Faço parte da categoria aparentemente diminuta de homens que não se preocupam com o Império Romano. É provável que eu consiga descrever os principais acontecimentos dos reinados de três a cinco de seus imperadores, mas não muito mais do que isso. E suspeito que não estou sozinho, quando se trata de lembrar detalhes desse tipo. Com exceção de uns poucos desses líderes antigos, a maioria deles já desapareceu da imaginação do público. Eles lutaram, combateram, assassinaram e planejaram seu caminho para a supremacia, e depois caíram no esquecimento.

O mesmo acontece com os presidentes americanos, apesar de estarem mais próximos. Conheço os que foram excepcionalmente bons e ruins, mas não guardo registro de outros que já ocuparam o cargo mais alto do país. Essas são as vicissitudes da história. Em nossa vaidade, nós, seres humanos, queremos escrever nossos nomes nos anais da história — só que a geração seguinte chega bem abastecida de borrachas.

Mas Pôncio Pilatos, o governador da província romana da Judeia, no primeiro século, conseguiu se tornar memorável. Na Páscoa, meninos irrequietos entram nas igrejas vestidos com trajes militares romanos, que produziram em casa para fazer o papel de Pilatos. Ele é um personagem central nas encenações dramáticas de toda Semana Santa.

Ele também é mencionado no Credo Niceno, uma confissão central de nossa fé. O nome de Pôncio Pilatos tem sido repetido inúmeras vezes, domingo após domingo, ao longo dos últimos mil e quinhentos anos desde a ratificação desse credo, o que fez dele um dos nomes mais conhecidos do mundo. O credo se refere ao seu papel na morte de Jesus com brevidade característica: “e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos”. Essas palavras já foram ditas por bilhões de pessoas, mas quem foi esse governador de província e o que ele tem a nos ensinar sobre os perigos da fama?

Pilatos pertencia à alta classe da sociedade romana. Ele foi nomeado para o cargo de governador da Judeia, uma região instável, propensa a revoltas e rebeliões. Pilatos provavelmente via seu tempo na Judeia como um trampolim para algo mais grandioso, talvez a supervisão de alguma parte mais atrativa do império.

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Nesse aspecto, Pilatos foi como muitos alpinistas de carreira que passaram por algum lugar visando chegar a outro. A ambição é algo comum à humanidade. Muitos de nós temos o objetivo de construir um currículo e, finalmente, chegar a qualquer posição que acreditamos ser necessária para fazermos um nome. Temos um desejo inato de fazermos algo especial, de sermos memoráveis.

É nesse contexto que Pilatos conhece Jesus. No evangelho de Mateus, quando Jesus é levado à presença de Pilatos, ele já havia sido preso e interrogado pelo Sinédrio (Mateus 26.57-68). É sexta-feira de manhã, e Pilatos inicialmente faz uma pergunta direta a Jesus: “Você é o rei dos judeus?” (Mateus 27.11). Para o povo judeu, essa era uma pergunta teológica relacionada ao cumprimento da profecia messiânica e à esperança do resgate de Deus. Para Pilatos, não se tratava de nada disso. Para ele, a questão era se Jesus reivindicava para si uma realeza que pudesse ameaçar a Pax Romana.

Os cristãos se lembram da morte iminente de Jesus nas mãos de Pilatos como parte da história do evangelho; para Pilatos, no entanto, a questão era em grande parte política e pessoal: Para as aspirações de Pilatos em relação à sua carreira no império, seria melhor se Jesus morresse? Apesar de sua aparente percepção de que Jesus era inocente quanto às acusações políticas feitas contra ele (Lucas 23.13-16), Pilatos acaba dizendo sim e sentenciando Jesus à morte.

Nesse sentido, Pilatos representa todos as concessões morais que fazemos para alcançar o que a sociedade nos diz que devemos desejar. Nos EUA, ao longo de toda a nossa história republicana, há um consenso de que os líderes dos dois principais partidos têm feito esse tipo de concessão com tanta frequência, que o único princípio que orienta a nossa política é o de adquirir mais poder.

