres, que é induzida pela política?

Teologicamente falando, precisamos de uma dose salutar da “doutrina sobre a qual a igreja se mantém de pé ou cai”. Em Gálatas 2, Paulo conta como se opôs a Pedro, por este praticar a justificação pelas obras. Se nos dividirmos por questões de preferência política, estaremos fazendo exatamente a mesma coisa. E, assim como Pedro, estaremos condenados.

Nenhuma pessoa é justificada pelas obras da lei — entre as quais está a nossa preferência política. Somos justificados pela graça, mediante a fé em Cristo, e não temos o direito de construir barreiras entre as pessoas e Deus, ou entre as pessoas e a igreja, com base em quem cada um optou por votar.

Em termos práticos, os líderes da igreja precisam dar o exemplo de uma amizade saudável entre os gêneros. Sim, os limites são importantes e cada pessoa precisa seguir as suas convicções guiadas pelo Espírito. Mas a amizade entre homens e mulheres é algo essencial para comunidades saudáveis.

Os relacionamentos entre os gêneros têm uma presença inegável na Bíblia, na história da igreja e em qualquer cultura próspera. Ser exemplo de uma amizade caridosa, graciosa e, sim, sábia, que atravesse a fronteira entre os gêneros, é uma forma proveitosa de promover a unidade na igreja local.

Mas talvez não haja nada que precisemos aprender mais urgentemente com este momento do que a verdade de que as pessoas querem ser prezadas, estimadas. O fato de tantas pessoas sentirem que um dos dois principais partidos lhes disse Vocês não são bem-vindas ou bem-vindos aqui é um julgamento que pende sobre a nossa era política. Que vergonha para as nossas igrejas se metade da população ouvir o mesmo de nós!

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Se tratarmos a tendência esquerdista das mulheres como o problema, apenas estaremos inflando o orgulho de algumas e expulsando outras. Se tratarmos a tendência dos homens para a direita como o problema, apenas estaremos inflando o orgulho de alguns e expulsando outros.

Mas se seguirmos o exemplo do amor de Jesus Cristo, que se entregou pelos pecados de “todo o mundo” (1João 2.2) — o que inclui homens e mulheres, a esquerda e a direita —, as nossas palavras e ações dirão em alto e bom som: “Vocês não são um problema aqui. Vocês são bem-vindos e bem-vindas. Nós estimamos vocês. Vocês são amados e amadas. Vamos seguir Jesus juntos”.

Taylor Combs atua como pastor principal da Igreja King’s Cross em East Nashville, Tennessee.

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