Essa suspeita se espalhou para além do governo, abrangendo a mídia, os bancos e até mesmo as instituições religiosas — a ponto de nos perguntarmos se vale a pena lutar contra essa corrupção generalizada. Podemos pensar:a própria igreja é corrupta. O amor não dura. Nossos empregadores só querem tirar vantagem de nós. Os políticos não têm nossos interesses em mente. Por que não nos desesperarmos?

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Se tantos de nossos líderes e de nossas instituições só se preocupam consigo mesmos, por que não criarmos nossos próprios feudos por qualquer meio necessário? Vemos isso ao nosso redor: As reuniões do conselho escolar, as reuniões da igreja e as interações pessoais e on-line podem ser tão tóxicas quanto o nosso discurso nacional. Precisamos nos tornar cruéis para sobrevivermos nesses tempos sombrios em que vivemos? Será que Pilatos fez a coisa certa?

Há um perigo em adotarmos a postura moral do império, a fim de sermos bem-sucedidos. É possível conseguirmos o emprego dos nossos sonhos, mas lamentarmos o tipo de pessoa que nos tornamos para chegar lá. Há uma razão para Jesus ter perguntado: o que adianta a um homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma (Marcos 8.36)?

No momento em que ele profere a sentença final, os evangelhos não descrevem Pilatos como alguém que sinta dores na consciência por ter condenado Jesus à morte. Talvez coisas como essa tenham deixado de incomodá-lo, pois o perigo de fazer concessões morais é que, quanto mais as fazemos, mais fácil se tornam.

Pilatos é lembrado como o exemplo paradigmático de concessão moral e da corrupção que ela causa no coração humano. Parece que, quando chegou à presença de alguém verdadeiramente bom e belo — o próprio filho de Deus —, ele não conseguiu reconhecer isso. Ele só viu Jesus como um obstáculo a ser superado no caminho da sua ambição.

Esse é um alerta para todos nós. Quando temos o verdadeiro bem diante de nós, mesmo ferido e ensanguentado, será que ainda conseguimos reconhecê-lo pelo que ele é?

Preocupa-me o fato de que, como igreja, tenhamos deixado de ver Jesus e seu caminho como boas novas. Não me refiro a querer receber os benefícios redentores de sua morte e ressurreição, mas se sua vida e seu modo de ser ainda cativam ou não a nossa imaginação. O chamado de Jesus para cuidarmos dos menores desses irmãos (Mateus 25.40) e buscarmos a santidade pessoal (Mateus 5–7) ainda cativa nosso coração? A cruz como poder na fraqueza (1Coríntios 1.18) ainda informa a maneira como nos envolvemos com o mundo? Ou o que nós queremos é poder para dominar a vontade de homens e mulheres?

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Pilatos estava errado — ele queria as coisas erradas e, se formos honestos, nós também queremos. A questão central da existência humana não é: Como posso ser importante para ser lembrado? A questão é: Será que consigo reconhecer e seguir o Caminho da verdade e do bem quando o encontro?

Depois de ser crucificado, Jesus ressuscitou. Essa é a mensagem da Páscoa. A rejeição da beleza por parte de Pilatos foi rejeitada, e seu erro se tornou uma nota de rodapé na história da redenção.

No entanto, a ressurreição é mais do que provar que Pilatos estava errado. A ressurreição confirma as coisas que Jesus disse sobre si mesmo — que ele é o Filho de Deus. Ela justifica e consolida toda a vida de Jesus como um milagre, e propõe uma maneira diferente de ser humano, uma maneira que não é definida pela busca de poder e de importância em detrimento do caráter.

Amar a Deus e ao próximo, preocupar-se com os oprimidos e sacrificar-se pelos outros não são tolices. Ser santo ainda é o correto. Talvez seja por isso que o credo tenha a audácia de citar o nome de Pilatos: para nos lembrar de que há coisas mais importantes do que sermos lembrados pelo nosso poder.

Esau McCaulley é professor associado de Novo Testamento no Wheaton College e autor de How Far to the Promised Land: One Black Family's Story of Hope and Survival in the American Southe do livro infantilAndy Johnson and the March for Justice, que será lançado em breve. Atualmente, ele está em período sabático em Yarnton Manor e Wycliffe Hall, em Oxford.

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